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GENOMA
HUMANO: LIMITE AO ACESSO E USO DE GEN-TES
Fernanda Carneiro
Maria Celeste Emerick
Marcos Rocha
1 – PRIMEIRAS PALAVRAS
A
pulsão de autoria movimenta as forças
criativas da pessoa, promovendo uma solidão,
assim nos ensina um Mestre (M. Buber). Este movimento,
necessariamente harmonizado à pulsão
do coletivo pela união com os outros
na conversação e no debate, confirma
e sinaliza melhores caminhos para o pensamento
e a ação no mundo.
Este
artigo fluiu na vertigem de convivência
e da escuta de frases ditas, e depois transcritas,
na Oficina de Trabalho: Genoma Humano –
aspectos éticos e jurídicos de
seu acesso e uso, com o fim de compor
a coletânea de textos-referência
do Seminário Saúde & Ambiente,
promovido pela Fundação Oswaldo
Cruz. Optamos por fazer aqui um alinhavo de
idéias ali colocadas, compondo um tecido
possível. Que seja compartilhado!
A
Oficina teve como objetivo ”dar continuidade
ao debate Recursos Genéticos Humanos:
limites ao acesso, buscando aprimorar categorias
e conceitos éticos e jurídicos
sobre práticas de acesso, mapeamento e intervenção
no genoma humano, no contexto das inovações
tecnológicas”. Dela participaram
40 pessoas que adotaram uma metodologia que
privilegiou, inicialmente, a fala de expositores
e debatedores, profissionais de áreas
do conhecimento heterogêneas. Desejávamos
reconhecer a similaridade de posição,
idéias e incertezas, sem intenção
de engenheirar consensos. Pontuamos interrogações/incertezas
que as múltiplas dúvidas fazem
permanecer em pauta. Inauguramos uma rede ativa
de pessoas, que desejamos tornar permanente,
como forma de subsidiar práticas e elaborar
conceitos para propostas regulamentares, em
contínua colaboração.
1.1
– Expositores e Debatedores
Adriana Diaféria – Direito (SP)
Álvaro Jorge França – Direito
(SP)
Ana Clara Guerrini Schemberg – Pesquisadora
Biomédica (SP)
André Rios – Filósofo (RJ)
David Hathaway – Economista (BSB)
Dirceu Greco – Pesquisador Biomédico
(MG)
Fermin Roland Schramm – Bioeticista (RJ)
Gisela Alencar – Direito Internacional
(BSB)
Halyna Grynberg – Psicanalista (RJ)
José Antônio Peres Gediel –
Direito Ambiental (PR)
Laymert Garcia – Sociólogo (SP)
Márcio Fabri – Filósofo
(SP)
Marcos Rocha – Direito (RJ)
Maria Celeste Emerick – Socióloga
(RJ)
Mário Toscano de Brito Filho –
Médico, Professor de Bioética
(PB)
1.2
– Convidados participantes:
Alexandre Meyer Lima, Anderson Marcos dos Santos,
Ana Maria Tapajós, Ana Regina Holanda
Cavalcanti, Aurélio Virgílio Veiga
Rios, Cibele Barreto Lins Verani, Corina Bontempo
Duca de Freitas, Eliane Cristina Pinto Moreira,
Elza Cunha, Francisco Eugênio Arcanjo,
Glória Christina Barbosa, José
Luis Teles de Almeida, Juan Lerena Junior, Laia
Mattar e Rodrigues, Leila Macedo Oda, Marcos
Freire, Marilena Corrêa, Marília
Bernardes, Marisa de Souza Alonso, Nelida Jessen,
Nilo Diniz, Patrícia Seixas da Costa,
Pedro Cabelo, Ricardo Amaral Remer, Ricardo
Santos, Roberto dos Santos Bartholo Júnior,
Sílvio Valle.
Impossível
resumir em um artigo, escrito em curtíssimo
prazo, a exuberância de propostas, pensamentos
e inquietações ali colocados.
A fala concisa de cada participante foi o fio
condutor do trabalho. Cada um escutou e viveu
a sinceridade de uma reflexão coletiva.
Equívocos de interpretação
são de nossa inteira responsabilidade,
pois a palavra oral tem natureza diferente da
palavra escrita. Co-autores(as), em diálogo,
vamos respondendo ao que nossa situação
histórico-biográfica nos coloca
atentos(as) ao fato de que “a responsabilidade
é o apelo sempre de novo em nosso presente”
(Buber 1985).
2 – A AUTORIA DOS TEXTOS DA VIDA
O
corpo das gen-tes foi visto como lugar para
onde se voltam interesses e poderes contemporâneos
– onde se inclui o poder tecnocientífico
– e de onde partem os desejos e o poder
de transformação filtrados das
influências do mundo. Relações
interpessoais complexas e de interdependência
configuram o psíquico-físico-químico
articulado por hífens: o corpo íntegro,
complexo e ambíguo produz culturas e
demanda proteção. É independente
na dependência.
A
experiência do limite foi conduta ética
deste coletivo.
A
leitura do material bruto deu-nos a perceber
associações, complementações
e a constância entre algumas idéias.
E... algo curioso! A edição e
reedição daquele material colocaram
em questão a autoria deste texto. A quem
pertence esse novo tecido aqui apresentado?
Cada fala tem sua singularidade, prolixidade,
reporta-se a outros, faz conexões, cita
autores, reelabora... E um outro texto está
aqui apresentado. Sua autoria torna-se, no mínimo,
difusa.
“Essa
história é exemplo de um dilema
com que pode confrontar-se um investigador.
Ele sabe que um colega tem trabalhado durante
anos em um problema e tem acumulado uma massa
de evidências que não foram ainda
publicadas (...). Não é fácil
estar certo se a nova idéia é
realmente sua ou se veio sendo inconscientemente
assimilada em conversas com outros”
“Que
interessante metáfora podemos fazer!”,
pensou esta relatora neste momento. A quem pertence
um texto recriado após a escuta e releitura
de tantas palavras e da doação
de sentido a informações ouvidas,
inevitavelmente conectadas a outras? A quem
interessa e pertence cada informação
e este texto final? As singularidades expressas
na sinceridade das palavras pronunciadas, mesclam-se
com a pluralidade de saberes e experiências
de vida trazidos nos enigmas e enunciados de
outras falas e são fontes difusas desta
narrativa. Tantas formas haveria de editá-la
Ora,
pois, também as questões do pertencimento
do genoma humano e das informações
genéticas e a licitude de sua manipulação
são centrais no debate contemporâneo
sobre proteção social a estes
bens. A possibilidade do uso das biotécnicas
de fusão da informática com a
biologia permite reprogramar e recombinar os
textos da vida e do ambiente humano. O corpo
– vulnerável – não
é mais dissecado, é bioinformatizado.
Torna-se fonte de matérias-primas, a
“mina de ouro” de algo que disputa
um valor econômico de difícil apreensão
e justificativa ética: seremos meios
para que fins? O resultado não é
um artefato, mas algo com a fração
daquilo que foi utilizado. De quem seria a autoria
de novas reedições do texto genético?
Não seria uma simples reconfiguração?
É lícito manipular tecidos humanos
e ser virtualmente proprietário de gen-tes
ou de outros modos de reprodução
de gen-tes? Como provocar modificações,
sem maleficência, às futuras gerações?
Como definir os limites do poder da tecnociência
e do modelo industrial aplicado à atividade
inventiva que interfere na herança genética?
A
questão do patenteamento de seres vivos
e das informações genéticas
dos humanos pautou-se como um tema-chave de
nossa contemporaneidade. Cá entre nós,
ao estimular novas perguntas, velhas e novas
objeções, essa questão
se coloca como temática central na comunidade
de nossa elaboração coletiva.
Não se trata apenas de uma dificuldade
nacional. É um confronto na ordem internacional.
