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PRINCÍPIOS ESTRUTURADORES DO DIREITO À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO HUMANO E AS INFORMAÇÕES GENÉTICAS CONTIDAS NO GENOMA HUMANO COMO BENS DE INTERESSES DIFUSOS
Adriana Diaféria[1]

O presente trabalho tem por objetivo apresentar o direito à proteção do patrimônio genético humano, seus princípios, sua interface com a natureza difusa das informações genéticas contidas no Genoma Humano e a Ação Civil Pública como instrumento de tutela jurídica.

1 – INTRODUÇÃO

Hoje a discussão sobre a regulamentação do acesso e uso do genoma humano tem caminhado a passos largos, em face do desenvolvimento de novas técnicas e estratégias[2] para o seqüênciamento genético do DNA humano que está sendo pesquisado no mundo inteiro, inclusive no Brasil, para facilitar e acelerar os resultados do Projeto Genoma Humano[3] internacional.

Com o anúncio recente do seqüênciamento virtual do mapa genético humano, verdadeiramente foram abertas as portas para um caminho que revolucionará a prevenção e o diagnóstico de doenças.[4]

Os grandes investimentos econômicos, que impulsionaram o desenvolvimento de tecnologias específicas para a realização das pesquisas científicas no campo da genética humana, provocam a necessidade de uma profunda reflexão sobre o processo de "coisificação (reificação) e apropriação privada de elementos do corpo humano"[5] não restritos à sua "disposição onerosa ou apropriação derivada"[6] (comercialização) e da possibilidade de se proteger as informações genéticas contidas no DNA humano como bens de interesse difuso.

E, nesse sentido, faz-se premente o estudo, a sistematização e o interrelacionamento com outros ramos atinentes à matéria para a criação e desenvolvimento dos primeiros conceitos que deverão nortear a elaboração dos textos normativos pertinentes a ela, estabelecendo os limites de sua licitude[7] e seus controles.

Como dissemos em outras oportunidades,[8] o papel do Direito nesse momento histórico é fundamental, pois, de dentro de suas próprias estruturas, extrairemos os fundamentos principiológicos para integração com os fundamentos bioéticos que nortearão as relações jurídicas decorrentes da manipulação do genoma humano.

Nossa preocupação maior nesse momento é traçar alguns delineamentos relevantes para a discussão, como a caracterização dessa nova dimensão dos Direitos, a importância dos princípios referentes ao tema e a natureza jurídica das informações genéticas contidas no genoma humano.

2. – UMA NOVA DIMENSÃO DOS DIREITOS: DIREITO À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO HUMANO

Numa tentativa ousada de se estabelecer uma interpretação constitucional voltada à identificação da proteção do patrimônio genético humano no sistema constitucional vigente e, talvez, iniciando as primeiras - quem sabe até pretensiosas, mas necessárias - projeções acerca da possibilidade de ruptura dos paradigmas jurídicos existentes até então, partiremos da premissa de que o direito à proteção do patrimônio genético humano poderá estar inserido no artigo 225 da Constituição Federal. Vejamos:

No parágrafo 1°, inciso II, do artigo 225, cabe ao legislador estabelecer a proteção do meio ambiente, em face das possibilidades de manipulação do patrimônio genético do País. Em princípio, não faz nenhuma distinção específica ao tipo de patrimônio genético que está sendo protegido neste dispositivo.

Dentro dessa perspectiva, a possibilidade de se proteger o patrimônio genético humano, através do artigo 225, torna-se viável, se considerarmos que a positivação da proteção do meio ambiente tem representado uma ruptura à antiga concepção antropocêntrica do Direito - quando o Homem representava o centro exclusivo do sistema jurídico - possibilitando interpretar que o legislador constituinte, assumindo uma postura inovadora perante a evolução do Direito, partiu do pressuposto de que o Homem e os demais seres vivos estão no mesmo pé de igualdade, em face da necessidade de se garantir a preservação do gênero humano, estabelecendo o seu reconhecimento como parte integrante da Natureza e que, portanto, poderia estar sendo protegido num mesmo dispositivo.

