LIMITE

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GENOMA HUMANO: LIMITE AO ACESSO E USO DE GEN-TES[1]
Fernanda Carneiro[2]
Maria Celeste Emerick
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Marcos Rocha
[4]


1 – PRIMEIRAS PALAVRAS

A pulsão de autoria movimenta as forças criativas da pessoa, promovendo uma solidão, assim nos ensina um Mestre (M. Buber)[5]. Este movimento, necessariamente harmonizado à pulsão do coletivo pela união com os outros na conversação e no debate, confirma e sinaliza melhores caminhos para o pensamento e a ação no mundo.

Este artigo fluiu na vertigem de convivência e da escuta de frases ditas, e depois transcritas, na Oficina de Trabalho: Genoma Humano – aspectos éticos e jurídicos de seu acesso e uso[6], com o fim de compor a coletânea de textos-referência do Seminário Saúde & Ambiente, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz. Optamos por fazer aqui um alinhavo de idéias ali colocadas, compondo um tecido possível. Que seja compartilhado!

A Oficina teve como objetivo ”dar continuidade ao debate Recursos Genéticos Humanos: limites ao acesso, buscando aprimorar categorias e conceitos éticos e jurídicos sobre práticas de acesso,[7] mapeamento e intervenção no genoma humano, no contexto das inovações tecnológicas”.[8] Dela participaram 40 pessoas que adotaram uma metodologia que privilegiou, inicialmente, a fala de expositores e debatedores, profissionais de áreas do conhecimento heterogêneas. Desejávamos reconhecer a similaridade de posição, idéias e incertezas, sem intenção de engenheirar consensos. Pontuamos interrogações/incertezas que as múltiplas dúvidas fazem permanecer em pauta. Inauguramos uma rede ativa de pessoas, que desejamos tornar permanente, como forma de subsidiar práticas e elaborar conceitos para propostas regulamentares, em contínua colaboração.

1.1 – Expositores e Debatedores
Adriana Diaféria – Direito (SP)
Álvaro Jorge França – Direito (SP)
Ana Clara Guerrini Schemberg – Pesquisadora Biomédica (SP)
André Rios – Filósofo (RJ)
David Hathaway – Economista (BSB)
Dirceu Greco – Pesquisador Biomédico (MG)
Fermin Roland Schramm – Bioeticista (RJ)
Gisela Alencar – Direito Internacional (BSB)
Halyna Grynberg – Psicanalista (RJ)
José Antônio Peres Gediel – Direito Ambiental (PR)
Laymert Garcia – Sociólogo (SP)
Márcio Fabri – Filósofo (SP)
Marcos Rocha – Direito (RJ)
Maria Celeste Emerick – Socióloga (RJ)
Mário Toscano de Brito Filho – Médico, Professor de Bioética (PB)

1.2 – Convidados participantes:
Alexandre Meyer Lima, Anderson Marcos dos Santos, Ana Maria Tapajós, Ana Regina Holanda Cavalcanti, Aurélio Virgílio Veiga Rios, Cibele Barreto Lins Verani, Corina Bontempo Duca de Freitas, Eliane Cristina Pinto Moreira, Elza Cunha, Francisco Eugênio Arcanjo, Glória Christina Barbosa, José Luis Teles de Almeida, Juan Lerena Junior, Laia Mattar e Rodrigues, Leila Macedo Oda, Marcos Freire, Marilena Corrêa, Marília Bernardes, Marisa de Souza Alonso, Nelida Jessen, Nilo Diniz, Patrícia Seixas da Costa, Pedro Cabelo, Ricardo Amaral Remer, Ricardo Santos, Roberto dos Santos Bartholo Júnior, Sílvio Valle.

Impossível resumir em um artigo, escrito em curtíssimo prazo, a exuberância de propostas, pensamentos e inquietações ali colocados. A fala concisa de cada participante foi o fio condutor do trabalho. Cada um escutou e viveu a sinceridade de uma reflexão coletiva. Equívocos de interpretação são de nossa inteira responsabilidade, pois a palavra oral tem natureza diferente da palavra escrita. Co-autores(as), em diálogo, vamos respondendo ao que nossa situação histórico-biográfica nos coloca atentos(as) ao fato de que “a responsabilidade é o apelo sempre de novo em nosso presente” (Buber 1985).[9]

2 – A AUTORIA DOS TEXTOS DA VIDA

O corpo das gen-tes foi visto como lugar para onde se voltam interesses e poderes contemporâneos – onde se inclui o poder tecnocientífico – e de onde partem os desejos e o poder de transformação filtrados das influências do mundo. Relações interpessoais complexas e de interdependência configuram o psíquico-físico-químico articulado por hífens: o corpo íntegro, complexo e ambíguo produz culturas e demanda proteção. É independente na dependência.

A experiência do limite foi conduta ética deste coletivo.

A leitura do material bruto deu-nos a perceber associações, complementações e a constância entre algumas idéias. E... algo curioso! A edição e reedição daquele material colocaram em questão a autoria deste texto. A quem pertence esse novo tecido aqui apresentado? Cada fala tem sua singularidade, prolixidade, reporta-se a outros, faz conexões, cita autores, reelabora... E um outro texto está aqui apresentado. Sua autoria torna-se, no mínimo, difusa.

“Essa história é exemplo de um dilema com que pode confrontar-se um investigador. Ele sabe que um colega tem trabalhado durante anos em um problema e tem acumulado uma massa de evidências que não foram ainda publicadas (...). Não é fácil estar certo se a nova idéia é realmente sua ou se veio sendo inconscientemente assimilada em conversas com outros” [10]

“Que interessante metáfora podemos fazer!”, pensou esta relatora neste momento. A quem pertence um texto recriado após a escuta e releitura de tantas palavras e da doação de sentido a informações ouvidas, inevitavelmente conectadas a outras? A quem interessa e pertence cada informação e este texto final? As singularidades expressas na sinceridade das palavras pronunciadas, mesclam-se com a pluralidade de saberes e experiências de vida trazidos nos enigmas e enunciados de outras falas e são fontes difusas desta narrativa. Tantas formas haveria de editá-la

Ora, pois, também as questões do pertencimento do genoma humano e das informações genéticas e a licitude de sua manipulação são centrais no debate contemporâneo sobre proteção social a estes bens. A possibilidade do uso das biotécnicas de fusão da informática com a biologia permite reprogramar e recombinar os textos da vida e do ambiente humano. O corpo – vulnerável – não é mais dissecado, é bioinformatizado. Torna-se fonte de matérias-primas, a “mina de ouro” de algo que disputa um valor econômico de difícil apreensão e justificativa ética: seremos meios para que fins? O resultado não é um artefato, mas algo com a fração daquilo que foi utilizado. De quem seria a autoria de novas reedições do texto genético? Não seria uma simples reconfiguração? É lícito manipular tecidos humanos e ser virtualmente proprietário de gen-tes ou de outros modos de reprodução de gen-tes? Como provocar modificações, sem maleficência, às futuras gerações? Como definir os limites do poder da tecnociência e do modelo industrial aplicado à atividade inventiva que interfere na herança genética?