Os múltiplos discensos sinalizam saberes
e poderes em disputa. Referem-se à base
filosófica e jurídica de uma ordem
social (patenteamento) de difícil aplicação
ao corpo humano – psíquico, íntegro,
complexo – ou, a saúde sob novos
conceitos.
As
controvérsias giram em torno da natureza
biológica da humanidade e sobre as hipóteses
colocadas pelo pensamento acerca da “perturbação
material no campo não-jurídico
sem respostas no regime de propriedade contemporâneo
que hoje a lei legítima” (José
Antônio Peres Gediel). O que é
lógico do ponto de vista da comunidade
científica deve ser a base da definição
jurídica? (Sílvio Valle). O que
está definido em leis de ordenação
de práticas comerciais é legítimo
para descobertas sobre o corpo humano desmaterializado
em informações genéticas?
Interferir em processos normais para produzir
uma nova linhagem como padrão metabólico
alterado caracterizaria uma intervenção?
Práticas
inusitadas também para a ciência
e para o direito não encontram referências
nos costumes. Há um horizonte aberto
e um domínio insuspeitado para a apropriação
de uma realidade virtual pelo capital. “Para
a ‘nova economia’ o problema consiste
em encontrar uma fórmula jurídica
que permita assegurar o acesso e o controle
das informações nos dois extremos:
no plano molecular e global. A leitura do código
genético passa a ter representações
sociais como se fossem mais do que uma simples
descoberta: a posse de mais um dispositivo de
decifração que corresponde ao
texto da vida já é reivindicado
como direito sobre a própria vida”
(Laymert Garcia).“Porém,
a informação genética faz
parte de uma universalidade de bens que fazem
a composição do DNA e não
pode ser aferível apenas por aquele que
a detém” (Adriana Diaféria).
Se
a instrumentação biotecnológica
for levada ao extremo dos seus possíveis,
a única coisa que conta é o que
pode ser capturado da realidade e traduzido
numa nova configuração. A questão
do acesso ao genoma refere-se à informação
genética e à informação
digital. A proteção das inovações
pelo regime de propriedade intelectual alcança
o valor informacional dos produtos e processos
manipulados pela bioinformática (Laymert
Garcia).
Qual
o papel do direito e de cada um dos campos do
saber para definir a proteção
ao humano?
Entre
nós, a postura intelectual marcante foi
a de buscar propostas para o pensamento, práticas
e regulamentações que sejam propositivas.
Há que se fortalecer alternativas não-legitimadoras
da tendência dominante de calcar-se no
modelo industrial restrito a considerações
econômicas e tecnológicas para
a proteção da vida e da saúde.
3
– PESSOA NÃO É COISA
Os
dois elementos do Direito clássico –
os sujeitos e as coisas – vêm marcados
na noção jurídica de relação
privada, com a visão individualista de
que é possível um sujeito ser
titular de várias coisas que estão
no mundo, no mundo da natureza ou no mundo da
sociedade, a natureza transformada pelo trabalho
humano.
Os
grandes investimentos econômicos que impulsionaram
o desenvolvimento de tecnologias específicas,
para a realização das pesquisas
científicas no campo da genética
humana, provocam a necessidade de uma profunda
reflexão sobre o processo de “coisificação
(reificação) e apropriação
privada de elementos do corpo humano”
Este processo não
se restringe a discutir sua “disposição
onerosa ou apropriação derivada
(comercialização)”, mas provoca a
necessidade de se discutir a possibilidade de
se proteger a informação genética
contida no DNA humano com “um bem de interesse
difuso” (Adriana Diaféria). O direito
sobre as coisas interessa ser definido para
permitir a circulação dos bens
no mercado. O que o capital disputa atualmente
é o valor econômico dessas informações
genéticas. José Antônio
Gediel propõe também revitalizar
o conceito de res comunis, associado a outro
regime de propriedade, não influenciado
ainda pela noção do mercantilismo.
O elemento uso que aparece na discussão
atual é um complicador, mas instiga pensar
na possibilidade de um uso plural, com gradações
de poderes definidas.
Como
já foi mencionado, a informação
genética faz parte de uma universalidade
de bens que fazem a composição
do DNA, e sua definição jurídica
não encontra bases seguras no Direito
moderno. Se não pode ser aferível
apenas com exclusividade daquele que a detém,
porque é um bem indivisível e
tem titularidade indeterminada, ela deve ser
compreendida como bem de interesse difuso. Partindo
desse pressuposto, a identidade e integridade
daquele patrimônio, independe do patenteamento,
do acesso e das tecnologias utilizadas para
obtenção daquela informação
(Adriana Diaféria). O problema está
em estabelecer controles sociais para estabelecer
a rede de proteção de acesso e
controle.
3.1
– Ponto de partida: a dignidade da pessoa
A
realidade que problematizamos – acesso
e uso das informações biológicas
humanas – envolve instâncias socio
políticas e antropológicas. Cada
um dos participantes também se pensou
como pessoa, inserida em instância de
poder social, a quem a realidade dirigi um apelo
e exige um posicionamento. Provocações
psicanalíticas fizeram admitir no debate
a reflexão sobre a ética do sujeito
do inconsciente, colocando em pauta
o desejo e o interesse do cientista.
O
que seria indevido? Na era tecnocientífica,
práticas no campo da saúde não
devem dissimilar um campo de dominação
e apropriação da natureza humana
e de toda cultura que lhe é correspondente.
O fato do acessso e uso das informações
genéticas, nas falas mais diversas, clama
pelo princípio da tradição
que percebe-se ameaçado: a dignidade
da pessoa! O consentimento individual é
necessário mas não suficiente,
porque esse bem – informação
genética – é indivisível
e sem titularidade determinada. Partindo desse
pressuposto deve-se tentar traçar o caminho
para proteger a identidade e a integridade daquele
patrimônio. (...) O genoma humano poderia
ser configurado como um macrobem, composto por
uma universalidade de microbens que seriam as
informações genéticas e
o acesso e a disposição desses
microbens teriam que ser regidos, entre outros,
pelo princípio maior da dignidade da
pessoa humana estruturado por uma outra gama
de princípios: diversidade, integridade,
consentimento informado, confidencialidade,
prudência, responsabilidade, vulnerabilidade,
igualdade e qualidade (Adriana Diaféria).
Mas,
desta vez. há que se explicitar uma “novidade
radical”: a dignidade de
que aqui se fala não designa o ser de
homens e mulheres, mas a humanidade destes.
Ela é que está sendo ameaçada
(...). E a ameaça não se restringe
ao domínio dos direitos da pessoa, pois
estes encontram-se também em cheque por
quatro tipos de dificuldades postas pelas aplicações
tecnocientíficas no contexto da nova
economia: a conquista do plano da informação
começa a apagar as fronteiras que separam
o inorgânico do ser vivo e do objeto tecnológico,
mas num sentido perverso. É difícil
reconhecer e distinguir (juridicamente e no
plano das representações) pessoas
e coisas, ser humano e animal, humanos e máquinas,
homens e mulheres (Laymert Garcia)
Tanta
novidade traz complicações no
discurso, nos campos de conhecimento, no modo
de pensar, pois somos acostumados a elaborar
e agir como sujeitos, juridicamente legitimados
como titulares de direito individuais. Tal perturbação
sugere uma crise no modelo jurídico do
século XIX, mesmo para a aplicação
do princípio maior da dignidade da pessoa
humana.
Uma
idéia trazida para responder a esta precepção
de que um outro vetor caracterizaria a informação
genética do macrobem (genoma humano)
como bem de interesse difuso, isto é,
sem titularidade determinada (Adriana Diaféria),
foi acolhida como uma das contribuições
mais importantes emergentes em nossa oficina,
sinalizando um caminho para a continuidade da
reflexão.