Segundo Albert L. Lehninger, bioquímico renomado, patrimônio genético é o conjunto de elementos que formam o ácido desoxirribonucléico - DNA - que é o possuidor da informação genética, que caracteriza um organismo.[9]

Essa informação genética, para Robert Paul Levine, é a somatória dos caracteres inerentes de um organismo,[10] que se manifestam através dos fenótipos e genótipos.

Os fenótipos são as informações que caracterizam as expressões externas de um organismo, ou seja, suas características físicas, como cor da planta ou orelhas, cabelos, cor de olhos, sexo, etc. Estas informações são determinadas pelos genótipos e, também, pela influência das condições ambientais. Porém, as alterações ambientais do fenótipo não refletem alterações no genótipo, mas, sim, na resposta do organismo ao seu ambiente e nas atitudes comportamentais do ser vivo diante desta influência.[11] O ambiente, portanto, fornece a "arena" na qual o genótipo age; e consequentemente, o fenótipo representa a expressão final da interação do genótipo com o ambiente.[12]

Já os genótipos são as informações que se transmitem de uma geração à outra, ou seja, é um composto de vários genes, que possuem propriedades químicas e físicas específicas, que determinam a natureza do fenótipo. Cada gene tem a capacidade de se auto-reproduzir, e raramente esta reprodução conduz a um gene com propriedades diferentes do original. Com isso, é mantida a continuidade do genótipo de uma geração à seguinte.

Quanto mais superior for o organismo na escala evolutiva,[13] maior o seu conteúdo de DNA, que é formado por bases de adenina, guanina, citosina e timina (A,G, C, T). Com isso, chegamos a conclusão de que todos os seres vivos possuem a mesma estrutura molecular, apenas diferindo na complexidade de suas combinações, que caracterizam a formação de organismos mais evoluídos.

Os sistemas vivos que comportam essa estrutura são quatro:

1) o dos microorganismos;
2) o dos vegetais;
3) o dos animais e
4) o dos seres humanos.

Nesse sentido, quando se busca estabelecer uma construção jurídica voltada à tutela dos interesses relativos à manipulação de patrimônio genético deve-se saber a qual patrimônio genético se aplica um subsistema jurídico.

Os microorganismos, vegetais e animais estão vinculados diretamente à idéia de diversidade[14] biológica e equilíbrio ecológico planetário, portanto, protegidos pelo direito ambiental, adotando toda sua principiologia e metodologia para garantir a sadia qualidade de vida e a manutenção desse equilíbrio.

Ao serem analisadas situações relacionadas ao ser humano, deve-se levar em conta uma característica específica que o distingue dos outros seres vivos, inerente a sua própria existência: sua racionalidade,[15] que lhe permite ter consciência de seus próprios atos, adquirir responsabilidades, direitos e assumir obrigações (salvo casos excepcionais).

Diante dessa condição, recebe tratamento diferenciado, separado[16] dos outros, pois os princípios que regem sua proteção jurídica, antes vinculados ao Direito tradicional, agora, são considerados acrescidos de novos pressupostos e princípios surgidos em decorrência da evolução da sociedade - que formam os recentemente chamados Direitos de 3a Geração ou ainda Direitos de Fraternidade ou Solidariedade![17]

Segundo Paulo Bonavides,[18] com o surgimento desses direitos acima mencionados, "um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto que não se destinam específicamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta ".

Assim, quando se discute a tutela jurídica da diversidade biológica sob a ótica do direito ambiental, visa-se garantir a sadia qualidade de vida do meio ambiente. Ao tratar-se das questões atreladas à manipulação genética do material humano, o objeto da proteção seria o próprio ser humano, não somente como indivíduo mas, também, como gênero humano.