A questão do patenteamento de seres vivos e das informações genéticas dos humanos pautou-se como um tema-chave de nossa contemporaneidade. Cá entre nós, ao estimular novas perguntas, velhas e novas objeções, essa questão se coloca como temática central na comunidade de nossa elaboração coletiva. Não se trata apenas de uma dificuldade nacional. É um confronto na ordem internacional. Os múltiplos discensos sinalizam saberes e poderes em disputa. Referem-se à base filosófica e jurídica de uma ordem social (patenteamento) de difícil aplicação ao corpo humano – psíquico, íntegro, complexo – ou, a saúde sob novos conceitos.

As controvérsias giram em torno da natureza biológica da humanidade e sobre as hipóteses colocadas pelo pensamento acerca da “perturbação material no campo não-jurídico sem respostas no regime de propriedade contemporâneo que hoje a lei legítima” (José Antônio Peres Gediel). O que é lógico do ponto de vista da comunidade científica deve ser a base da definição jurídica? (Sílvio Valle). O que está definido em leis de ordenação de práticas comerciais é legítimo para descobertas sobre o corpo humano desmaterializado em informações genéticas? Interferir em processos normais para produzir uma nova linhagem como padrão metabólico alterado caracterizaria uma intervenção?

Práticas inusitadas também para a ciência e para o direito não encontram referências nos costumes. Há um horizonte aberto e um domínio insuspeitado para a apropriação de uma realidade virtual pelo capital. “Para a ‘nova economia’ o problema consiste em encontrar uma fórmula jurídica que permita assegurar o acesso e o controle das informações nos dois extremos: no plano molecular e global. A leitura do código genético passa a ter representações sociais como se fossem mais do que uma simples descoberta: a posse de mais um dispositivo de decifração que corresponde ao texto da vida já é reivindicado como direito sobre a própria vida” (Laymert Garcia).[11]“Porém, a informação genética faz parte de uma universalidade de bens que fazem a composição do DNA e não pode ser aferível apenas por aquele que a detém” (Adriana Diaféria).

Se a instrumentação biotecnológica for levada ao extremo dos seus possíveis, a única coisa que conta é o que pode ser capturado da realidade e traduzido numa nova configuração. A questão do acesso ao genoma refere-se à informação genética e à informação digital. A proteção das inovações pelo regime de propriedade intelectual alcança o valor informacional dos produtos e processos manipulados pela bioinformática (Laymert Garcia).

Qual o papel do direito e de cada um dos campos do saber para definir a proteção ao humano?

Entre nós, a postura intelectual marcante foi a de buscar propostas para o pensamento, práticas e regulamentações que sejam propositivas. Há que se fortalecer alternativas não-legitimadoras da tendência dominante de calcar-se no modelo industrial restrito a considerações econômicas e tecnológicas para a proteção da vida e da saúde.

3 – PESSOA NÃO É COISA

Os dois elementos do Direito clássico – os sujeitos e as coisas – vêm marcados na noção jurídica de relação privada, com a visão individualista de que é possível um sujeito ser titular de várias coisas que estão no mundo, no mundo da natureza ou no mundo da sociedade, a natureza transformada pelo trabalho humano.

Os grandes investimentos econômicos que impulsionaram o desenvolvimento de tecnologias específicas, para a realização das pesquisas científicas no campo da genética humana, provocam a necessidade de uma profunda reflexão sobre o processo de “coisificação (reificação) e apropriação privada de elementos do corpo humano” [12] Este processo não se restringe a discutir sua “disposição onerosa ou apropriação derivada (comercialização)”[13], mas provoca a necessidade de se discutir a possibilidade de se proteger a informação genética contida no DNA humano com “um bem de interesse difuso” (Adriana Diaféria). O direito sobre as coisas interessa ser definido para permitir a circulação dos bens no mercado. O que o capital disputa atualmente é o valor econômico dessas informações genéticas. José Antônio Gediel propõe também revitalizar o conceito de res comunis, associado a outro regime de propriedade, não influenciado ainda pela noção do mercantilismo. O elemento uso que aparece na discussão atual é um complicador, mas instiga pensar na possibilidade de um uso plural, com gradações de poderes definidas.[14]

Como já foi mencionado, a informação genética faz parte de uma universalidade de bens que fazem a composição do DNA, e sua definição jurídica não encontra bases seguras no Direito moderno. Se não pode ser aferível apenas com exclusividade daquele que a detém, porque é um bem indivisível e tem titularidade indeterminada, ela deve ser compreendida como bem de interesse difuso. Partindo desse pressuposto, a identidade e integridade daquele patrimônio, independe do patenteamento, do acesso e das tecnologias utilizadas para obtenção daquela informação (Adriana Diaféria). O problema está em estabelecer controles sociais para estabelecer a rede de proteção de acesso e controle.

3.1 – Ponto de partida: a dignidade da pessoa

A realidade que problematizamos – acesso e uso das informações biológicas humanas – envolve instâncias socio políticas e antropológicas. Cada um dos participantes também se pensou como pessoa, inserida em instância de poder social, a quem a realidade dirigi um apelo e exige um posicionamento. Provocações psicanalíticas fizeram admitir no debate a reflexão sobre a ética do sujeito do inconsciente, [15] colocando em pauta o desejo e o interesse do cientista.

O que seria indevido? Na era tecnocientífica, práticas no campo da saúde não devem dissimilar um campo de dominação e apropriação da natureza humana e de toda cultura que lhe é correspondente. O fato do acessso e uso das informações genéticas, nas falas mais diversas, clama pelo princípio da tradição que percebe-se ameaçado: a dignidade da pessoa! O consentimento individual é necessário mas não suficiente, porque esse bem – informação genética – é indivisível e sem titularidade determinada. Partindo desse pressuposto deve-se tentar traçar o caminho para proteger a identidade e a integridade daquele patrimônio. (...) O genoma humano poderia ser configurado como um macrobem, composto por uma universalidade de microbens que seriam as informações genéticas e o acesso e a disposição desses microbens teriam que ser regidos, entre outros, pelo princípio maior da dignidade da pessoa humana estruturado por uma outra gama de princípios: diversidade, integridade, consentimento informado, confidencialidade, prudência, responsabilidade, vulnerabilidade, igualdade e qualidade (Adriana Diaféria).

Mas, desta vez. há que se explicitar uma “novidade radical”:[16] a dignidade de que aqui se fala não designa o ser de homens e mulheres, mas a humanidade destes. Ela é que está sendo ameaçada (...). E a ameaça não se restringe ao domínio dos direitos da pessoa, pois estes encontram-se também em cheque por quatro tipos de dificuldades postas pelas aplicações tecnocientíficas no contexto da nova economia: a conquista do plano da informação começa a apagar as fronteiras que separam o inorgânico do ser vivo e do objeto tecnológico, mas num sentido perverso. É difícil reconhecer e distinguir (juridicamente e no plano das representações) pessoas e coisas, ser humano e animal, humanos e máquinas, homens e mulheres[17] (Laymert Garcia)

Tanta novidade traz complicações no discurso, nos campos de conhecimento, no modo de pensar, pois somos acostumados a elaborar e agir como sujeitos, juridicamente legitimados como titulares de direito individuais. Tal perturbação sugere uma crise no modelo jurídico do século XIX, mesmo para a aplicação do princípio maior da dignidade da pessoa humana.

Uma idéia trazida para responder a esta precepção de que um outro vetor caracterizaria a informação genética do macrobem (genoma humano) como bem de interesse difuso, isto é, sem titularidade determinada (Adriana Diaféria), foi acolhida como uma das contribuições mais importantes emergentes em nossa oficina, sinalizando um caminho para a continuidade da reflexão.