A
questão-chave surge provocativa e instiga
a responsabilidade:
A
preservação da espécie
humana ou seu desaparecimento deixa de ser uma
especulação tornando-se um problema
do nosso tempo (Laymert Garcia). Um bem comum
clama por proteção.
Pode-se
pensar o genoma como um texto expressão
de uma espécie? O que é a espécie
humana? Seria o conjunto de indivíduos
(indivisíveis e singulares), ou não
somos mais gente, mas portadores de genes? Genes não
são humanos em si, mas se expressam genuinamente
num ser humano – naturalmente produtor
de culturas e valores – uma diferença
que faz a nossa diferença (continuarmos
a nos identificar como nós, humanos?).
Não seria direito da espécie não
permitir, coletivamente, que o próprio
poder humano vá além daquilo que
se pode admitir?
Velhos
humanistas questionam também se o Homem
– espécie reconhecidas pelas Ciências
Naturais, “é livre para renunciar
à sua qualidade de Homem” (Laymert
Garcia). Sob que risco pretende-se renunciar
à humanidade do Homem?
O
que seria, então, um bem comum?
A
diversidade e singularidade dos humanos são
vistas como bens a serem preservados. Nossas
bizarrices culturais, etnografadas pela antropologia,
demonstram a dificuldade de universalização.
Mas, temos valores culturais comuns? Temos em
comum nossa humanidade – uma humanidade.
“Nós,
advogados, sabemos que bem comum é uma
retórica. Bem não é bem.
Comum não é comum (...). A ética
reflete sobre o bem e o mal. O Direito moderno,
o que faz? Ele não reflete. Ele é
o mínimo ético. Ele não
reflete sobre o bem nem sobre o mal. Ele reflete
sobre bens ( a palavra bens não lembra
bens patrimoniais e valores financeiros?) :
vida, honra, liberdade, dignidade” (Maria
Celeste Cordeiro dos Santos).
As
ciências, o direito e a filosofia reconhecem-se
inaptas para justificar, cada uma por si, a
decisão moral sobre a humanidade investida
nos materiais biológicos que são
fonte para uma leitura informatizada do corpo
e para uma identidade biológica. Convoquem-se
as ciências sociais e políticas!
Novas tarefas são colocadas para a ética
e o direito e um consenso pôde ser delineado:
biotecnologias não devem servir para
que pessoas e países sejam excluídos
dos benefícios à saúde
e econômicos. O direito deve tornar-se
propositivo e não ceder à tentação
de criar um discurso legitimador de ordens sociais
orientadas por interesses que ameaçam
a integridade humana e estigmatizam grupos populacionais.
Há
temores derivados de abusos possíveis.
Estudiosos de todos os campos debruçam-se
sobre o tema buscando delimitar o problema.
3.2
– Um temor entre os cientistas: preserve-se
a liberdade de pesquisa!
Os
próprios cientistas da biomedicina e
das ciências sociais temem abusos. Há
limites evidentes nos testes de biossegurança
e na aplicação do que já
é possível conhecer. O vertiginoso
progresso biotecnocientífico se por um
lado contribui de forma inquestionável
para o bem-estar humano, por outro levanta questões
tais como a segurança biológica
e os limites éticos de seus avanços
(Mário Toscano).
A
ignorância e o saber sobre os corpos,
a influência do ambiente na expressão
genética modificada e a dificuldade de
controle dos riscos associados, podem provocar
danos à pessoa, no ambiente, à
sociedade e às espécies. Sabemos
disso. Acabou a inocência da experimentação
e alterou-se a relação entre experimentação
e ato (chegada à linha de produção).
Os efeitos de uma alteração genética
provocada pode propagar-se e autopropagar-se,
a longo prazo, sempre muito além do que
a teoria pode prever. Não se pode recolher
pessoas ou populações: alterou-se
a relação reversibilidade/ irreversibilidade.
Foram
os biólogos os primeiros a se assustar,
após a descoberta da estrutura do DNA,
dando partida a um processo de conferências
e elaboração de regulamentações
nos países produtores de biotecnologias.
Mas
há um temor especial disseminado no senso
comum recorrentemente explicitado: a liberdade
de investigação não dever
ser ameaçada!
À
medida que os avanços da ciência
vão acontecendo, nós temos que
Ter esse cuidado de ir fazendo uma reflexão
e seguir encontrando os limites e preservando
a liberdade de pesquisa. Não é
um balanceamento simples, banal (Maria Cecília
Minayo)
Abusos
possíveis existem, tais como: a identidade
pessoal se calcar na primazia da caracterização
biológica com discriminações
negativas na sociedade, com pulsões eugenistas;
desresponsabilização pessoal e
institucional; patenteamento de informações
da intimidade genética pessoal; hipervalorização
do direito individual... Por que e como proteger
valores humanos? O que deve ser interditado,
que sanções aplicar? Como realizar
o acompanhamento e a participação
sociais? Precisamos conversar muito com a área
biológica, levantar questões de
fato, entender mais a percepção
do próprio pesquisador sobre a necessidade
do limite (Maria Celeste Emerick).
Os
cientistas estão falando e emitindo declarações,
afirmando que certos limites têm de ser
respeitados a exemplo da recente declaração
feita por cientistas americanos da National
Academy of Science: “as informações
sobre o genoma humano devem estar livremente
disponíveis para a sociedade”. Depois que uma
coisa é descoberta ninguém
mais pode escondê-la. Se não tomamos
cuidado, caímos no obscurantismo, quer
dizer, enquanto o mundo vai estar participando
desses esforços de seqüenciamento,
de conhecimento mais aprofundado do funcionamento
genético, nós vamos estar aqui
discutindo o que se deve ou não fazer”
(Ana Clara Guerrini Schemberg).
O
que significa as informações estarem
“livremente disponíveis para a
sociedade”, posição defendida
por alguns cientistas da comunidade internacional?
Livre para quem? Livre para quê? Ao discutirmos
limites estamos admitindo que as informações
genéticas devem estar protegidas. O que
deve ser restringido?
Ainda
que a Ciência tenha um forte discurso
da verdade, nem por isso cientistas evitam questionamentos
sobre todas as conseqüências.
De
que maneira um país consumidor de tecnologias
beneficiará seu processo genuíno
de desenvolvimento e decidirá sobre testes
clínicos se é dependente de tecnologias
e encontra-se num contexto desigual de poder? Como analisar tudo
isso, formado uma massa crítica? (Marcos
Freire). Temos de nos preparar para definir
quais são os nossos termos de negociação.
No Brasil, o que atrai a comunidade internacional
não é termos mais ou menos leis.
Pode ser o fato de termos aqui uma enorme quantidade
de pacientes virgens de tratamento (Ana Maria
Tapajós). Neste ponto, cabe lembrar uma
das tendências em curso na discussão
sobre a revisão da Declaração
de Helsinque propondo o uso de
placebo em investigações clínicas
se o evento final, o end point, não for
morte ou incapacidade física, desde que
este uso garanta a eficiência de um projeto.
O consenso atual e que se quer mudar é
de que ensaios clínicos só devem
ser feitos com drogas comparadas ao melhor medicamento
existente e eficaz (Dirceu Greco).
A
ciência, vista no interior dos problemas
de saúde e dos conflitos de interesse,
mostra-se também ciente de que está
envolvida em uma realidade e ela sozinha não
pode resolver, havendo necessidade de debater
na sociedade o que se deve fazer ou não
no terreno científico. Não fosse
isso não haveria nem as Declarações!
A Declaração de Helsinque, permanentemente
citada, vem sendo alvo de revisões, e
há uma corrente médica propondo
o relaxamento no rigor do uso do placebo em
países onde não há oferta
do melhor tratamento! Os princípios da
igualdade e da dignidade estão sendo
atingidos.
