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ECLIPSE
Roberto S. Bartholo Jr.
“...
Algo que siempre eclipsaba
la luz de tu amor.”
Margarita Lecuona
A
necessidade de se encontrar regulativos éticos
e limites para a espiral cumulativa de poderes, que,
crescendo num vácuo ético, parece colocar
em cheque a sustentabilidade das condições
planetárias de vida, não é preocupação
apenas recente. Duas vozes, já hoje tidas como
antigas, expressaram-na, atentas aos dilemas de um
tempo, que ainda é o nosso
Foi
assim que, Jacques Maritain, em 1966, cunhou o neologismo
verdade ontosófica da Criação,
". ..por duas razões: de uma parte porque
a verdade de que se trata é ao mesmo tempo
filosófica e teológica; de outra parte,
porque ela não é somente ontológica,
ela interessa também ao domínio moral"
O. Maritain, 1966, p. 62).
E
Hans Jonas, em 1979, num livro onde propõe
a "tentativa de uma ética para a civilização
tecnológica ", se interrogando sobre a
possibilidade contemporânea do homem se tornar
o destruidor da vida, busca fundar uma ontologia do
Dever Ser, afirmando que "...o lugar da responsabilidade
é o Ser emergente no Devir; entregue à
transitoriedade e ameaçado pela ruína"
(H. Jonas, 1979, p. 242).
Nosso
mundo é ambivalente. Ele tem a ambivalência
de sua, nossa, relativa liberdade. Foi um filósofo
do idealismo alemão, F.W.J. Schelling, quem,
num escrito de 1809 ("Investigações
sobre a Essência da Liberdade Humana), afirmou
que o tipo de conhecimento da natureza congruente
com uma determinação natural da vontade
somente pode ser expressão de uma consciência
do homem na natureza como Criação.
As
Escrituras nos informam que a naturalidade do existir,
perecível e vulnerável, das criaturas
é boa em si mesma. O livro Gênesis parece
mesmo fazer das palavras "e Deus viu que isso
era bom", um refrão que acompanha ritmicamente
toda a obra dos Seis Dias.
A
ferida aberta na face da Criação pelo
poder de intervenção humano nasce da
pretensão de um sujeito em se instaurar como
o metron de toda realidade.
Uma
pretensão que rouba o espaço para qualquer
admiração "filosófica"
diante de como o "nada" emerge para o "ser".
Ou de como pode participar o ente finito na plenitude
do infinito que sustenta seu existir. Não há
lugar para admiração, espanto, perplexidade,
mistério, quando o conhecimento se submete
aos imperativos de um "pensar de dominação".
A
tradicional profissão de fé cristã
num Deus "criador do céu e da terra, das
coisas visíveis e invisíveis" funde
duas perspectivas diversas. "Céu e terra
" é expressão de origem judaica
para a totalidade do universo. A expressão
"coisas visíveis e invisíveis"
é de origem helênica. A possibilidade
de se conhecer Deus através do "mundo
das coisas visíveis" já é,
no helenismo, problema teológico fundamental.
E na ontologia platônica das idéias o
mythos sobrevive, animando a dimensão teológica
do logos com a visibilidade da transcendência.
Na
teologia helênica a relação entre
visível e invisível se pensa como reprodução
fundada na identidade, enquanto que o núcleo
fundamental da perspectiva espiritual cristã
(Encarnação e Ressurreição)
se fundamenta na radical novidade e na diferença.
Aqui
se faz presente uma tensa polaridade. A mesma que,
na evangelização dos gentios, desdiviniza-lhes
o mundo. Não mais um mundo que é necessária
e eterna emanação do Divino. Mas sim,
um mundo querido por Deus. Um mundo contingente e
transitório, criado do nada, num absolutamente
livre ato de amor.
Essa
idéia do mundo como uma grandeza teológica
permanece até a modernidade tardia e o aprofundamento
do secularismo, quando se faz hegemônica uma
nova atitude epistemológica. São agora
identificadas visibilidade e operacionalidade do mundo.
Ver é fazer. Um fazer que tem por moradia o
cálculo, a exatidão, a precisão,
o maquinismo. Um fazer apoiado sobre o que Hans Urs
von Balthasar designou uma "redução
antropológica", deslegitimadora da verdade
contemplativa da teologia, enraizada no Mistério
da Revelação.
Essa
"redução antropológica",
nascida como projeto especulativo, se confirma a si
mesma na experimentação controlada.
Emerge um "pensar de dominação"
que procura "dividir para vencer", e, para
isso, pretende cortar em dois a realidade: de um lado,
o inteligível, de outro, o ininteligível,
que em razão mesmo de sua ininteligibilidade
é suposto não rios afetar, e sobre o
qual levanta-se um muro de silêncio.