A questão-chave surge provocativa e instiga a responsabilidade:

A preservação da espécie humana ou seu desaparecimento deixa de ser uma especulação tornando-se um problema do nosso tempo (Laymert Garcia). Um bem comum clama por proteção.

Pode-se pensar o genoma como um texto expressão de uma espécie? O que é a espécie humana? Seria o conjunto de indivíduos (indivisíveis e singulares), ou não somos mais gente, mas portadores de genes?[18] Genes não são humanos em si, mas se expressam genuinamente num ser humano – naturalmente produtor de culturas e valores – uma diferença que faz a nossa diferença (continuarmos a nos identificar como nós, humanos?). Não seria direito da espécie não permitir, coletivamente, que o próprio poder humano vá além daquilo que se pode admitir?

Velhos humanistas questionam também se o Homem – espécie reconhecidas pelas Ciências Naturais, “é livre para renunciar à sua qualidade de Homem” (Laymert Garcia). Sob que risco pretende-se renunciar à humanidade do Homem?

O que seria, então, um bem comum?

A diversidade e singularidade dos humanos são vistas como bens a serem preservados. Nossas bizarrices culturais, etnografadas pela antropologia, demonstram a dificuldade de universalização. Mas, temos valores culturais comuns? Temos em comum nossa humanidade – uma humanidade.

“Nós, advogados, sabemos que bem comum é uma retórica. Bem não é bem. Comum não é comum (...). A ética reflete sobre o bem e o mal. O Direito moderno, o que faz? Ele não reflete. Ele é o mínimo ético. Ele não reflete sobre o bem nem sobre o mal. Ele reflete sobre bens ( a palavra bens não lembra bens patrimoniais e valores financeiros?) : vida, honra, liberdade, dignidade” (Maria Celeste Cordeiro dos Santos).

As ciências, o direito e a filosofia reconhecem-se inaptas para justificar, cada uma por si, a decisão moral sobre a humanidade investida nos materiais biológicos que são fonte para uma leitura informatizada do corpo e para uma identidade biológica. Convoquem-se as ciências sociais e políticas! Novas tarefas são colocadas para a ética e o direito e um consenso pôde ser delineado: biotecnologias não devem servir para que pessoas e países sejam excluídos dos benefícios à saúde e econômicos. O direito deve tornar-se propositivo e não ceder à tentação de criar um discurso legitimador de ordens sociais orientadas por interesses que ameaçam a integridade humana e estigmatizam grupos populacionais.

Há temores derivados de abusos possíveis. Estudiosos de todos os campos debruçam-se sobre o tema buscando delimitar o problema.

3.2 – Um temor entre os cientistas: preserve-se a liberdade de pesquisa!

Os próprios cientistas da biomedicina e das ciências sociais temem abusos. Há limites evidentes nos testes de biossegurança e na aplicação do que já é possível conhecer. O vertiginoso progresso biotecnocientífico se por um lado contribui de forma inquestionável para o bem-estar humano, por outro levanta questões tais como a segurança biológica e os limites éticos de seus avanços (Mário Toscano).[19]

A ignorância e o saber sobre os corpos, a influência do ambiente na expressão genética modificada e a dificuldade de controle dos riscos associados, podem provocar danos à pessoa, no ambiente, à sociedade e às espécies. Sabemos disso. Acabou a inocência da experimentação e alterou-se a relação entre experimentação e ato (chegada à linha de produção). Os efeitos de uma alteração genética provocada pode propagar-se e autopropagar-se, a longo prazo, sempre muito além do que a teoria pode prever. Não se pode recolher pessoas ou populações: alterou-se a relação reversibilidade/ irreversibilidade.

Foram os biólogos os primeiros a se assustar, após a descoberta da estrutura do DNA, dando partida a um processo de conferências e elaboração de regulamentações nos países produtores de biotecnologias.

Mas há um temor especial disseminado no senso comum recorrentemente explicitado: a liberdade de investigação não dever ser ameaçada!

À medida que os avanços da ciência vão acontecendo, nós temos que Ter esse cuidado de ir fazendo uma reflexão e seguir encontrando os limites e preservando a liberdade de pesquisa. Não é um balanceamento simples, banal (Maria Cecília Minayo)

Abusos possíveis existem, tais como: a identidade pessoal se calcar na primazia da caracterização biológica com discriminações negativas na sociedade, com pulsões eugenistas; desresponsabilização pessoal e institucional; patenteamento de informações da intimidade genética pessoal; hipervalorização do direito individual... Por que e como proteger valores humanos? O que deve ser interditado, que sanções aplicar? Como realizar o acompanhamento e a participação sociais? Precisamos conversar muito com a área biológica, levantar questões de fato, entender mais a percepção do próprio pesquisador sobre a necessidade do limite (Maria Celeste Emerick).

Os cientistas estão falando e emitindo declarações, afirmando que certos limites têm de ser respeitados a exemplo da recente declaração feita por cientistas americanos da National Academy of Science: “as informações sobre o genoma humano devem estar livremente disponíveis para a sociedade”.[20] Depois que uma coisa é descoberta[21] ninguém mais pode escondê-la. Se não tomamos cuidado, caímos no obscurantismo, quer dizer, enquanto o mundo vai estar participando desses esforços de seqüenciamento, de conhecimento mais aprofundado do funcionamento genético, nós vamos estar aqui discutindo o que se deve ou não fazer” (Ana Clara Guerrini Schemberg).

O que significa as informações estarem “livremente disponíveis para a sociedade”, posição defendida por alguns cientistas da comunidade internacional? Livre para quem? Livre para quê? Ao discutirmos limites estamos admitindo que as informações genéticas devem estar protegidas. O que deve ser restringido?

Ainda que a Ciência tenha um forte discurso da verdade, nem por isso cientistas evitam questionamentos sobre todas as conseqüências.

De que maneira um país consumidor de tecnologias beneficiará seu processo genuíno de desenvolvimento e decidirá sobre testes clínicos se é dependente de tecnologias e encontra-se num contexto desigual de poder?[22] Como analisar tudo isso, formado uma massa crítica? (Marcos Freire). Temos de nos preparar para definir quais são os nossos termos de negociação. No Brasil, o que atrai a comunidade internacional não é termos mais ou menos leis. Pode ser o fato de termos aqui uma enorme quantidade de pacientes virgens de tratamento (Ana Maria Tapajós). Neste ponto, cabe lembrar uma das tendências em curso na discussão sobre a revisão da Declaração de Helsinque[23] propondo o uso de placebo em investigações clínicas se o evento final, o end point, não for morte ou incapacidade física, desde que este uso garanta a eficiência de um projeto. O consenso atual e que se quer mudar é de que ensaios clínicos só devem ser feitos com drogas comparadas ao melhor medicamento existente e eficaz (Dirceu Greco).

A ciência, vista no interior dos problemas de saúde e dos conflitos de interesse, mostra-se também ciente de que está envolvida em uma realidade e ela sozinha não pode resolver, havendo necessidade de debater na sociedade o que se deve fazer ou não no terreno científico. Não fosse isso não haveria nem as Declarações! A Declaração de Helsinque, permanentemente citada, vem sendo alvo de revisões, e há uma corrente médica propondo o relaxamento no rigor do uso do placebo em países onde não há oferta do melhor tratamento! Os princípios da igualdade e da dignidade estão sendo atingidos.