Para
concluir este item, é preciso lembrar
que também não se pode cair no
obscurantismo de negar que as relações
problemáticas entre ciência, política
e sociedade muitas vezes caminham para estratégias
defensivas. Falta-nos, talvez, a videz de compreender
a ciência como cultura. O senso comum
de ameaça à liberdade de pesquisa
só se transformará em senso ético
pela corajosa reflexão coletiva e propositiva.
A
participação dos cientistas na
discussão de limites ao acesso e uso
do genoma humano permite questionar os “avanços”
da ciência associados à concentração
de poder econômico e da perversa distribuição
de investimentos para os cuidados da saúde
de todas as gentes, pois estes aspectos da realidade
são também limitantes à
liberdade de pesquisas.
4
– QUAL É O PROBLEMA EM QUESTÃO?
Esta
pergunta – parece elementar! Foi bastante
provocativa: Qual é o problema central
a se debater aqui? (Gisele Alencar) Fazer este
recorte é um primeiro problema.
–
Ainda que o debate ético-jurídico
seja necessário e incontornável,
talvez o maior problema quanto a este tema seja,
atualmente, aprofundar e problematizar o aspecto
sociopolítico e antropológico
da discussão em torno da biotecnologia
e enfrentar, de forma independente, o desenvolvimento
de pesquisas voltadas para a saúde (André
Rios)
–
Por que há uma dificuldade em se estabelecer
limites legais claros, se há tantas Declarações
Universais, há quase cinqüenta anos,
em elaboração? (Gisele Alencar)
Por
que a dificuldade da Lei? A título de
exemplos, nos EUA, país conhecido pelo
pragmatismo, até a data desta edição,
não havia consenso mínimo, colocado
em dispositivo legal, para procedimentos de
transferência gênica.
Um dos problemas – de que lei necessitamos?
– suscita a análise das práticas
e da construção de cenários
que se pretende limitar e reorientar e que se
referem aos diversos ethos (saúde, economia,
educação...) componentes da grande
esfera da sociedade. Exige um recorte inicial
abrangente. Colocar limites exige pressa –
o progresso caminha aceleradamente nem sempre
de forma prudente – e, ao mesmo tempo,
a tarefa exige tempo de pensar, articular idéias,
setores e criatividade política... Não
é fácil, neste caso, o viver-em-
comum a tarefa de legislar, assegurando a proteção
de bens comuns.
Vejamos
uma forma de delimitação ampla
de questão, colocada por Márcio
Fabri: “Com fins operacionais, percebo
duas grandes divisões nesta nossa análise:
1)
A primeira refere-se aos megaproblemas de virada
antropológica que enfrentamos neste momento
da civilização e que percebemos
como ameaça à nossa identidade
de humanos. Aí, eu situaria a temática
do genoma no contexto das concentrações
de poder. Nunca existiu tão grande concentrações
na história e interação
com o próprio mecanismo com o qual se
desenvolve a pesquisa sobre o genoma humano.
Faz-se a ponto de ditar o que dever ser feito
e como deve ser feito envolvendo acordos entre
chefes dos Estados mais poderosos. Percebemos
que há uma forma de fazer guerra e de
fazer dependência. Estamos colocados no
dever de fazer ética quase em tempo de
guerra. Fazemos ética de forma muito
tensa.
2) A segunda seria como administrarmos, no detalhe,
o enfrentamento deste contexto, no cotidiano
da vida vivida. A questão aí seria
como moderar as forças e poderes neste
território vulnerável que é
o ser humano enfrentando o pós-humano
(uma expressão que aqui emergiu). Este
é um problema de educação.
E neste terreno, há que se distinguir
três áreas
a)
O mundo dos pobres – Não se deve
admitir que sejamos simples consumidores, ou
fontes de matéria-prima, ou campo de
ensaios clínicos. Aí já
encontramos um princípio contraditado,
pois como dizer que estamos querendo avançar
em termos de conquistas referidas à pesquisa
genética se estamos deixando para trás
(me digam os sociólogos!) mais da metade
da humanidade?
b)
O mundo dos cientistas – Concordo que
a questão dos interesses, desejos dos
próprios cientistas e de sua vulnerabilidade
deva ser levada em conta na educação
científica. O q significa educar eticamente?
As Diretrizes e Normas para Pesquisas em Seres
Humanos do Ministério da Saúde visam sensibilizar
os próprios cientistas para crescerem,
pelo menos, na compreensão inicial dos
problemas éticos.
c)
O mundo dos detentores do poder – Este
é muito complicado. Que pedagogia desenvolver
em tempo de guerra? Por exemplo, as pesquisas
na indústria com embriões humanos
para desenvolvimento de órgãos
já é fato. A vulnerabilidade nossa
como país de menor poder é um
fato. A concorrência é desleal.
Nesta área, o Brasil precisa tomar uma
posição e encontrar força
em sua própria vulnerabilidade. Por que
nos guiar pela legislação de outros
países? Temos que Ter nossa percepção,
contribuir e apostar numa visão humanitária
na direção, também, de
uma atuação internacional, além
da atuação doméstica. E
os cientistas têm voz e poder para afirmar
propostas de pesquisas independentes e humanitárias
na comunidade internacional. Resta saber que
posição devem tomar, cientes de
sua própria vulnerabilidade.
“O
desejo ao reconhecimento social – um direito
– é voltado para buscar o reconhecimento
de quem? Dos moradores de favelas? Não.
Queremos ser reconhecidos em Harvard, Genebra,
França... Os conceitos de cidadania e
de vulnerabilidade precisam ser revistos. A
quem servimos? Se soubermos a quem servimos
fica mais fácil tomar uma decisão
de como vamos servir” (Dirceu Greco).
A
dinâmica dos poderes é, pois, um
problema que necessita de limites – a
lei – contra a desmesura, assegurando
a justiça em torno dos homens e mulheres,
sujeitos de direitos e capazes de liberdade
ética.
Mas
há dificuldades de definir a titularidade
dos interesses em questão O alcance da
desorientação material e intelectual,
no que podemos perceber, exclui a particularidade
individual como centro de referência para
a solução dos problemas de definição
jurídica (José Antônio Peres
Gediel). Além do mais, há problemas
ecológicos envolvidos e relativos à
natureza e imagem do humano.
5
– A QUEM INTERESSAM OS RECURSOS BIOLÓGICOS
E AS INFORMAÇÕES GENÉTICAS
DE PLANTAS, ANIMAIS E HUMANOS?
A
simples menção à palavra
recurso já inscreve este problema no
campo da economia. A discussão ética
e jurídica depara-se perplexa com um
processo de rapidez exponencial e a ciência
associa-se com o fluxo do capital privado investido
nas pesquisas do genoma humano, visando conhecer
e determinar códigos genéticos, através do
desenvolvimento da bioinformática. O
uso e acesso das informações genéticas
inscrevem-se na nova economia.
Eis
mais uma indicação sobre a complexidade
da discussão voltada para delimitar a
natureza (jurídica) deste bem.
Talvez
seja possível resumir minha intervenção
em um único enunciado: a dificuldade
está em perceber o modo como os limites
éticos e jurídicos ao acesso e
uso do genoma humano são burlados através
da confusão entre inovação
e descoberta. E, por outro lado, como a noção
de dignidade humana, entendida como atributo
da espécie, e não do indivíduo,
poderia se configurar como uma possível
barreira jurídica para disciplinar o
avanço aparentemente irresistível
da biotecnologia e a correspondente transformação
dos recursos genéticos em “commodities” (Laymert Garcia).
No
meu entender gene já é commodity,
afirma Sílvio Valle. Todas as empresas
que estão na área da biotecnologia
e que estão influenciando o valor das
suas ações são da informática
e da biotecnologia. Esta relação
é complicada mesmo. Estou fazendo um
levantamento dos projetos de pesquisa dos cientistas
de ponta nos Estados Unidos e 90% deles estão
ligados a uma empresa de biotecnologia.