A complexidade do tema está justamente na dificuldade de se dimensionar essa interface de interesses decorrentes da manipulação genética: o direito individual de dispor do patrimônio genético e o direito difuso do gênero humano de ter preservada sua dignidade e de receber os benefícios dessas novas descobertas biotecnológicas.

Diante dessas considerações preliminares, o direito à proteção do patrimônio genético humano será analisado a partir de algumas noções constitucionais importantes para a construção dos princípios informadores desta matéria perante o ordenamento jurídico brasileiro.

Os princípios, segundo Carlos Ari Sundfeld,[19] são as idéias centrais que estabelecem a lógica, a harmonia, a racionalidade e a coerência de um determinado sistema jurídico. Representam condição essencial para a aplicabilidade do Direito, não só pela importância de sua influência no momento da interpretação do Direito, como, também, pela sua função ordenadora que auxilia na compreensão das normas para a extração de soluções coerentes com todo o ordenamento jurídico.

Na medida em que se formam subsistemas de Direito, faz-se necessária a identificação desses princípios estruturadores subsumidos nas normas jurídicas que compõem o sistema legislativo aplicável à matéria, para verificar a unidade e coerência desse subsistema jurídico e a compatibilidade desses princípios com as regras previstas em todo ordenamento jurídico.

3 – PRINCÍPIOS DO DIREITO À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO HUMANO

Com base nos referenciais éticos da justiça, da autonomia, da beneficência e da não-maleficência, passa-se a expor, muito sucintamente, os princípios estruturadores do Direito à proteção do patrimônio genético humano, com base na Constituição Federal brasileira, na Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem, Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires em 1998, e em todas as normas, instruções, diretrizes e declarações internacionais e nacionais que tratam da pesquisa em seres humanos.[20]

As declarações internacionais foram consideradas relevantes porque entendeu-se como Valery Mirra que, “embora elas não estejam ainda incluídas entre as fontes tradicionais do Direito Internacional e não tenham aquela imperatividade jurídica própria dos tratados e convenções internacionais, ainda assim, devem ser reconhecidas como instrumentos dotados de relevância jurídica. Na realidade, as Declarações Internacionais constituem, atualmente, importante método de cristalização de novos conceitos e princípios gerais e, uma vez adotadas, passam a influenciar toda a formulação subsequente do Direito, seja no plano internacional, seja no plano da ordem jurídica interna ".[21]

Através da análise das normas existentes identificamos os seguintes princípios:

Princípio da Integridade - art. 225 da Constituição Federal Brasileira, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (293 Conferência Geral da UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração lbero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998).

Visa direcionar as manipulações em genes de seres humanos, no sentido de não interferir na composição do material genético da espécie humana, com o intuito de "melhorar" determinadas características fenotípicas, utilizando-se de genes de outra espécies.

Princípio da Diversidade - art. 225 da Constituição Federal brasileira, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (293 Conferência Geral da UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração lbero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998).

Este princípio visa garantir a variedade da espécie humana, em face do papel fundamental que a diversidade representa, no que diz respeito à diversificação dos indivíduos na cadeia biológica.

A diversidade é considerada pelos cientistas como sendo o resultado e o motor da evolução biológica, acarretando uma imensa variedade de aptidões físicas e mentais que conferem às populações humanas sua plasticidade e sua faculdade de responder aos desafios variáveis do meio, potencializando sua capacidade de adaptação e de criação.[22]

Segundo Jacob, "uma população composta por indivíduos geneticamente muito semelhantes se encontraria à mercê de um acidente: epidemia ou mudança brusca nas condições de vida. Todo esforço que visasse homogeneizar as propriedades biológicas dos indivíduos - seja querendo 'melhorá-los' pela eugenia, seja procurando valorizar uma propriedade como a aptidão para a matemática ou a corrida - seria biologicamente suicida e socialmente absurdo. Para o grupo e para a espécie, o que dá a um indivíduo seu valor genético não é a qualidade própria de seus genes. É que ele não tem a mesma coleção de genes que os outros. É que ele é único. O sucesso da espécie humana é devido, entre outras coisas, à sua diversidade biológica. É preciso, portanto, preservar cuidadosamente essa diversidade dos seres humanos. Ainda mais que a diversidade cultural, cujo papel no desenvolvimento da humanidade foi ainda mais importante que a diversidade genética, se vê hoje gravemente ameaçada pelo modelo que a civilização industrial impõe doravante. "[23]