Para concluir este item, é preciso lembrar que também não se pode cair no obscurantismo de negar que as relações problemáticas entre ciência, política e sociedade muitas vezes caminham para estratégias defensivas. Falta-nos, talvez, a videz de compreender a ciência como cultura. O senso comum de ameaça à liberdade de pesquisa só se transformará em senso ético pela corajosa reflexão coletiva e propositiva.

A participação dos cientistas na discussão de limites ao acesso e uso do genoma humano permite questionar os “avanços” da ciência associados à concentração de poder econômico e da perversa distribuição de investimentos para os cuidados da saúde de todas as gentes, pois estes aspectos da realidade são também limitantes à liberdade de pesquisas.[24]

4 – QUAL É O PROBLEMA EM QUESTÃO?

Esta pergunta – parece elementar! Foi bastante provocativa: Qual é o problema central a se debater aqui? (Gisele Alencar) Fazer este recorte é um primeiro problema.

– Ainda que o debate ético-jurídico seja necessário e incontornável, talvez o maior problema quanto a este tema seja, atualmente, aprofundar e problematizar o aspecto sociopolítico e antropológico da discussão em torno da biotecnologia e enfrentar, de forma independente, o desenvolvimento de pesquisas voltadas para a saúde (André Rios)

– Por que há uma dificuldade em se estabelecer limites legais claros, se há tantas Declarações Universais, há quase cinqüenta anos, em elaboração? (Gisele Alencar)

Por que a dificuldade da Lei? A título de exemplos, nos EUA, país conhecido pelo pragmatismo, até a data desta edição, não havia consenso mínimo, colocado em dispositivo legal, para procedimentos de transferência gênica.
Um dos problemas – de que lei necessitamos? – suscita a análise das práticas e da construção de cenários que se pretende limitar e reorientar e que se referem aos diversos ethos (saúde, economia, educação...) componentes da grande esfera da sociedade. Exige um recorte inicial abrangente. Colocar limites exige pressa – o progresso caminha aceleradamente nem sempre de forma prudente – e, ao mesmo tempo, a tarefa exige tempo de pensar, articular idéias, setores e criatividade política... Não é fácil, neste caso, o viver-em- comum a tarefa de legislar, assegurando a proteção de bens comuns.

Vejamos uma forma de delimitação ampla de questão, colocada por Márcio Fabri: “Com fins operacionais, percebo duas grandes divisões nesta nossa análise:

1) A primeira refere-se aos megaproblemas de virada antropológica que enfrentamos neste momento da civilização e que percebemos como ameaça à nossa identidade de humanos. Aí, eu situaria a temática do genoma no contexto das concentrações de poder. Nunca existiu tão grande concentrações na história e interação com o próprio mecanismo com o qual se desenvolve a pesquisa sobre o genoma humano. Faz-se a ponto de ditar o que dever ser feito e como deve ser feito envolvendo acordos entre chefes dos Estados mais poderosos. Percebemos que há uma forma de fazer guerra e de fazer dependência. Estamos colocados no dever de fazer ética quase em tempo de guerra. Fazemos ética de forma muito tensa.
2) A segunda seria como administrarmos, no detalhe, o enfrentamento deste contexto, no cotidiano da vida vivida. A questão aí seria como moderar as forças e poderes neste território vulnerável que é o ser humano enfrentando o pós-humano (uma expressão que aqui emergiu). Este é um problema de educação. E neste terreno, há que se distinguir três áreas

a) O mundo dos pobres – Não se deve admitir que sejamos simples consumidores, ou fontes de matéria-prima, ou campo de ensaios clínicos. Aí já encontramos um princípio contraditado, pois como dizer que estamos querendo avançar em termos de conquistas referidas à pesquisa genética se estamos deixando para trás (me digam os sociólogos!) mais da metade da humanidade?

b) O mundo dos cientistas – Concordo que a questão dos interesses, desejos dos próprios cientistas e de sua vulnerabilidade deva ser levada em conta na educação científica. O q significa educar eticamente? As Diretrizes e Normas para Pesquisas em Seres Humanos do Ministério da Saúde[25] visam sensibilizar os próprios cientistas para crescerem, pelo menos, na compreensão inicial dos problemas éticos.

c) O mundo dos detentores do poder – Este é muito complicado. Que pedagogia desenvolver em tempo de guerra? Por exemplo, as pesquisas na indústria com embriões humanos para desenvolvimento de órgãos já é fato. A vulnerabilidade nossa como país de menor poder é um fato. A concorrência é desleal. Nesta área, o Brasil precisa tomar uma posição e encontrar força em sua própria vulnerabilidade. Por que nos guiar pela legislação de outros países? Temos que Ter nossa percepção, contribuir e apostar numa visão humanitária na direção, também, de uma atuação internacional, além da atuação doméstica. E os cientistas têm voz e poder para afirmar propostas de pesquisas independentes e humanitárias na comunidade internacional. Resta saber que posição devem tomar, cientes de sua própria vulnerabilidade.

“O desejo ao reconhecimento social – um direito – é voltado para buscar o reconhecimento de quem? Dos moradores de favelas? Não. Queremos ser reconhecidos em Harvard, Genebra, França... Os conceitos de cidadania e de vulnerabilidade precisam ser revistos. A quem servimos? Se soubermos a quem servimos fica mais fácil tomar uma decisão de como vamos servir” (Dirceu Greco).

A dinâmica dos poderes é, pois, um problema que necessita de limites – a lei – contra a desmesura, assegurando a justiça em torno dos homens e mulheres, sujeitos de direitos e capazes de liberdade ética.

Mas há dificuldades de definir a titularidade dos interesses em questão O alcance da desorientação material e intelectual, no que podemos perceber, exclui a particularidade individual como centro de referência para a solução dos problemas de definição jurídica (José Antônio Peres Gediel). Além do mais, há problemas ecológicos envolvidos e relativos à natureza e imagem do humano.

5 – A QUEM INTERESSAM OS RECURSOS BIOLÓGICOS E AS INFORMAÇÕES GENÉTICAS DE PLANTAS, ANIMAIS E HUMANOS?

A simples menção à palavra recurso já inscreve este problema no campo da economia. A discussão ética e jurídica depara-se perplexa com um processo de rapidez exponencial e a ciência associa-se com o fluxo do capital privado investido nas pesquisas do genoma humano, visando conhecer e determinar códigos genéticos,[26] através do desenvolvimento da bioinformática. O uso e acesso das informações genéticas inscrevem-se na nova economia.

Eis mais uma indicação sobre a complexidade da discussão voltada para delimitar a natureza (jurídica) deste bem.

Talvez seja possível resumir minha intervenção em um único enunciado: a dificuldade está em perceber o modo como os limites éticos e jurídicos ao acesso e uso do genoma humano são burlados através da confusão entre inovação e descoberta. E, por outro lado, como a noção de dignidade humana, entendida como atributo da espécie, e não do indivíduo, poderia se configurar como uma possível barreira jurídica para disciplinar o avanço aparentemente irresistível da biotecnologia e a correspondente transformação dos recursos genéticos em “commodities”[27] (Laymert Garcia).

No meu entender gene já é commodity, afirma Sílvio Valle. Todas as empresas que estão na área da biotecnologia e que estão influenciando o valor das suas ações são da informática e da biotecnologia. Esta relação é complicada mesmo. Estou fazendo um levantamento dos projetos de pesquisa dos cientistas de ponta nos Estados Unidos e 90% deles estão ligados a uma empresa de biotecnologia.