No
Brasil, já há cientistas operando
com informação genética.
O biólogo tem regulamentação
profissional que prevê isso. Os bancos
de sangue já têm regulamentação,
pois têm acesso a muita informação
genética.
As
empresas e profissionais da reprodução
assistida tem um enorme poder de acesso ao material
genético humano – como controlar
isso? A lei deve ser referir à estocagem
de células embrionárias. Ainda
poderia citar a transferência nuclear-
retirada do núcleo de um óvulo
e transferência para um outro citoplasma
vazio – com fins de fertilização
in vitro. Não é engenharia genética.
Como delimitar o escopo do problema para fins
legais?
Um
outro complicador para a definição
do escopo de uma legislação sobre
o que estamos querendo proteger seria, por exemplo,
o cultivo de células-tronco, que não
envolve engenharia genética. Estaria
sendo controlada em que dispositivo legal? (Sílvio
Valle).
Que
humanidade está investida nos embriões
e fetos abortados e/ou estocados e que agora
constituem valor científico e econômico
para experimentação em transferência
gênica? Quem consente, com o quê
nas práticas de acesso e uso de células
fetais?
Hoje,
a discussão sobre a regulamentação
do acesso e uso do genoma humano tem caminhado
a passos largos, em face do desenvolvimento
de novas técnicas e estratégias
para o seqüenciamento do DNA humano que
está sendo pesquisado no mundo inteiro,
incluindo as instituições brasileiras,
para facilitar e acelerar os resultados do Projeto
Genoma Humano Internacional (Adriana
Diaféria).
Então,
uma lei sobre essa matéria tem que Ter
claro o objeto sobre o qual está definindo
garantia legais. Como vamos definir manipulação?
Qual o objeto do Código de Ética
das Manipulações Genéticas,
previsto pela Lei no 8974-95 (a chamada lei
de Biossegurança) Há inúmeros
projetos de lei em curso, a Resolução
CNS 196/96 tem uma larga abrangência...
Não se deve atirar conceitos e atribuições
por todos os lados. A Lei deve conter conceitos
claros para sua aplicação (Sílvio
Valle).
O
que vem motivando a maior mobilização
de recursos de toda a História da Ciências?
A
tecnociência e o capital global não
estão interessados nos recursos biológicos
– plantas, animais e humanos. O que conta
é o seu potencial para reconstruir o
mundo (...). A transformação operada
pela valorização informacional
dos processos manipualdos pela bioinformática
não pode proteger valores de uso moderno
e tradicional ou valores ontológicos,
porque estes não cabem mais no sistema.
O
valor da informação torna-se o
centro da disputa do capital global. Uma pergunta
surge inquietante: a vida passará a ter
valores socialmente apenas quando a ela for
incorporado o trabalho tecnocientífico?
A transformação operada está
a corroer o referencial do humanismo moderno:
o Homem não é mais a medida de
todas as coisas (Laymert Garcia).
Se
o fato da pessoa é a medida do seu valor, na cultura tecnocientífica
e na nova economia, a pessoa encontra-se ameaçada
pela possibilidade do valor da informação
genética passar a ser referencial de
identidade. Continuaremos a ser o que somos?
Somos, como pessoas psíquicas, inevitavelmente
divididas. Não somos essa pessoa íntegra,
coesa, que o mapeamento de um genoma possa fazer
supor. Somos pessoas em conflito, ora sabemos,
ora não sabemos (Halyna Grynberg).
“Ao
falarmos aqui de leis, patentes, ciência
e tecnologia, esquecemos de falar na saúde
dos pacientes – os portadores de doenças
genéticas. Faço parte da Associação
de Falcêmicos e Talancêmicos do
Rio de Janeiro. Anemia falciforme, doença
hereditária mais comum no Brasil, é
extremamente desconhecida. Tem grande incidência
na população negra que, no Brasil,
por questões de injustiça social
e racismo, encontra-se no extrato social mais
pobre. (...) Sou uma exceção –
estudei Direito. Estudei dentro do hospital.
Aos 18 anos tinha sofrido 180 internações.
Mas estou aqui, lutando.
A
grande diferença entre nós e as
pessoas ditas normais é que estas têm
a ilusão da vida eterna e nós
temos certeza de que realmente vamos morrer.
Queremos
dar visibilidade social à doença,
mas nosso maior medo, nesta luta, é sermos
excluídos da sociedade. O medo do estigma.
Somos capazes, podemos trabalhar. Temos limitações?
Temos, mas temos o direito a existir na sociedade,
temos direitos. Sendo o genoma humano um patrimônio
da humanidade, interessa a todos por vários
motivos, mas a nós , muito mais.
Por
isso estamos aqui. Esperamos melhorar a quantidade
de nossa vida e, se não for possível
a cura, pelo menos que tenhamos qualidade de
vida para chegar a pontos elevados da nossa
sociedade. Não estamos aqui só
para falar de leis e patentes. Nosso objetivo
maior deve ser a saúde, o bem-estar das
pessoas não só com doenças
genéticas, mas com doenças que
foram adquiridas e não têm cura”
(Glória Christina Barbosa).
Este
último depoimento revela a humanidade
em nós, nossa finitude e, de forma comovente,
afirma o primeiro direito humano – ser
reconhecido socialmente e acolhido por uma comunidade.
David
Hathaway lembra que o uso da informação
genética não é só
para fazer engenharia genética, pois
servirá também para identificar
pessoas, ameaçando-nos no mercado de
trabalho, ao associar o valor da pessoa à
sua informação genética,
encarecendo a cobertura do seguro... É
uma eugenia social a longo prazo, alertou.
A
discussão sobre apropriação
de informações genéticas
deve prosseguir buscando compreendê-las
como bens de interesse difuso, isto é,
todo interesse que pertence a um número
indeterminado de pessoas, portanto, considerado
como transindividual (ou metaindividual), de
natureza indivisível e ligado a seus
titulares por uma circunstância de fato
(Adriana Diaféria) ou revitalizaremos
o conceito de "res comunis", como
propôs José Antônio Gediel?
O
Estado francês (que há trinta anos
estuda nessas questões), acaba de elaborar
um documento com abordagem científica
sobre o princípio da precaução.
Nossos juristas deveriam debruçar-se
mais sobre o chamado Princípio da Precaução
para que as aplicações da ciência
caminhem com responsabilidades definidas (Sílvio
Valle).
Se
há fortes interesses econômicos,
de empresas e países investidores e produtores
há também fortes desinteresses
políticos em fazer tramitar legislações
inovadoras e protetoras de interesses locais
e dos saberes tradicionais... (Nilo Melo Diniz).
A
utopia da lei justa é a contracultura
numa sociedade onde impera a lei do mais forte.
Há interesses de pesquisadores nacionais
em participar de projetos coordenados do exterior,
o interesse das pessoas doentes e das famílias
com presença de gens deletérios...
cientistas, juristas, filósofos, governos,
população, país, somos
todos vulneráveis e o senso ético
para compor uma legislação orientada
pelo princípio da responsabilidade só
se desenvolve pela reflexão e coragem...
As biotecnologias que alcançam a intimidade
genética humana não devem servir
à exclusão, ou seja, à
padronização e hierarquização
entre as gentes que têm o direito de existir.
Quem tem o poder de decidir o que deve permanecer
ou quem deve ser eliminado? Foi consenso entre
os presentes interditar a tentação
da eugenia e da primazia da identificação
genética como referência para identidades
pessoais.
6 – A ERA DAS DECLARAÇÕES
Há
cinqüenta anos regulamentam-se condutas
éticas internacionais. Já não
estamos no ponto de estabelecer um Tratado?