Princípio do Respeito à Dignidade Humana - art. 1° da Constituição Federal, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998).
Visa impedir que os indivíduos sejam reduzidos a suas características genéticas nas pesquisas científicas. A singularidade e a diversidade do genoma humano devem ser respeitadas em sua totalidade.

Princípio da Não Disponibilidade Econômica -Resolução MS/CNS no 196/96, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da UNESCO -21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração Ibero- Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998) e art. 199, § 4° da Constituição Federal Brasileira.

O patrimônio genético humano não deve ser aferido economicamente em seu estado natural, para a obtenção de ganho financeiro.

Princípio da Avaliação Prévia ou Princípio da Precaução - art. 225 da Constituição Federal brasileira, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997), Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998), Resolução do Ministério da Saúde e Conselho Nacional de Saúde no 196, de 10.10.96.

Antes da realização de qualquer pesquisa, tratamento ou diagnóstico no patrimônio genético humano deve ser realizada uma prévia avaliação dos potenciais riscos e benefícios a serem incorridos, além de atender às exigências legais vigentes no território nacional.

Princípio do Consentimento Informado -Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da . UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998) e Resolução MS/CNS no 196/96.

É obrigatória a manifestação da vontade, livre e espontânea da pessoa envolvida, e caso não esteja em condições de consentir, deverá ser representada por uma pessoa legalmente reconhecida, ou de acordo com a lei, para a satisfação da vontade da pessoa.

Princípio da Informação - art. 5° da Constituição Federal brasileira, Lei no 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), Resolução MS/CNS no 196/96, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998).

O detentor do material genético a ser manipulado deve receber todas as informações necessárias para compreender os resultados com clareza e conscientizar-se das conseqüências que poderão advir da referida manipulação.

Princípio da Confidencialidade - art. 5° da Constituição Federal brasileira, Resolução MS/CNS no 196/96, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998).

As informações que serão passadas após a realização da manipulação são estritamente confidenciais, não sendo permitido o conhecimento do conteúdo do resultado a nenhuma outra pessoa, além da detentora do material genético experimentado, a não ser que esta autorize expressamente.

Princípio da Prudência - Resolução MS/CNS no 196/96, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da UNESCO -21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998).

Todas as entidades que estiverem ligadas à pesquisa deverão agir com prudência, para garantir a preservação da dignidade da pessoa humana.

Princípio da Responsabilidade - Resolução MS/CNS no 196/96, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998).

As entidades de pesquisa tanto as que agirão sobre o genoma, como os comitês de revisão ética e científica - assumirão todos os riscos decorrentes de suas atividades sobre o patrimônio genético humano, independentemente de qualquer circunstância, em face dos danos que poderão ocasionar para toda a espécie humana.[24]

Princípio da Vulnerabilidade - Lei no 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), Constituição Federal Brasileira, Resolução MS/CNS no 196/96, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998).

Diz respeito ao estado da pessoa envolvida, que por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, principalmente para consentir a realização da pesquisa, bem como a falta de conhecimento técnico suficiente para a realização do experimento.

Princípio da Necessidade - Resolução MS/CNS no 196/96, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998).

Todo experimento científico a ser realizado no material genético humano deve comprovar a real necessidade dessa ocorrência para o avanço do conhecimento humano.

Princípio da Igualdade - art. 5° da Constituição Federal brasileira, Resolução MS/CNS no 196/96, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998).