No Brasil, já há cientistas operando com informação genética. O biólogo tem regulamentação profissional que prevê isso. Os bancos de sangue já têm regulamentação, pois têm acesso a muita informação genética.

As empresas e profissionais da reprodução assistida tem um enorme poder de acesso ao material genético humano – como controlar isso? A lei deve ser referir à estocagem de células embrionárias. Ainda poderia citar a transferência nuclear- retirada do núcleo de um óvulo e transferência para um outro citoplasma vazio – com fins de fertilização in vitro. Não é engenharia genética. Como delimitar o escopo do problema para fins legais?

Um outro complicador para a definição do escopo de uma legislação sobre o que estamos querendo proteger seria, por exemplo, o cultivo de células-tronco, que não envolve engenharia genética. Estaria sendo controlada em que dispositivo legal? (Sílvio Valle).

Que humanidade está investida nos embriões e fetos abortados e/ou estocados e que agora constituem valor científico e econômico para experimentação em transferência gênica? Quem consente, com o quê nas práticas de acesso e uso de células fetais?

Hoje, a discussão sobre a regulamentação do acesso e uso do genoma humano tem caminhado a passos largos, em face do desenvolvimento de novas técnicas[28] e estratégias para o seqüenciamento do DNA humano que está sendo pesquisado no mundo inteiro, incluindo as instituições brasileiras, para facilitar e acelerar os resultados do Projeto Genoma Humano[29] Internacional (Adriana Diaféria).

Então, uma lei sobre essa matéria tem que Ter claro o objeto sobre o qual está definindo garantia legais. Como vamos definir manipulação? Qual o objeto do Código de Ética das Manipulações Genéticas, previsto pela Lei no 8974-95 (a chamada lei de Biossegurança) Há inúmeros projetos de lei em curso, a Resolução CNS 196/96 tem uma larga abrangência... Não se deve atirar conceitos e atribuições por todos os lados. A Lei deve conter conceitos claros para sua aplicação (Sílvio Valle).

O que vem motivando a maior mobilização de recursos de toda a História da Ciências?

A tecnociência e o capital global não estão interessados nos recursos biológicos – plantas, animais e humanos. O que conta é o seu potencial para reconstruir o mundo (...). A transformação operada pela valorização informacional dos processos manipualdos pela bioinformática não pode proteger valores de uso moderno e tradicional ou valores ontológicos, porque estes não cabem mais no sistema.

O valor da informação torna-se o centro da disputa do capital global. Uma pergunta surge inquietante: a vida passará a ter valores socialmente apenas quando a ela for incorporado o trabalho tecnocientífico? A transformação operada está a corroer o referencial do humanismo moderno: o Homem não é mais a medida de todas as coisas (Laymert Garcia).

Se o fato da pessoa é a medida do seu valor,[30] na cultura tecnocientífica e na nova economia, a pessoa encontra-se ameaçada pela possibilidade do valor da informação genética passar a ser referencial de identidade. Continuaremos a ser o que somos? Somos, como pessoas psíquicas, inevitavelmente divididas. Não somos essa pessoa íntegra, coesa, que o mapeamento de um genoma possa fazer supor. Somos pessoas em conflito, ora sabemos, ora não sabemos (Halyna Grynberg).

“Ao falarmos aqui de leis, patentes, ciência e tecnologia, esquecemos de falar na saúde dos pacientes – os portadores de doenças genéticas. Faço parte da Associação de Falcêmicos e Talancêmicos do Rio de Janeiro. Anemia falciforme, doença hereditária mais comum no Brasil, é extremamente desconhecida. Tem grande incidência na população negra que, no Brasil, por questões de injustiça social e racismo, encontra-se no extrato social mais pobre. (...) Sou uma exceção – estudei Direito. Estudei dentro do hospital. Aos 18 anos tinha sofrido 180 internações. Mas estou aqui, lutando.

A grande diferença entre nós e as pessoas ditas normais é que estas têm a ilusão da vida eterna e nós temos certeza de que realmente vamos morrer.

Queremos dar visibilidade social à doença, mas nosso maior medo, nesta luta, é sermos excluídos da sociedade. O medo do estigma. Somos capazes, podemos trabalhar. Temos limitações? Temos, mas temos o direito a existir na sociedade, temos direitos. Sendo o genoma humano um patrimônio da humanidade, interessa a todos por vários motivos, mas a nós , muito mais.

Por isso estamos aqui. Esperamos melhorar a quantidade de nossa vida e, se não for possível a cura, pelo menos que tenhamos qualidade de vida para chegar a pontos elevados da nossa sociedade. Não estamos aqui só para falar de leis e patentes. Nosso objetivo maior deve ser a saúde, o bem-estar das pessoas não só com doenças genéticas, mas com doenças que foram adquiridas e não têm cura” (Glória Christina Barbosa).

Este último depoimento revela a humanidade em nós, nossa finitude e, de forma comovente, afirma o primeiro direito humano – ser reconhecido socialmente e acolhido por uma comunidade.

David Hathaway lembra que o uso da informação genética não é só para fazer engenharia genética, pois servirá também para identificar pessoas, ameaçando-nos no mercado de trabalho, ao associar o valor da pessoa à sua informação genética, encarecendo a cobertura do seguro... É uma eugenia social a longo prazo, alertou.

A discussão sobre apropriação de informações genéticas deve prosseguir buscando compreendê-las como bens de interesse difuso, isto é, todo interesse que pertence a um número indeterminado de pessoas, portanto, considerado como transindividual (ou metaindividual), de natureza indivisível e ligado a seus titulares por uma circunstância de fato (Adriana Diaféria) ou revitalizaremos o conceito de "res comunis", como propôs José Antônio Gediel?

O Estado francês (que há trinta anos estuda nessas questões), acaba de elaborar um documento com abordagem científica sobre o princípio da precaução. Nossos juristas deveriam debruçar-se mais sobre o chamado Princípio da Precaução para que as aplicações da ciência caminhem com responsabilidades definidas (Sílvio Valle).

Se há fortes interesses econômicos, de empresas e países investidores e produtores há também fortes desinteresses políticos em fazer tramitar legislações inovadoras e protetoras de interesses locais e dos saberes tradicionais... (Nilo Melo Diniz).

A utopia da lei justa é a contracultura numa sociedade onde impera a lei do mais forte. Há interesses de pesquisadores nacionais em participar de projetos coordenados do exterior, o interesse das pessoas doentes e das famílias com presença de gens deletérios... cientistas, juristas, filósofos, governos, população, país, somos todos vulneráveis e o senso ético para compor uma legislação orientada pelo princípio da responsabilidade só se desenvolve pela reflexão e coragem... As biotecnologias que alcançam a intimidade genética humana não devem servir à exclusão, ou seja, à padronização e hierarquização entre as gentes que têm o direito de existir. Quem tem o poder de decidir o que deve permanecer ou quem deve ser eliminado? Foi consenso entre os presentes interditar a tentação da eugenia e da primazia da identificação genética como referência para identidades pessoais.