O que colocar como interdito? (Gisela Alencar
Uma
corrida regulamentarista vem se dando ao longo
do último meio século. A quebra
de dogmas científicos, éticos
e jurídicos gerou um movimento cultural
voltado a trabalhar essas questões inusitadas,
buscando alternativas à lógica
regulatória do mercado pelo Estado, adotando
uma lógica mais propositiva, cognitiva,
indicando o que se deve fazer... O Código
de Nuremberg (1948) inaugura esta "Era
de declarações", incluindo
a autonomia do paciente como princípio
fundamental a ser aplicado nas pesquisas biomédicas
com seres humanos.
Embora
o tempo da oficina não permitisse uma
análise aprofundada das propostas regulamentares
internacionais e brasileiras, Maria Celeste
Cordeiro dos Santos, lembrou a profusão
de propostas internacionais já elaboradas
nestes últimos cinqüenta anos, citando
a Declaração dos Direitos do Homem
(1948); a Declaração de Helsinque
(desde 1964 já sofreu cinco revisões
e está sendo, neste ano, revisada pela
Associação Médica Mundial);
a Declaração de Bilbao; a Declaração
de Valência... O último documento
internacional referente à nossa matéria
é a Declaração Universal
do Genoma Humano e Direitos Humanos (UNESCO,
1997). Sobre a regulamentação
brasileira ela citou a própria Constituição
(art. 225 que trata dos recursos genéticos
como patrimônio da União, sem diferenciar
humanos e não-humanos); a chama- da Lei
de Propriedade Industrial, n° 9.279/96;
a chamada Lei de Biossegurança, n°
8.974/95, que regula as práticas de engenharia
genética relativas a organismos geneticamente
modificados (ogm) e coloca interditos (art.
8°) relativos à manipulação
em humanos; e as Instruções Normativas
da Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança; a Resolução
CNS 196/96 que trata das Diretrizes Regulamentares
das Pesquisas envolvendo Seres Humanos.
Outras
falas puderam trazer elementos de análise
dos conceitos subjacentes à Declaração
Universal do Genoma Humano e Direitos Humanos.
Em
nove (9) de seus artigos a dignidade é
referida como se este fosse um valor chave quando
se trata de genoma humano. Mas, imediatamente,
surge a pergunta: é possível preservar
a dignidade humana e ao mesmo tempo inscrever
o genoma no regime da propriedade intelectual
que progressivamente transforma a informação
genética em "commodity"? (Laymert
Garcia). Sabe-se da limitação
do alcance prático dos consensos mínimos
internacionais no âmbito da vida concreta.
As declarações e documentos internacionais
registram um contexto histórico da crise
das idéias e valores associados às
práticas científicas sobre o genoma
humano.
José
Antônio Gediel iniciou sua fala fazendo
uma critica à lógica regulatória
do direito: utiliza-se da lógica do mercado
e da autonomia privada que permite a apropriação
dos bens da natureza e dos bens criados pela
sociedade para tornar jurídicos os fatos
que estão acontecendo na sociedade. Os
fatos científicos tornados econômicos,
se forem tornados fatos jurídicos, ganham
força como sanção e aplicação
obrigatória, e também uma legitimidade. E ele pergunta:
em que a Declaração Universal
do Genoma Humano provoca ou sugere uma proposta
nova em relação ao sistema clássico
do direito privado e público?
Gediel
identifica no texto desta Declaração
uma continuidade do tratamento jurídico
no que tange ao genoma humano, pois nele encontramos
elementos do conceito da relação
jurídica privada-sujeito e coisas, dentro
da visão clássica dos direitos
codificados no século XIX, como por exemplo,
o art. 4° - O Genoma humano em seu estado
natural não pode dar lugar a benefícios
pecuniários e o art 5° (...) b) em
todos os casos, se obterá o consentimento
prévio, livre e informado da pessoa interessada
(...).
Portanto,
a primeira coisa que percebemos na Declaração
é que os juristas ampliam a noção
de autonomia privada do sujeito admitindo-a
em relação ao corpo, aos elementos
do corpo e ao genoma. Esta autonomia vai se
expressar sob a forma jurídica do famoso
consentimento informado. De certa forma,
este consentimento, no caso destas pesquisas,
pode ser visto como uma forma de apaziguar nossa
consciência em relação ao
sujeito/objeto de um modelo científico,
sendo que o próprio cientista não
pode saber qual será a conseqüência
a longo prazo (José Antônio Peres
Gediel).
As
modificações operadas no ser vivo
acionam um processo de modificação
pela própria autonomia da relação
deste ser vivo com o ambiente e este processo
é de impossível previsão.
Acrescente-se a tais considerações
o fato do desejo do cientista e do paciente
estarem sob a égide da ética do
sujeito inconsciente, problematizada por Halyna
Grynberg. Quem faz e como o faz? Neste obscuro
terreno, teme-se que os processos das pesquisas
sejam feitos por quem confunde realidade com
ficção, não se preocupa
se é homem ou mulher com experiências
singulares de vida, que não admite as
incertezas... Pois, a ciência não
faz de conta. Ela faz mesmo. E a linguagem,
que nos caracteriza como humanos é imprecisa...
Uma citação final de Lacan dispara
uma última advertência: "Ie
nom du père"- "Ies non dupes
errent" - um jogo de palavras que pode
ser compreendido como os não tolos erram.
Se estamos falando em sujeito humano, dependendo
da nossa construção psíquica,
quem diz que um consentimento que dou não
é um consentimento suicida? Que idéia
é esta de que o consentimento é
consciente, e que a única instância
do consentimento é a consciência,
ou que a outra instância do consentimento
é a lei? Isto me parece um enorme problema
(Halyna Grynberg). Esta sinalização
de que somente os tolos têm a ilusão
de que não erram, ignorando que o desejo
de conhecer, por ser desejo, é errante...
alerta-nos também para as interferências
deliberadas nos materiais genéticos,
sem efeito previsível quanto a mutações
autônomas futuras.
Continuando
a discussão dos conceitos jurídicos,
Gediel chama também atenção
para o adjetivo em estado natural agregado à
coisa, no artigo 4°, indicando a condição
de um objeto onde a relação jurídica
reconhece duas naturezas: uma natural e uma
artificial, esta última podendo decorrer
tanto de uma invenção ou de uma
mera reorganização. Estes conceitos
diferenciam coisas naturais daquela em que se
agrega o trabalho humano, no nosso caso, a atividade
científica. E, acrescentamos, o resultado
mercadológico da pesquisa pode não
ser um artefato diretamente transformado do
material humano, mas algo com a fração
modificada daquilo que foi utilizado. O que
Gediel chama atenção é
que no contexto da bioinformática a coisa
se desmaterializa e passa a ter um grande valor
de mercado, derivando daí a necessidade
de regulamentação jurídica.
O interesse sobre esta coisa não é
apenas científico.
Em
que a ,Declaração apresenta sinais
de superação deste modelo? Segundo
Gediel, ela torna mais complexo o conjunto conceitual
em que os juristas geralmente recortam com uma
visão bem formal para dar um tratamento
possível genérico, e ele afirma:
a generalidade da lei exige uma retirada da
complexidade da ligação do conceito
jurídico com a sua realidade material.
Segundo
Gediel, o artigo 1° da Declaração
seria uma tentativa e superação
deste modelo, como veremos:
A.
A Dignidade Humana e o Genoma Humano
Art.
1º - O genoma humano é a base da
unidade fundamental de todos os membros da família
humana e do reconhecimento de sua dignidade
intrínseca e sua diversidade. Em sentido
simbólico, o genoma humano é o
patrimônio da humanidade.
O
texto deste artigo concebe que o genoma não
pode ser objeto de direitos privados e este
é um primeiro indício do próprio
limite da Declaração como instrumento
efetivo.
