A
Genética Médica contemporânea
contempla uma série de atividades clínicas
envolvendo atitudes e propedêuticas médicas
voltadas para o diagnóstico, tratamento,
assistência e prevenção das
doenças .genéticas. Mais recentemente,
a Genética Médica tem atuado de forma
relevante na orientação de indivíduos
sadios submetidos a testes genéticos preditivos.
Neste sentido, a Genética Psicossocial tem emergido
como uma nova disciplina científica no acompanhamento
de tais indivíduos, investigados através
dos testes genéticos moleculares.
As
estratégias de prevenção das
malformações congênitas, retardo
mental e doenças genéticas podem ocorrer
em três planos distintos da atuação
médica: primária, secundária
e terciária, entendendo-se como prevenção
primária as medidas que evitem sua ocorrência.
Tais anomalias congênitas afetam 1 a cada
10 ou 20 crianças que nascem e, não
obstante a sua freqüência, 50% destas
poderiam ser prevenidas através de medidas
simples. A essência das medidas recomendadas
é ter filhos em idades propícias,
vacinar-se contra a rubéola, atender às
consultas pré-natais, não tomar medicamentos
desnecessários, não beber álcool,
não fumar, alimentar-se adequadamente e inteirar-se
sobre os riscos do trabalho.
A
prevenção secundária, por sua
vez, lida com propedêuticas médicas
no sentido de identificar malformações
congênitas ou doenças genéticas
em gestações já em curso. Para que a
prevenção secundária obtenha
o resultado desejado há de se admitir a opção
do casal em não continuar a gravidez diante
das anomalias detectadas.
A
prevenção terciária lida com
a minimização das complicações
associadas às malformações
congênitas e doenças genéticas
desde o período fetal até a vida adulta. O Quadro I
(em anexo) resume as atividades de um geneticista
clínico e sua propedêutica nas diferentes
etapas da vida de um indivíduo.
A
medicina preditiva introduziu uma quarta forma de
prevenção à doença,
especialmente para as doenças neurodegenerativas
e o câncer. Trata-se
do estudo genético de indivíduos sadios
com a finalidade de identificar genes mutados que
predisponham a determinadas doenças de instalação
na vida adulta. O Quadro II (em anexo) resume algumas
doenças que atualmente podem ser investiga
das de forma preditiva através das técnicas
da genética molecular. Os agregados familiares
são os que fundamentalmente se beneficiam
desta prática clínica.
Entre
os primeiros passos para a instalação
de programas preventivos de saúde devemos
levar em consideração as diversidades
da estrutura socioeconômica e religiosa da
população. O conhecimento do senso
comum com respeito à saúde, as tradições
de ordem social e religiosa e as expectativas sociais
dos indivíduos e da comunidade devem ser
acessadas de forma bem-definida. É aconselhável,
também, urna efetiva avaliação
do tipo de atendimento médico que está
ao alcance da maioria dos cidadãos e qual
tipo de problema de saúde pública
os aflige (anemia falciforme, síndrome de
down, fibrose cística, câncer de mama,
entre outros).
Os
objetivos de tais programas de prevenção
devem levar em consideração que os
mesmos não devem ser implantados de forma
a impor determinados testes genéticos ou
decisões reprodutivas à clientela.
Deve-se reconhecer que dentro de um mesmo país
existem diversidades cultural e de opinião
a respeito de uma série de temas relativos
à genética. Tais temas incluem questões
voltadas à reprodução humana
e à construção cultural - individual
ou comunitária - com relação
aos "menos capazes". Recente estudo da
Organização Mundial de Saúde,
conjuntamente ao World Alliance of Organizations
for the Prevention of Birth Defects, reiteram tais
princípios éticos na implantação
de serviços para a assistência e prevenção
das malformações congênitas
e doenças genéticas, principalmente
em países em desenvolvimento.
Apesar
das marcantes diferenças existentes entre
países, inclusive entre esta- dos, assim
como entre diferentes correntes bioéticas,
podemos considerar como consensuais cinco princípios
básicos na condução da implementação
dos programas de assistência e prevenção,
visando proteger a clientela: autonomia, privacidade,
justiça, qualidade e eqüidade.