6 – A ERA DAS DECLARAÇÕES

Há cinqüenta anos regulamentam-se condutas éticas internacionais. Já não estamos no ponto de estabelecer um Tratado? O que colocar como interdito? (Gisela Alencar

Uma corrida regulamentarista vem se dando ao longo do último meio século. A quebra de dogmas científicos, éticos e jurídicos gerou um movimento cultural voltado a trabalhar essas questões inusitadas, buscando alternativas à lógica regulatória do mercado pelo Estado, adotando uma lógica mais propositiva, cognitiva, indicando o que se deve fazer... O Código de Nuremberg (1948) inaugura esta "Era de declarações", incluindo a autonomia do paciente como princípio fundamental a ser aplicado nas pesquisas biomédicas com seres humanos.

Embora o tempo da oficina não permitisse uma análise aprofundada das propostas regulamentares internacionais e brasileiras, Maria Celeste Cordeiro dos Santos, lembrou a profusão de propostas internacionais já elaboradas nestes últimos cinqüenta anos, citando a Declaração dos Direitos do Homem (1948); a Declaração de Helsinque (desde 1964 já sofreu cinco revisões e está sendo, neste ano, revisada pela Associação Médica Mundial); a Declaração de Bilbao; a Declaração de Valência... O último documento internacional referente à nossa matéria é a Declaração Universal do Genoma Humano e Direitos Humanos (UNESCO, 1997). Sobre a regulamentação brasileira ela citou a própria Constituição (art. 225 que trata dos recursos genéticos como patrimônio da União, sem diferenciar humanos e não-humanos); a chama- da Lei de Propriedade Industrial, n° 9.279/96; a chamada Lei de Biossegurança, n° 8.974/95, que regula as práticas de engenharia genética relativas a organismos geneticamente modificados (ogm) e coloca interditos (art. 8°) relativos à manipulação em humanos; e as Instruções Normativas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança; a Resolução CNS 196/96 que trata das Diretrizes Regulamentares das Pesquisas envolvendo Seres Humanos.

Outras falas puderam trazer elementos de análise dos conceitos subjacentes à Declaração Universal do Genoma Humano e Direitos Humanos.

Em nove (9) de seus artigos a dignidade é referida como se este fosse um valor chave quando se trata de genoma humano. Mas, imediatamente, surge a pergunta: é possível preservar a dignidade humana e ao mesmo tempo inscrever o genoma no regime da propriedade intelectual que progressivamente transforma a informação genética em "commodity"? (Laymert Garcia). Sabe-se da limitação do alcance prático dos consensos mínimos internacionais no âmbito da vida concreta. As declarações e documentos internacionais registram um contexto histórico da crise das idéias e valores associados às práticas científicas sobre o genoma humano.

José Antônio Gediel iniciou sua fala fazendo uma critica à lógica regulatória do direito: utiliza-se da lógica do mercado e da autonomia privada que permite a apropriação dos bens da natureza e dos bens criados pela sociedade para tornar jurídicos os fatos que estão acontecendo na sociedade. Os fatos científicos tornados econômicos, se forem tornados fatos jurídicos, ganham força como sanção e aplicação obrigatória, e também uma legitimidade.[31] E ele pergunta: em que a Declaração Universal do Genoma Humano provoca ou sugere uma proposta nova em relação ao sistema clássico do direito privado e público?

Gediel identifica no texto desta Declaração uma continuidade do tratamento jurídico no que tange ao genoma humano, pois nele encontramos elementos do conceito da relação jurídica privada-sujeito e coisas, dentro da visão clássica dos direitos codificados no século XIX, como por exemplo, o art. 4° - O Genoma humano em seu estado natural não pode dar lugar a benefícios pecuniários e o art 5° (...) b) em todos os casos, se obterá o consentimento prévio, livre e informado da pessoa interessada (...).

Portanto, a primeira coisa que percebemos na Declaração é que os juristas ampliam a noção de autonomia privada do sujeito admitindo-a em relação ao corpo, aos elementos do corpo e ao genoma. Esta autonomia vai se expressar sob a forma jurídica do famoso consentimento informado.[32] De certa forma, este consentimento, no caso destas pesquisas, pode ser visto como uma forma de apaziguar nossa consciência em relação ao sujeito/objeto de um modelo científico, sendo que o próprio cientista não pode saber qual será a conseqüência a longo prazo (José Antônio Peres Gediel).

As modificações operadas no ser vivo acionam um processo de modificação pela própria autonomia da relação deste ser vivo com o ambiente e este processo é de impossível previsão. Acrescente-se a tais considerações o fato do desejo do cientista e do paciente estarem sob a égide da ética do sujeito inconsciente, problematizada por Halyna Grynberg. Quem faz e como o faz? Neste obscuro terreno, teme-se que os processos das pesquisas sejam feitos por quem confunde realidade com ficção, não se preocupa se é homem ou mulher com experiências singulares de vida, que não admite as incertezas... Pois, a ciência não faz de conta. Ela faz mesmo. E a linguagem, que nos caracteriza como humanos é imprecisa... Uma citação final de Lacan dispara uma última advertência: "Ie nom du père"- "Ies non dupes errent" - um jogo de palavras que pode ser compreendido como os não tolos erram. Se estamos falando em sujeito humano, dependendo da nossa construção psíquica, quem diz que um consentimento que dou não é um consentimento suicida? Que idéia é esta de que o consentimento é consciente, e que a única instância do consentimento é a consciência, ou que a outra instância do consentimento é a lei? Isto me parece um enorme problema (Halyna Grynberg). Esta sinalização de que somente os tolos têm a ilusão de que não erram, ignorando que o desejo de conhecer, por ser desejo, é errante... alerta-nos também para as interferências deliberadas nos materiais genéticos, sem efeito previsível quanto a mutações autônomas futuras.

Continuando a discussão dos conceitos jurídicos, Gediel chama também atenção para o adjetivo em estado natural agregado à coisa, no artigo 4°, indicando a condição de um objeto onde a relação jurídica reconhece duas naturezas: uma natural e uma artificial, esta última podendo decorrer tanto de uma invenção ou de uma mera reorganização. Estes conceitos diferenciam coisas naturais daquela em que se agrega o trabalho humano, no nosso caso, a atividade científica. E, acrescentamos, o resultado mercadológico da pesquisa pode não ser um artefato diretamente transformado do material humano, mas algo com a fração modificada daquilo que foi utilizado. O que Gediel chama atenção é que no contexto da bioinformática a coisa se desmaterializa e passa a ter um grande valor de mercado, derivando daí a necessidade de regulamentação jurídica. O interesse sobre esta coisa não é apenas científico.

Em que a ,Declaração apresenta sinais de superação deste modelo? Segundo Gediel, ela torna mais complexo o conjunto conceitual em que os juristas geralmente recortam com uma visão bem formal para dar um tratamento possível genérico, e ele afirma: a generalidade da lei exige uma retirada da complexidade da ligação do conceito jurídico com a sua realidade material.

Segundo Gediel, o artigo 1° da Declaração seria uma tentativa e superação deste modelo, como veremos:

A. A Dignidade Humana e o Genoma Humano

Art. 1º - O genoma humano é a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana e do reconhecimento de sua dignidade intrínseca e sua diversidade. Em sentido simbólico, o genoma humano é o patrimônio da humanidade.

O texto deste artigo concebe que o genoma não pode ser objeto de direitos privados e este é um primeiro indício do próprio limite da Declaração como instrumento efetivo.