Anestesiar
o Mistério é pretender impor, ao mundo,
o silêncio eterno de espaços infinitos,
de que nos alertava Pascal, para nele resignarmo-nos
a viver "...a errância do homem no mundo
abandonado pelo sentido" (Vaz, 1986, p. 239).
Errância humana num mundo onde, querer falar
da experiência de Deus, é o anacrônico
e dolorido sinal de uma ausência, pois ".
..remover o cadáver de Deus, eis a empresa
que tomam para si os grandes construtores da cultura
pós-teísta " (Vaz, 1986, p. 241).
Leon
Tolstoi, escrevendo em Yasnaia Poliana, em maio de
1893, O Reino de Deus está em Vós, obra
que marcou sua condenação pela Igreja
russa, indicou os dois principais equívocos
em relação ao cristianismo, "...dos
quais resulta a maior parte dos raciocínios
falsos de que é objeto" (Tolstoi, 1994,
p. 119). O primeiro é identificá-lo
com "regras que os homens têm que obedecer".
O segundo é reduzir sua filosofia ao simples
"amor à humanidade", desvinculado
do amor a Deus.
Superar
esses equívocos é travessia que se estende
à nossa frente. É oriente para a errância,
e é também experiência radical
de sentido. Arriscada travessia, onde cessam todas
as garantias a priori. E com agudeza cortante, ao
fim do século XIX o anarco-cristão russo
expunha "às igrejas" de seu tempo
uma inapelável escolha: Sermão da Montanha
ou Dogma, pois "...um exclui o outro" (Tolstoi,
1994, p. 99).
Quando a tecnociência se hegemoniza no bojo
do secularismo contemporâneo, "as igrejas"
de nossa errância, podem até prescindir
de Deus. Mas não do Dogma, travestido em regras
de um método de captura da verdade pelo meramente
correto, operativamente eficiente, objetivamente descrito.
Os eventos decisivos da vida humana, concepção,
nascimento, saúde, envelhecimento e morte,
podem, então, tornar-se meros encadeamentos
de causa/efeito, disponíveis para servir como
objetos de conhecimento e instrumentalização.
E
num tal contexto tornamo-nos cegos para a verdade
de que "...todo ente é mais do que ele
mesmo. Todo evento é mais que sua seca execução.
Tudo se refere a algo sobre ou atrás de si.
Somente a partir daí se torna pleno. Se essa
percepção desaparece então esvaziam-se
as coisas e também as ordens. Elas perdem a
força do sentido, não convencem mais"
(Guardini, 1986, p. 86).
Decifrando
o código genético-informacional da vida,
a tecnociência vislumbra a factibilidade de
uma "re-escritura" do livro da natureza.
Nela radica a fragmentação do genus
bumanum numa pluralidade de blueprints de projetos
bioengenheirais de espécimens, supostamente
aptos para o desempenho "ótimo" de
realizações préestabelecidas.
Mas o enraizamento de nosso existir no Mistério
não é uma afirmativa de cunho meramente
factual. Ela é um imperativo ético,
que funda a liberdade da pessoa, e que pode ser expresso
com as palavras de Hans Jonas: "...respeita o
direito de cada vida humana para encontrar seu próprio
caminho e ser para si mesma uma surpresa!" (Jonas,
1987, p. 194). Surpresa vital, tecida de alteridade
e vulnerabilidade. Vida do sentido. Sentido da vida.
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* * * * * *
REFERÊNCIAS
BALTHASAR
Hans Urs von, Cordula oder der Ernstfall. Johannes
Verlag, Einsiedeln, 1969.
GUARDINI
Romano, Das Ende der Neuzeit. Die Macbt, Mainz/Paderborn,
1986.
JONAS
Hans, Das Prinzip Verantwortung. Versuch einer Etbik
für die technologische Zivilisation. Frankfurt
am Main: Insel Verlag, 1979.
JONAS
Hans, Technik, Medizin und Ethik. Praxis des Prinzips
Verantwortung. Frankfurt am Main, 1987.
MARITAIN
Jacques, Le Paysan de Ia Garonne. Un vieux laïc
s'interroge à propos du temps présent.
Paris: Desclée de Brouwer, 1966.
TOLSTOI
Leon, O Reino de Deus Está em Vós, Ed.
Rosa dos Tempos, Trad. Celina Portocarrero. Rio de
Janeiro: 1994.
VAZ
Henrique Cláudio de Lima, Escritos de Filosofia
I. Problemas de Fronteira, São Paulo: Loyola,
1986.
NOTAS
Professor do Programa de
Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ,
coordenador do LTDS - Laboratório de Tecnologia
e Desenvolvimento Social.