Por
autonomia entende-se como uma decisão voluntária
de submeter-se ao teste genético através
de um termo de consentimento consciente, livre e
esclarecido. A orientação médica
deverá ser informativa e não-diretiva,
baseada em riscos de ocorrência ou recorrência
preestabelecidos nos programas de aconselhamento
genético, sendo que a qualquer momento o
consulente poderá retirar-se do programa
proposto ou não requerer o resultado do exame
ao final da pesquisa.
Por
privacidade entende-se como o direito de assegurar
ao cliente a confidencialidade das informações
obtidas e preservá-las do alcance de terceiros,
como pessoas ou familiares, instituições
públicas ou instituições privadas.
Há também, nestas circunstâncias,
necessidade da preservação do anonimato,
principalmente ao indivíduo portador de uma
malformação congênita compatível
com a vida e detectado pelos programas de rastreamento
pré-natal.
Por
justiça entende-se a preservação
dos direitos daqueles juridicamente incapazes. Estamos
aqui nos casos de diagnóstico intra-útero,
assegurando desde o período pré -
- natal os direitos do feto, caso os pais, responsáveis
únicos pela gestação, considerarem
que a diversidade da espécie humana deva
ser respeitada ao nascimento.
Por
qualidade entende-se como a existência de
processos contínuos de auto-avaliação
e avaliação externa dos serviços
genéticos mantendo-se um padrão de
excelência quanto à especificidade
e sensibilidade dos exames em questão.
E,
por fim, por eqüidade entende-se como sendo
o direito ao acesso aos exames genéticos
independente da origem racial, geográfica
ou da classe econômica das pessoas.
A
prevenção no contexto das doenças
genéticas levam a inevitáveis discussões
polêmicas sobre o diagnóstico pré-natal,
interrupção seletiva de gestações,
perda dos direitos civis pela interdição,
esterilização e a engenharia genética.
Num plano mais amplo de discussão, também
questiona-se a discriminação com relação
à cobertura dos planos de saúde.
No
Brasil, a grande maioria de serviços genéticos
está vinculada a instituições
de ensino ou de pesquisa; contudo, há uma
demanda a serviços médicos privados. Existem hoje
no Brasil cerca de 33 serviços de Genética
Médica distribuídos nas principais
cidades urbanas do país [RS(4), SC(I), PR(2),
SP(16), RJ (3), MG (2), DF (1), AL (1), PE (2),
CE (1)] e, cerca de 35.000 famílias foram
atendidas no ano de 1995, visando orientação
genética. A maioria das propedêuticas
e exames listados nos Quadros I e II (em anexo),
em via de regra, deve nortear- se a partir dos princípios
bioéticos acima listados.
ERA
DO GENOMA HUMANO
Não
podemos deixar de ressaltar que a Genética
Médica foi a grande inspiradora do projeto
Genoma Humano e a aplicação médica
das informações obtidas a partir do
seqüenciamento do genoma tem sido uma realidade
na prática da Genética Médica
contemporânea no Brasil. O enorme impacto
médico e social que tais doenças genéticas
trazem aos afetados, às suas famílias
e à sociedade, poderão, no final,
justificar todo o empenho para tal magnitude de
projeto científico globalizado.
Contudo,
a comercialização do genoma gerou
uma indústria genômica voltada para
a descoberta e patente dos genes, suas variações
e funções, além das proteínas
correspondentes. A descrição final
do genoma, através do ordenamento de pares
de bases - semelhante à tabela periódica
dos elementos na química ou o alfabeto para
a escrita - é, apenas, uma introdução
para o seu completo conhecimento. Uma vez completa
a seqüência do genoma, esta estará
disponível ao público, sem ônus,
cedida pela companhia de biotecnologia Celera e
pelo Projeto Genoma Humano do National Institute
of Health (USA). O valor comercial desta seqüência
de DNA estará capitalizada a partir das novas
informações e descobertas que se somarão
ao completo seqüenciamento.