Garante a todos o direito de acesso aos testes genéticos, independentemente da origem geográfica, raça, etnia e classe socioeconômica.
Princípio da Qualidade - Lei no 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), Resolução MS/CNS no 196/96, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (29a Conferência Geral da UNESCO - 21.10 a 12.11 de 1997) e Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires/1998).

Assegura que as atividades exercidas no material genético terão especificidade e sensibilidade adequadas e serão realizadas em laboratórios capacitados com acompanhamento de uma equipe de cientistas e de uma comissão ética.

4 – O RECONHECIMENTO JURÍDICO DOS INTERESSES DIFUSOS

Após a apresentação dos princípios formadores do Direito à proteção do patrimônio genético humano, direito esse das presentes e futuras gerações e partindo da perspectiva da proteção desse bem, no que diz respeito ao gênero humano, reconhece-se a sua natureza jurídica de interesses difusos.

Mas, antes da abordagem específica sobre a natureza jurídica das informações contidas no genoma humano, faz-se necessário o esclarecimento do que seja um interesse, para, na seqüência, ser possível a identificação do interesse difuso.

Interesse é toda vantagem de natureza econômica ou moral que possibilita a ocorrência de uma relação entre um determinado bem e uma pessoa. Segundo Mancuso,[25]"a nota comum é sempre a busca de uma situação de vantagem, que faz exsurgir um interesse na posse ou fruição daquela situação".

Dessa forma, para facilitar a compreensão, poderíamos classificar o interesse em duas grandes categorias:

a) o interesse fático e
b) o interesse jurídico.

O interesse tático é todo aquele que resulta de uma arbitrariedade que ocorre em decorrência de vantagens dimensionadas e de uma valoração que for estabelecida para concretização de uma determinada relação.

Portanto, a relação entre o bem e a pessoa se estabelece de acordo com uma valoração discricionária, que permita a ocorrência de uma certa vantagem.

O interesse que aqui chamamos de fático sempre existiu e sempre existirá independentemente de sua natureza ou de seu âmbito de incidência. Alguns deles são conhecidos nas seguintes formas: interesse individual, interesse social, interesse público, interesse geral, interesse coletivo, interesse difuso, etc.

O interesse jurídico é todo aquele que tem seu conteúdo valorativo determinado numa norma jurídica. Portanto, a positivação de um determinado interesse, restringe a liberdade de valoração para o âmbito ético-normativo. Isso decorre do fato de que, ao ser reconhecido um interesse fático pelo Poder Público, através de normas jurídicas, ele passa a ser tutelado por esse Poder que o reconheceu, ganhando força coercitiva em face da necessidade de se estabelecer um comportamento comum na sociedade.

Nesse sentido, se acompanharmos a evolução histórica do Direito, nas priscas eras do Direito Romano, as relações humanas se caracterizavam, basicamente, de acordo com os interesses individuais, principalmente os de natureza privada,[26] sempre levando-se em conta uma determinada vantagem.

A partir do momento em que parte dessas relações foram mediadas pela utilização de moedas, surge o capitalismo modificando por completo os paradigmas existentes nas sociedades da Idade Média, o que, consequentemente, influenciou na estruturação do Direito.

A complexificação da sociedade e o aumento significativo de indivíduos permitiram identificar diversos interesses que, até então, estavam ocultos entre as relações humanas, justamente pela dificuldade de identificação dos sujeitos e da caracterização do objeto.

Com o advento da Revolução Industrial, posteriormente otimizado pela inserção da tecnologia nos meios de produção, ocorreu a formação de grandes blocos econômicos e políticos, que se destacaram tanto pelo extremo desenvolvimento como pela precariedade total da estrutura política-social. Na seqüência, as duas grandes guerras mundiais e o aprimoramento científico e tecnológico dos países mais industrializados, deixaram estas diferenças ainda mais marcantes, o que acabou gerando a necessidade de se estruturar uma nova dimensão de direitos, pautada na fraternidade entre as nações? Dentre eles podemos apresentar o direito ao progresso científico e tecnológico.