Estamos
tratando de um tema sobre algo que é
reconhecido como um patrimônio, herança
comum da humanidade. Por mais tangente e relativa
que seja, esta expressão é uma
sinalização da humanidade ou da
comunidade de pessoas interessadas nesta pesquisa.
O fato de ser comum está contrariado
pela realidade dos fatos, pois as pesquisas
sobre o genoma humano estão concentradas
em mãos privadas que querem retorno do
investimento. Isso é preocupante. Aí
vemos um limite da Declaração
como instrumento efetivo. Qual é realmente
o efeito desse tipo de regulamentação
quando entre o público e o privado, a
balança pesa para a concentração
privada? Tenhamos claro que é necessário
irmos "domesticando" estes consensos
mínimos e traduzindo-os em legislações
nacionais. Estamos trabalhando em algo que não
é tão simples, mas é irreversível
Já estamos em um ponto da discussão
internacional que deveria, por exemplo, estar
fortalecendo a elaboração de um
Tratado (Gisela Alencar).
Então,
a Declaração do Genoma Humano
e Direitos Humanos começa a trabalhar
com a diferenciação do genoma
como algo diferente da natureza, ao mesmo tempo
que não tem titularidade determinada
ao dizer que é patrimônio ou herança
simbólica da humanidade. Neste ponto,
Gediel percebe na Declaração uma
alteração na harmonia conceitual
do direito clássico e o genoma não
se define com nenhuma das coisas estabelecidas
naquela matriz: não é res nullius
(coisa que não tem dono), não
é res derelictae (coisa que tinha dono
e foi abandonada). Seria res comunis (coisa
comum)? Ouvimos aqui, nesta oficina, Adriana
Diaféria, que trabalha com a noção
de bem de interesse difuso, uma novidade dentro
dessa tecnologia clássica do direito
privado (José Antônio Feres Gediel).
A
idéia de que o genoma é individual
e comum, cria um problema não apenas
na ordem conceitual, mas da ordem existencial
e social: nós, humanos, nesta identificação
genética nos tomamos seres que não
nos caracterizamos por relações
inter-humanas. A lógica da liberdade,
da autonomia transfere-se para o campo da biologia.
E isso desterritorializa o sujeito. Ao mesmo
tempo, cria uma identidade, unifica, torna universal.
Cria sujeitos que se integram em uma mesma categoria
genética, seja por doenças, por
sintomas. O sujeito de direito é fragmentado
porque ele já não pode ser mais
proprietário. E cria ainda um risco das
discriminações negativas que nos
remetem a um outro campo de discussão.
Assim,
os elementos de proteção e tutela
jurídica do sujeito -sigilo, responsabilidade
pelos danos, consentimento informado -têm
seu núcleo num conceito jurídico
constitucional e vem apoiado no princípio
da dignidade humana. Porém, o genoma
é universal e o conceito de dignidade
humana também, mas esse universal se
concretiza no indivíduo que segue a lógica
do direito antigo, que por sua vez não
garante a proteção da espécie
e da humanidade, tal como foi radicalmente demonstrado
pela argumentação de Laymert Garcia.
O risco da hipervalorização do
direito individual torna-se, pois, o que deve
ser resolvido e nossa criatividade e responsabilidade
estão postas à prova.
7
– PRÓXIMOS PASSOS
Não
adianta pensar que o Brasil vai se posicionar
de tal ou tal forma enquanto o poder econômico
está fora daqui e não somos nós
quem decidimos. Se assumimos que, no Brasil,
vamos adotar que a natureza jurídica
das informações genéticas
é de bens de interesse difuso, esta posição
tem de ser visível internacionalmente.
Nossos discursos de cientistas são cheios
de citações à Academia
Francesa, Inglesa, Americana... Por que não
uma Declaração Internacional partindo
de nós, para a América Latina,
Tailândia... Nós cientistas temos
interesse de que as coisas se modifiquem. É
viável (Dirceu Greco).
Nós
já temos instrumentos de controle, declarações
e legislações em diversos países.
Temos de aclarar os problemas, a exemplo dos
tratados ambientais globais e do direito internacional
global na área de meio ambiente em relação
às questões climáticas
de proteção do ozônio ou
perda da biodiversidade. No caso do genoma,
qual é o problema? O problema está
a demandar um contrato internacional? O início
das negociações de um tratado,
assim como o início da apresentação
de um projeto de lei, é um passo inicial
no âmbito da política.
É
preocupante o fato da comunidade internacional
não ter claro o primeiro passo para fazer
um tratado internacional que é definir
qual é o problema que estamos tratando
(Gisela Alencar).
Se
o genoma humano é um campo de interesses
financeiros, e de segurança e de controle
populacionais, não se trata apenas de
uma questão ética. É um
problema de desenvolvimento da teoria política.
Este é o nosso desafio, como rede de
pensadores capitaneados pela FIOCRUZ, instituição
de prestígio suficiente para participar
de fóruns internacionais. Podemos, pelo
debate e atuação, construir uma
definição do problema e discutir
a viabilidade da proposta do Tratado.
A
CTNBIO (Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança), está se articulando
para a elaboração de um Código
de Ética em Manipulações
Genéticas, cuja dificuldade de definição
de escopo já foram levantadas anteriormente.
No contexto do que organizamos neste item, fica
claro que os limites éticos deverão
fortalecer regulamentos mais eficazes. E o processo
social de mobilização é
o que importa para darmos este passo aqui proposto.
A
FIOCRUZ, através da GESTEC, continua
sendo uma referência nacional neste debate,
esperando que, desta oficina, outras iniciativas
cresçam para o aprimoramento das propostas
para o País.
8
– PONTO DE CHEGADA
Eis,
finalmente, o ponto para onde caminhou a reflexão
de nossa Oficina: Ciência e Tecnologia
e sua relação com Ambiente e Saúde
são relações sociais e
políticas e não estão fora
de um mundo em crise de justiça e de
conhecimento. Nenhum conhecimento e nem suas
aplicações são inocentes
e à distância de problemas mundiais.
Não se referem a formas de conhecimento
abstratas, por mais virtual que seja o processo
de concentração dos poderes envolvidos
e dos problemas que detectamos. A vida concreta,
cotidiana e subjetiva, está em questão.
Os problemas são de ordem ecológica
e se referem à identidade ecológica
do humano, pessoas convivendo e constituindo
uma humanidade, em circunstâncias concretas
de relações sociais, instituições
e lideranças.
É
importante lembrar que o debate ecológico
se fortaleceu como movimento social na década
de 70, no mesmo período em que surge
a Bioética, também como movimento
cultural no interior da própria ciência.
Naquele momento, movimentos de libertação
e de democratização tornavam-se
visíveis, fortalecendo também
a busca de liberdades individuais: é
proibido proibir! Hoje, o mundo assiste a uma
corrida por regulamentações do
poder da ciência sobre os corpos, questionando
a hipervalorização das liberdades
individuais sobre a disponibilização
dos corpos às intervenções
científicas colocadas como demandas da
sociedade de massa. E o que mais apela para
nossa criatividade e coragem política
é ter o discernimento em afirmar: daqui
para a frente, não! Há o que é
de todos e representa um bem de interesse difuso,
inclusive pertencente a futuras gerações
sobre as quais temos responsabilidade.
É
neste sentido que se faz premente ao direito
o estudo, sistematização e inter-relacionamento
com outros ramos atinentes à matéria,
para a criação e desenvolvimento
dos primeiros conceitos que deverão nortear
a elaboração dos textos normativos
pertinentes, estabelecendo os limites de sua
licitude e seus controles
(Adriana Diaféria).
A
ciência é uma face da cultura.
É na malha das relações
humanas onde se reforçam e/ou tornam
vulneráveis laços sociais entre
Ciência, Tecnologia e Saúde afirmando
a dignidade da pessoa, do país e da espécie
humana.