As
oportunidades financeiras em busca de novas estratégias
comerciais, utilizando as informações
obtidas a partir do projeto Genoma Humano e voltadas
à cura e/ou tratamento das doenças
genéticas são uma realidade. Quatro modelos
básicos de empresas emergiram da indústria
genômica e estão resumidos no Quadro
III. (em anexo) Destas diferentes oportunidades
financeiras, hoje, há um parque farmacêutico
estimado em US$ 300 bilhões de dólares
em investimentos com um crescimento previsto para
2020 na ordem de US$ 3 trilhões de dólares.
Diante
do exposto, fica evidente a crescente responsabilidade
bioética de setores estratégicos no
Brasil voltados à Genética, como gestores
de políticas públicas de saúde,
às instituições de pesquisa,
às agências de fomento, o Conselho
Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) junto
aos CEPs locais, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, a mídia e a comunidade
civil para que a transferência de conhecimento
e tecnologia da mais alta sofisticação
genética seja amplamente abrangente no país
de forma a atender os cincos princípios éticos
na assistência e prevenção das
doenças genéticas já citados:
autonomia, privacidade, justiça, qualidade
e equidade.
* * * * * * *
Quadro
I
Formas
de Intervenção e Propedêutica
na Genética Médica
1
Fertilização in vitro e diagnóstico
genético molecular ou citogenético
(FISH) em célula única.
2 métodos invasivos, implicando em testes
com risco de perda fetal pela mãe.
3 A Constituição brasileira não
permite aborto, exceto em casos de estupro e risco
materno. Casos de jurisprudência para malformações
congênitas letais (ex. anencefalia) já
foram concedidos em diversos estados brasileiros.
4 Os protocolos de pesquisa em terapia gênica
estão disponíveis para determinadas
doenças genéticas (anemia de Fanconi,
fibrose cística, entre outras).
Quadro
II
Exemplos
de Testes Genéticos Preditivos Disponíveis
na Prática Médica
1
Por definição, aplicado em indivíduos
sadios, insentos de doenças até o
momento do exame.
Quadro
III
Oportunidades
de Receita Comercial na Indústria Genômica
NOTAS
Médico, Geneticista
Clínico, Departamento de Genética
Médica do Instituto Fernandes Figueira/FIOCRUZ,
Membro do Comitê de Ética em Pesquisa
com Seres Humanos do IFF/FIOCRUZ.
Rose, P. e Lucassen, A.
Practical genetics for primary care. Oxford General
Practice Series, Oxford University Press. (1999)
Harper, P. (1993) -Psychosocial
genetics: an emerging scientific discipline. J.
Med Genet 30:537.
E. Castilla, Lopez-Camelo,
E Paz, I Orioli - Em: Prevención Primaria
de los Defectos Congénitos, Rio de Janeiro:
Editora FIOCRUZ. 1996.
O diagnóstico genético
pré-implantação começa
a ser oferecido em clínicas privadas no Brasil.
Os diagnósticos molecular e citogenético
(FISH) estão sendo realizados em células
únicas provenientes da fertilização
in vitro e blastômeros pré-iplantação.
É a forma mais precoce de prevenção
secundária.
Wilson, G. e Cooley, W.
Preventive management of chindren with congenital
anomalies and syndromes. Cambridge University Press,
2000.
Rose, P. e Lucassen, A.
(1999) - Em: Practical genetics for primary care.
Oxford General Practice Series. Oxford University
Press.
Schrag, D. Kuntz, K. Garber,
J. e Weeks, J. Life expectancy gains from cancer
prevention strategies for women with breast cancer
and BRCA1 or BRCA2 mutations. JAMA 283(5):617-624,
2000.
V. Penchanszadeh, A. Christianson,
R. Giugliane, v. Boulyjenkov, e M. Katz. Services
for the prevention and management of genetic disorders
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Genet 2:196-201, 1999.
Brunoni, D. Estado atual
do desenvolvimento dos serviços de genética
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Morgan Stanley Dean Witter
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