Assim, uma vez tendo sido reconhecido pelo Poder Público o interesse no progresso científico e tecnológico de um número indeterminado de pessoas, todo e qualquer objeto dos resultados desse progresso científico e tecnológico não podem ser passíveis de individualização, porque possuem natureza de interesse difuso.

Diante dessas considerações e em face dos avanços científicos voltados ao mapeamento do Genoma Humano, analisaremos a natureza jurídica das informações genéticas contidas no Genoma Humano como bens de interesse difuso.

É importante ressaltar que em face da natureza difusa desse interesse e das diversas facetas da manipulação de informações genéticas, no presente trabalho levaremos em consideração apenas sua face direcionada ao direito ao progresso científico e tecnológico das nações, conforme passaremos a considerar.

5 – NATUREZA JURÍDICA DAS INFORMAÇÕES GENÉTICAS CONTIDAS NO GENOMA HUMANO - BENS DE INTERESSE DIFUSO

As informações genéticas contidas no DNA humano decorrem da combinação de uma série de moléculas que arranjadas de uma ou de outra forma vão compondo um patrimônio de informações.

Para acessá-las foram desenvolvidas diversas tecnologias de última geração, que as decodificaram e mapearam, em princípio, para finalidades basicamente terapêuticas, visando melhorar a qualidade de vida e a saúde de toda Humanidade.

Ocorre que nem todos os países do mundo possuem as mesmas oportunidades de desenvolvimento científico e tecnológico, em face da diversidade econômica, social e cultural atualmente existentes, o que consequentemente poderia acarretar o não-aproveitamento dos benefícios desses experimentos de forma igualitária entre todos os países, dando a possibilidade do surgimento de discriminações genéticas, no seu sentido mais amplo.

A informação genética alcançada através de uma determinada tecnologia é um bem de interesse difuso porque o interesse em ser beneficiado pelos resultados científicos e tecnológicos é pertencente a um número indeterminado de pessoas.

Além dessa característica subjetiva é importante ressaltar que a informação deve ser indivisível (como tem ocorrido em alguns países em que se estabelece o patenteamento de estágios de seqüenciamento, sem ao menos ter sido atingida a informação-objetivo da pesquisa) pois, se ocorre a fragmentação dessa informação genética estaria inviabilizado o alcance dos mesmos resultados por outros países, que também possuem o direito de promover os benefícios do mapeamento genético para sua população, prejudicando os avanços das pesquisas científicas de diversas instituições.

Como dissemos anteriormente, o interesse difuso é todo interesse que pertence a um número indeterminado de pessoas, portanto, considerado como transindividual (ou metaindividual), de natureza indivisível e ligado a seus titulares por uma circunstância de fato.

Nesse sentido, o fato de incidir sobre a informação genética uma gama de interesses referíveis a um conjunto indeterminado de pessoas ou de difícil determinação, faz com que tal informação receba sua tutela não com base na titularidade, mas sim, em função de sua própria relevância para a humanidade, o gênero humano como um todo.

Portanto, se podemos considerar que o interesse é sempre uma relação entre uma pessoa e um bem, quando envolve um interesse difuso essa relação se estabelece entre um número indeterminado de pessoas e um bem indivisível, por sua própria natureza.

Com relação a essa natureza indivisível do objeto, isso significa que o interesse difuso é insuscetível "de partição em quotas atribuíveis a pessoas ou grupos preestabelecidos ".[28]

Segundo Mancuso, "essa característica advém do fato de que os interesses difusos apresentam estrutura peculiaríssima, dado que, como eles não têm seus contornos definidos numa norma (como direitos subjetivos), nem estão aglutinados em grupos bem definidos (como os interesses coletivos), sua existência não é afetada, nem alterada, pelo fato de virem a ser exercitados ou não". Então, o que é relevante é que sua potencialidade de uso permaneça aberta a todos, disponível a todos e a qualquer tempo.