Estamos tratando de um tema sobre algo que é reconhecido como um patrimônio, herança comum da humanidade. Por mais tangente e relativa que seja, esta expressão é uma sinalização da humanidade ou da comunidade de pessoas interessadas nesta pesquisa. O fato de ser comum está contrariado pela realidade dos fatos, pois as pesquisas sobre o genoma humano estão concentradas em mãos privadas que querem retorno do investimento. Isso é preocupante. Aí vemos um limite da Declaração como instrumento efetivo. Qual é realmente o efeito desse tipo de regulamentação quando entre o público e o privado, a balança pesa para a concentração privada? Tenhamos claro que é necessário irmos "domesticando" estes consensos mínimos e traduzindo-os em legislações nacionais. Estamos trabalhando em algo que não é tão simples, mas é irreversível Já estamos em um ponto da discussão internacional que deveria, por exemplo, estar fortalecendo a elaboração de um Tratado (Gisela Alencar).

Então, a Declaração do Genoma Humano e Direitos Humanos começa a trabalhar com a diferenciação do genoma como algo diferente da natureza, ao mesmo tempo que não tem titularidade determinada ao dizer que é patrimônio ou herança simbólica da humanidade. Neste ponto, Gediel percebe na Declaração uma alteração na harmonia conceitual do direito clássico e o genoma não se define com nenhuma das coisas estabelecidas naquela matriz: não é res nullius (coisa que não tem dono), não é res derelictae (coisa que tinha dono e foi abandonada). Seria res comunis (coisa comum)? Ouvimos aqui, nesta oficina, Adriana Diaféria, que trabalha com a noção de bem de interesse difuso, uma novidade dentro dessa tecnologia clássica do direito privado (José Antônio Feres Gediel).

A idéia de que o genoma é individual e comum, cria um problema não apenas na ordem conceitual, mas da ordem existencial e social: nós, humanos, nesta identificação genética nos tomamos seres que não nos caracterizamos por relações inter-humanas. A lógica da liberdade, da autonomia transfere-se para o campo da biologia. E isso desterritorializa o sujeito. Ao mesmo tempo, cria uma identidade, unifica, torna universal. Cria sujeitos que se integram em uma mesma categoria genética, seja por doenças, por sintomas. O sujeito de direito é fragmentado porque ele já não pode ser mais proprietário. E cria ainda um risco das discriminações negativas que nos remetem a um outro campo de discussão.

Assim, os elementos de proteção e tutela jurídica do sujeito -sigilo, responsabilidade pelos danos, consentimento informado -têm seu núcleo num conceito jurídico constitucional e vem apoiado no princípio da dignidade humana. Porém, o genoma é universal e o conceito de dignidade humana também, mas esse universal se concretiza no indivíduo que segue a lógica do direito antigo, que por sua vez não garante a proteção da espécie e da humanidade, tal como foi radicalmente demonstrado pela argumentação de Laymert Garcia. O risco da hipervalorização do direito individual torna-se, pois, o que deve ser resolvido e nossa criatividade e responsabilidade estão postas à prova.

7 – PRÓXIMOS PASSOS

Não adianta pensar que o Brasil vai se posicionar de tal ou tal forma enquanto o poder econômico está fora daqui e não somos nós quem decidimos. Se assumimos que, no Brasil, vamos adotar que a natureza jurídica das informações genéticas é de bens de interesse difuso, esta posição tem de ser visível internacionalmente. Nossos discursos de cientistas são cheios de citações à Academia Francesa, Inglesa, Americana... Por que não uma Declaração Internacional partindo de nós, para a América Latina, Tailândia... Nós cientistas temos interesse de que as coisas se modifiquem. É viável (Dirceu Greco).

Nós já temos instrumentos de controle, declarações e legislações em diversos países. Temos de aclarar os problemas, a exemplo dos tratados ambientais globais e do direito internacional global na área de meio ambiente em relação às questões climáticas de proteção do ozônio ou perda da biodiversidade. No caso do genoma, qual é o problema? O problema está a demandar um contrato internacional? O início das negociações de um tratado, assim como o início da apresentação de um projeto de lei, é um passo inicial no âmbito da política.

É preocupante o fato da comunidade internacional não ter claro o primeiro passo para fazer um tratado internacional que é definir qual é o problema que estamos tratando (Gisela Alencar).

Se o genoma humano é um campo de interesses financeiros, e de segurança e de controle populacionais, não se trata apenas de uma questão ética. É um problema de desenvolvimento da teoria política. Este é o nosso desafio, como rede de pensadores capitaneados pela FIOCRUZ, instituição de prestígio suficiente para participar de fóruns internacionais. Podemos, pelo debate e atuação, construir uma definição do problema e discutir a viabilidade da proposta do Tratado.

A CTNBIO (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), está se articulando para a elaboração de um Código de Ética em Manipulações Genéticas, cuja dificuldade de definição de escopo já foram levantadas anteriormente. No contexto do que organizamos neste item, fica claro que os limites éticos deverão fortalecer regulamentos mais eficazes. E o processo social de mobilização é o que importa para darmos este passo aqui proposto.

A FIOCRUZ, através da GESTEC, continua sendo uma referência nacional neste debate, esperando que, desta oficina, outras iniciativas cresçam para o aprimoramento das propostas para o País.

8 – PONTO DE CHEGADA

Eis, finalmente, o ponto para onde caminhou a reflexão de nossa Oficina: Ciência e Tecnologia e sua relação com Ambiente e Saúde são relações sociais e políticas e não estão fora de um mundo em crise de justiça e de conhecimento. Nenhum conhecimento e nem suas aplicações são inocentes e à distância de problemas mundiais. Não se referem a formas de conhecimento abstratas, por mais virtual que seja o processo de concentração dos poderes envolvidos e dos problemas que detectamos. A vida concreta, cotidiana e subjetiva, está em questão. Os problemas são de ordem ecológica e se referem à identidade ecológica do humano, pessoas convivendo e constituindo uma humanidade, em circunstâncias concretas de relações sociais, instituições e lideranças.

É importante lembrar que o debate ecológico se fortaleceu como movimento social na década de 70, no mesmo período em que surge a Bioética, também como movimento cultural no interior da própria ciência. Naquele momento, movimentos de libertação e de democratização tornavam-se visíveis, fortalecendo também a busca de liberdades individuais: é proibido proibir! Hoje, o mundo assiste a uma corrida por regulamentações do poder da ciência sobre os corpos, questionando a hipervalorização das liberdades individuais sobre a disponibilização dos corpos às intervenções científicas colocadas como demandas da sociedade de massa. E o que mais apela para nossa criatividade e coragem política é ter o discernimento em afirmar: daqui para a frente, não! Há o que é de todos e representa um bem de interesse difuso, inclusive pertencente a futuras gerações sobre as quais temos responsabilidade.

É neste sentido que se faz premente ao direito o estudo, sistematização e inter-relacionamento com outros ramos atinentes à matéria, para a criação e desenvolvimento dos primeiros conceitos que deverão nortear a elaboração dos textos normativos pertinentes, estabelecendo os limites de sua licitude[33] e seus controles (Adriana Diaféria).

A ciência é uma face da cultura. É na malha das relações humanas onde se reforçam e/ou tornam vulneráveis laços sociais entre Ciência, Tecnologia e Saúde afirmando a dignidade da pessoa, do país e da espécie humana.

Nosso ponto de chegada torna-se, pois, a preservação da dignidade da espécie humana! O que podemos e o que queremos fazer juntos?