Nosso
ponto de chegada torna-se, pois, a preservação
da dignidade da espécie humana! O que
podemos e o que queremos fazer juntos?
Rio
de Janeiro, 14 de abril de 2000
* * * * * * *
NOTAS:
Texto publicado nos anais
do Seminário Saúde & Ambiente
no Processo de Desenvolvimento, Rio de Janeiro,
FIOCRUZ, julho/2000.
Assessora da GESTEC na
Área de Políticas Públicas,
Secretária Geral do Comitê de Ética
em Pesquisa da FIOCRUZ.
Coordenadora da Coordenação
da Gestão Tecnológica/FIOCRUZ,
coordenadora da Oficina.
Coordenador do Grupo de
Trabalho Ética, Direitos Ambiental e
Políticas Públicas do Seminário
de Saúde & Ambiente no Processo de
Desenvolvimento/FIOCRUZ.
BUBER Martin, Über
das; Erzieherirsche in Reden Über Erziehung.
Heildeberg: Lambert Schnider Verlag, 1998 (traduzido
em aula ministrada pelo Professor Roberto Bartholo
Jr. COPPE/UFRJ - 2000).
Realizada na FIOCRUZ, no
dia 14 de abril de 2000, no Auditório
de Bio-Manguinhos, promovida pela VPAIC, VPPqE,
e GESTEC, como atividade do Grupo de Trabalho
Ética, Políticas Públicas
e Direito Ambiental, como atividade do Seminário
Nacional de Ambiente e Saúde no Processo
de Desenvolvimento
Essa discussão,
iniciada em 1996 e agora retomada, foi provocada
pelo Projeto de lei 306/95 de autoria da senadora
Marina Silva, regulamentando o acesso e uso
de recursos genéticos de animais e plantas.
O projeto exclui os humanos de seu escopo, deixando-nos
a questão de como protegê-los legalmente.
Recursos Genéticos
Humanos: limites ao acesso, Emerick, C. e Carneiro,
F. (orgs), FIOCRUZ, 1997. 9 BUBER, M. Do Diálogo
e do Dialógico. São Paulo: Perspectiva,
1985.
BUBER, M. Do Diálogo
e do Dialógico. São Paulo: Perspectiva,
1985.
Frase descrita na apresentação
do livro The Double Helix, de James D. Watson,
um dos descobridores da estrutura do DNA. Library
of Congress, New York, 1969.
LAYMERT, Garcia lembra
que é necessário acompanhar historicamente
as modificações do papel da patente
e das condições jurídicas
que permitiram que o ser vivo fosse patenteado
e cita Bernard Renan Bardini em A Pessoa em
Perigo, sobre a revolução jurídica
a partir da introdução do serviço
no campo da patente (anos 30). Os fatos analisados
referem-se a julgamentos da Suprema Corte dos
Estados Unidos sobre patenteamento de bactérias
e destacam a ausência da noção
de ser vivo nas sentenças proferidas.
GEDIEL, J.A.P. Tecnociênia
dissociação e patrimonialização
jurídica do corpo humano, In Fachin,
LE. Repensando Fundamentos do Direito Civil
Brasileiro Contemporâneo. Renovar: 1998;
p.58-85.
Idem.
Em outro item será
problematizada a questão dos conceitos
subjacentes à Declaração
Universal do Genoma Humano e Direitos Humanos,
apontando problemas conceituais sobre o individual
e o comum.
Expressão trazida
por Halyna Grynberg.
Expressão usada
por Laymert Garcia, mostrando elementos da análise
de B. Edelman em artigo Vers une approche juridique
du vivant.
Idéias citadas
por Laymert Garcia referentes à Labrusse-Riou,
C. La Verité dans le Droit des Personnes,
in Edelman, B. et Hermitte, M-a L'Homme, La
Nature et le Droit, pp. 159-198,
Expressão usada
por Veríssimo, em artigo da Revista de
Domingo, Jornal do Brasil, memorizada pela autora.
A fala de Mário
Toscano de Brito Filho baseou-se no Relatório
Bioethical Aspects of biotecnology tn Agrofood
Sector -BABAS -do Cambridge Biomedical Consultants,
s/d.
A debatedora referiu-se
a uma notícia recente publicada na mídia.
Atenção
para a palavra descoberta, usada espontaneamente
por uma cientista (lembrando a dificuldade colocada
para estabelecer o limite entre invenção
e descoberta).
Uma das propostas de uma
aliança entre cientistas, capitaneada
por americanos, para a revisão da Declaração
de Helsinque (que os brasileiros já se
posicionaram contra, em Carta de Brasília
-ABM/ANIS 2000), propõe o uso de placebo
em investigações clínicas
se o evento final, o end point, não for
morte ou incapacidade física, desde que
este uso garanta a eficiência de um projeto.
O consenso atual e que se quer mudar é
que ensaios clínicos só devem
ser feitos com drogas comparadas ao melhor medicamento
existente e eficaz.
A Carta de Brasília
(CFM/ABM/ANIS, 2000) é um documento de
pessoas representativas de instituições
da sociedade civil e da comunidade científica,
posicionando-se contra essa proposta de modificação
da Declaração de Helsinque, neste
aspecto.
DEGRAVE, Wim, O poder
e as responsabilidade do conhecimento científico,
in A Moralidade do Atos Cientificos, Fernanda
Carneiro (Org.). Rio de Janeiro: FIOCRUZ/1999.
Resolução
CNS 196/96.
DEGRAVE Wim, A responsabilidade
e o poder do conhecimento científico,
in A moralidade dos Atos Científicos,
Carneiro, F. (org.) Rio de Janeiro: FIOCRUZ,
1999.
‘Comodidades’
para quem? Inquiriu Nilo Meio Diniz, aceitando
a tradução de David Hathaway para
commodities.
Como desenvolvida por
Andrew Simpson e outros pesquisadores do Instituto
Ludwig do Brasil.
É um empreendimento
financiado pelo governo norte-americano, que
envolve centenas de laboratórios e universidades
do Primeiro Mundo na tarefa de mapear todos
os genes da espécie humana.
SÈVE V. Lucien.
Para uma Crítica da Razão Bioética.
Instituto Piaget, Lisboa, 1994.
José Antônio
Gediel lembrou-nos o artigo 194 da Constituição
que veda a comercialização do
corpo. Alerta que essa proteção,
vedando a transferência onerosa, só
se dá em uma das pontas do processo,
em relação ao sujeito da pesquisa.
Mas ela não se dá na outra ponta
do processo e este sim, está mais claramente
identificado com a lógica do mercado
- venda de produtos e serviços.
Tanto a Resolução
196/96 amplia a autonomia do indivíduo
colocando o Termo de Consentimento Livre e Informado
como critério para o uso do material
biológico, como também o substitutivo
do Projeto de Lei 306-95, que se refere à
proteção dos recursos genéticos
de plantas e animais, mas, ao excluir os humanos
do escopo do projeto, art. 80, diz que “toda
coleta ou uso desses recursos, componentes ou
substâncias depende de aprovação
do Poder Executivo, após o consentimento
prévio fundamentado do indivíduo
(...)”. Francisco Eugênio Arcanjo
lembra que o substitutivo do PL 306/95 concede
ao parlamento a soberania de regulamentar sobre
a questão do acesso e uso do genoma humano
e reconhece que este projeto tem um viés
estadista, reconhecendo que a discussão
sobre bem de interesse difuso é interessante
para se seguir em frente com essa discussão.
Mantovani, F. Manipulaciones
genéticas, bienes jurídicos amenazados,
sistemas de control y técnicas de tutela,
in: Law na the Human Genome Review 1:94-119,
1994; Santos, MCC. O Equilíbrio do Pêndulo.
A Bioética e a Lei. Implicações
Médicos Legais. São Paulo: Ícone,
1998; p.23.