Portanto, diante dessas circunstâncias, independentemente da natureza do bem em que está inserida a informação genética, ela é considerada de interesse difuso, em face da indeterminabilidade dos sujeitos interessados e da indivisibilidade do objeto.

Nesse sentido e buscando uma proposta para reflexão sobre formas de controle do acesso e do uso da informação genética humana, a noção de interesse difuso cria a oportunidade de se estabelecer um controle social para a preservação da dignidade da pessoa humana, através de órgãos públicos competentes, mediante a instrumentalização de procedimentos previstos constitucionalmente para a tutela jurídica desses interesses.

No Brasil, os interesses difusos, além de outros diplomas legais, recebem respaldo na Constituição Federal, conforme o artigo 129, III, que prescreve:

"art. 129- São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

III - promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

ASPECTOS GERAIS DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO DIREITO BRASILEIRO

A Ação Civil Pública é considerada, atualmente, como o mais eficaz mecanismo metaindividual de acesso à justiça, cuja primeira referência expressa em nosso sistema deu-se pela Lei Complementar Federal 40/81, que organizou o Ministério Público dos estados.

Mas seus efeitos tiveram maior repercussão na esfera ambiental, inicialmente mencionada na Lei n° 6.938/81, restrita, porém, exclusivamente à tutela de interesses e direitos ambientais difusos. Mas somente veio a consolidar-se, efetivamente, com o advento da Lei n° 7.347/85, tornando-se um estatuto básico, que multiplicou o leque das opções coletivas de acesso à justiça, antes praticamente limitadas à ação popular.

O anteprojeto que deu ensejo à origem da Lei de Ação Civil Pública, elaborado por Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, fora submetido ao I Congresso Nacional de Direito Processual, em Porto Alegre, sendo então modificado, especialmente com as contribuições de Barbosa Moreira. Posteriormente a esse evento, foi apresentado à Câmara dos Deputados pelo parlamentar Flávio Bierrenbach, recebendo o n° 3.034/84.

Paralelamente, acontecia em São Paulo, o XI Seminário Jurídico de Grupos de Estudos, no qual reuniu-se o Ministério Público de São Paulo a fim de apreciar a tese Ação Civil Pública, dos promotores de Justiça Antônio Augusto Mello Camargo Ferraz, Édis Milaré e Nelson Nery Júnior. Diante desse evento foram acolhidas sugestões novas para a elaboração definitiva da lei.

Assim, após a colaboração do Ministério Público de São Paulo, o projeto foi encaminhado ao Ministro da Justiça, para, na seqüência, ser sancionado pelo Presidente da República, tomando-se a conhecida Lei n° 7.347/85.

Essa colaboração recebida pela lei, partiu da tese Ação Civil Pública, que segundo seus autores, comprovaram a possibilidade de se acionar a função jurisdicional do Ministério Público, utilizando-se referida ação como um instrumento viável para atuação na esfera coletiva latu sensu, o que acarretou a legitimação do Ministério Público para agir na defesa dos interesses e direitos difusos e coletivos, não de forma exclusiva.

O projeto do Executivo tomou absoluta a competência para o processo e julgamento das ações civis públicas, bem como à ação cautelar.

Inovou, ainda, quando tratou do Inquérito Civil Público, instrumento também acolhido pela Constituição Federal, em seu art. 129, inciso 111.[29] O Inquérito Civil Público destina-se a colher o maior número de informações acerca da existência de uma lesão aos interesses protegidos na lei. Se constatada, essas informações servem como fundamento para o ajuizamento da Ação Civil Pública; se não, o Inquérito Civil Público é arquivado, após manifestação do Conselho Superior do Ministério Público.

Na maioria dos casos, é através da Ação Civil Pública que os interesses difusos, como o meio ambiente, por exemplo, têm sido resguardados.