Rio de Janeiro, 14 de abril de 2000


* * * * * * *


NOTAS:


[1] Texto publicado nos anais do Seminário Saúde & Ambiente no Processo de Desenvolvimento, Rio de Janeiro, FIOCRUZ, julho/2000.

[2] Assessora da GESTEC na Área de Políticas Públicas, Secretária Geral do Comitê de Ética em Pesquisa da FIOCRUZ.

[3] Coordenadora da Coordenação da Gestão Tecnológica/FIOCRUZ, coordenadora da Oficina.

[4] Coordenador do Grupo de Trabalho Ética, Direitos Ambiental e Políticas Públicas do Seminário de Saúde & Ambiente no Processo de Desenvolvimento/FIOCRUZ.

[5] BUBER Martin, Über das; Erzieherirsche in Reden Über Erziehung. Heildeberg: Lambert Schnider Verlag, 1998 (traduzido em aula ministrada pelo Professor Roberto Bartholo Jr. COPPE/UFRJ - 2000).

[6] Realizada na FIOCRUZ, no dia 14 de abril de 2000, no Auditório de Bio-Manguinhos, promovida pela VPAIC, VPPqE, e GESTEC, como atividade do Grupo de Trabalho Ética, Políticas Públicas e Direito Ambiental, como atividade do Seminário Nacional de Ambiente e Saúde no Processo de Desenvolvimento

[7] Essa discussão, iniciada em 1996 e agora retomada, foi provocada pelo Projeto de lei 306/95 de autoria da senadora Marina Silva, regulamentando o acesso e uso de recursos genéticos de animais e plantas. O projeto exclui os humanos de seu escopo, deixando-nos a questão de como protegê-los legalmente.

[8] Recursos Genéticos Humanos: limites ao acesso, Emerick, C. e Carneiro, F. (orgs), FIOCRUZ, 1997. 9 BUBER, M. Do Diálogo e do Dialógico. São Paulo: Perspectiva, 1985.

[9] BUBER, M. Do Diálogo e do Dialógico. São Paulo: Perspectiva, 1985.

[10] Frase descrita na apresentação do livro The Double Helix, de James D. Watson, um dos descobridores da estrutura do DNA. Library of Congress, New York, 1969.

[11] LAYMERT, Garcia lembra que é necessário acompanhar historicamente as modificações do papel da patente e das condições jurídicas que permitiram que o ser vivo fosse patenteado e cita Bernard Renan Bardini em A Pessoa em Perigo, sobre a revolução jurídica a partir da introdução do serviço no campo da patente (anos 30). Os fatos analisados referem-se a julgamentos da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre patenteamento de bactérias e destacam a ausência da noção de ser vivo nas sentenças proferidas.

[12] GEDIEL, J.A.P. Tecnociênia dissociação e patrimonialização jurídica do corpo humano, In Fachin, LE. Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Renovar: 1998; p.58-85.

[13] Idem.

[14] Em outro item será problematizada a questão dos conceitos subjacentes à Declaração Universal do Genoma Humano e Direitos Humanos, apontando problemas conceituais sobre o individual e o comum.

[15] Expressão trazida por Halyna Grynberg.

[16] Expressão usada por Laymert Garcia, mostrando elementos da análise de B. Edelman em artigo Vers une approche juridique du vivant.

[17] Idéias citadas por Laymert Garcia referentes à Labrusse-Riou, C. La Verité dans le Droit des Personnes, in Edelman, B. et Hermitte, M-a L'Homme, La Nature et le Droit, pp. 159-198,

[18] Expressão usada por Veríssimo, em artigo da Revista de Domingo, Jornal do Brasil, memorizada pela autora.

[19] A fala de Mário Toscano de Brito Filho baseou-se no Relatório Bioethical Aspects of biotecnology tn Agrofood Sector -BABAS -do Cambridge Biomedical Consultants, s/d.

[20] A debatedora referiu-se a uma notícia recente publicada na mídia.

[21] Atenção para a palavra descoberta, usada espontaneamente por uma cientista (lembrando a dificuldade colocada para estabelecer o limite entre invenção e descoberta).

[22] Uma das propostas de uma aliança entre cientistas, capitaneada por americanos, para a revisão da Declaração de Helsinque (que os brasileiros já se posicionaram contra, em Carta de Brasília -ABM/ANIS 2000), propõe o uso de placebo em investigações clínicas se o evento final, o end point, não for morte ou incapacidade física, desde que este uso garanta a eficiência de um projeto. O consenso atual e que se quer mudar é que ensaios clínicos só devem ser feitos com drogas comparadas ao melhor medicamento existente e eficaz.

[23] A Carta de Brasília (CFM/ABM/ANIS, 2000) é um documento de pessoas representativas de instituições da sociedade civil e da comunidade científica, posicionando-se contra essa proposta de modificação da Declaração de Helsinque, neste aspecto.

[24] DEGRAVE, Wim, O poder e as responsabilidade do conhecimento científico, in A Moralidade do Atos Cientificos, Fernanda Carneiro (Org.). Rio de Janeiro: FIOCRUZ/1999.

[25] Resolução CNS 196/96.

[26] DEGRAVE Wim, A responsabilidade e o poder do conhecimento científico, in A moralidade dos Atos Científicos, Carneiro, F. (org.) Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999.

[27] ‘Comodidades’ para quem? Inquiriu Nilo Meio Diniz, aceitando a tradução de David Hathaway para commodities.

[28] Como desenvolvida por Andrew Simpson e outros pesquisadores do Instituto Ludwig do Brasil.

[29] É um empreendimento financiado pelo governo norte-americano, que envolve centenas de laboratórios e universidades do Primeiro Mundo na tarefa de mapear todos os genes da espécie humana.

[30] SÈVE V. Lucien. Para uma Crítica da Razão Bioética. Instituto Piaget, Lisboa, 1994.

[31] José Antônio Gediel lembrou-nos o artigo 194 da Constituição que veda a comercialização do corpo. Alerta que essa proteção, vedando a transferência onerosa, só se dá em uma das pontas do processo, em relação ao sujeito da pesquisa. Mas ela não se dá na outra ponta do processo e este sim, está mais claramente identificado com a lógica do mercado - venda de produtos e serviços.

[32] Tanto a Resolução 196/96 amplia a autonomia do indivíduo colocando o Termo de Consentimento Livre e Informado como critério para o uso do material biológico, como também o substitutivo do Projeto de Lei 306-95, que se refere à proteção dos recursos genéticos de plantas e animais, mas, ao excluir os humanos do escopo do projeto, art. 80, diz que “toda coleta ou uso desses recursos, componentes ou substâncias depende de aprovação do Poder Executivo, após o consentimento prévio fundamentado do indivíduo (...)”. Francisco Eugênio Arcanjo lembra que o substitutivo do PL 306/95 concede ao parlamento a soberania de regulamentar sobre a questão do acesso e uso do genoma humano e reconhece que este projeto tem um viés estadista, reconhecendo que a discussão sobre bem de interesse difuso é interessante para se seguir em frente com essa discussão.

[33] Mantovani, F. Manipulaciones genéticas, bienes jurídicos amenazados, sistemas de control y técnicas de tutela, in: Law na the Human Genome Review 1:94-119, 1994; Santos, MCC. O Equilíbrio do Pêndulo. A Bioética e a Lei. Implicações Médicos Legais. São Paulo: Ícone, 1998; p.23.