Através da Lei n° 7.347/85 determina-se que seja aplicado o Código de Proteção ao Consumidor, naquilo que não contrarie suas disposições (art. 19), bem como aplica-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III do CDC (art. 21). No entanto, sabemos que a Lei n° 8.078/90 é um "divisor de águas" na Lei da Ação Civil Pública (LACP), isso porque, anteriormente à sua edição, limitava-se à tutela dos direitos difusos e coletivos, isto é, de bens indivisíveis e, após a sua edição, foi possível alcançar a tutela dos interesses individuais homogêneos que, nas palavras da professora Ada Pellegrini Grinover,[30] são direitos divisíveis, individuais, de pessoas determinadas, que antes eram tratadas somente a título individual, (ou através de litisconsórcio simples) e passaram a ter reunião num único processo, em virtude de uma mesma origem, que lhe conferiu homogeneidade, art. 81, III do CDC.

Enfim, o CDC integrou os dois diplomas processuais, aumentando o alcance da LACP, mesmo porque, com relação ao direito do consumidor, as leis materiais já existentes eram arcaicas[31] (arts. 90, 110, 177 CDC, art. 81 CDC, inc. IV do art. 1° da LACP, art. 5°, parágrafo 3°, arts. 4°, 6°, 15° e 18° da LACP). Segundo palavras do Prof. Nelson Nery Júnior, a integração desses diplomas processuais representam a legislação mais avançada que existe em matéria de ações coletivas e que estão servindo de exemplo a vários países da Europa, como Itália e Alemanha. No entanto, ainda sustenta que, infelizmente, há uma certa barreira, de natureza política, econômica e ideológica, no que se refere à aceitação de tais instrumentos, refletindo, por vezes, na não-efetividade dos processos coletivos.

O art. 81, inc. III do CDC e 91 e seguintes do mesmo diploma são as chamadas "Class Actions", conforme o Regulamento n° 23 da Federal Rules of Civil Procedure. Assim, o CDC, criou mais uma modalidade de Ação Coletiva.
A Ação Civil Pública poderá ser interposta sem prejuízo da Ação Popular (art. 1°). Isso porque, como resultado da inserção do artigo 21 da Lei de Ação Civil Pública (com redação dada pelo art. 117 do Código de Defesa do Consumidor), segundo o artigo 83 do CDC, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Como conseqüência, a proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos pela Lei de Ação Civil Pública, não mais se restringe àquelas mencionadas no preâmbulo e artigos 1o, 3° e 4° da Lei n° 7.347/85. Os legitimados para a defesa judicial desses direitos poderão ajuizar qualquer ação que seja necessária para a adequada e efetiva tutela desses direitos.

Outra inovação operou-se com a possibilidade de cumulação das indenizações por danos morais e patrimoniais (art. 88 da Lei n° 8.884, de 11/06/94 -LAT). Pelo sistema processual da Lei de Ação Civil Pública isso já era possível, à luz do que dispõe o artigo 6°, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor, no que se refere aos direitos dos consumidores, o que veio a ser complementado com a inovação acima mencionada.

Portanto, a Ação Civil Pública assume relevante papel implementador de acesso à justiça nas situações que envolvem relações coletivas latu sensu e de caráter difuso, possibilitando estabelecer um maior controle nas relações que surgirão em decorrência da manipulação do patrimônio genético humano.


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NOTAS

[1] Professora de Direito da PUC/SP.

[2] Como a recentemente desenvolvida por Andrew Simpson e outros pesquisadores do Instituto Ludwig do Brasil. A chamada "Estrntégia Orestes", que já foi patenteada internacionalmente, faz o seqüenciamento genético partindo não do DNA, mas do RNA mensageiro.

[3] É um empreendimento financiado pelo governo norte-americano, que envolve centenas de laboratórios e universidades do Primeiro Mundo na tarefa de mapear todos os genes da espécie humana, Até o presente momento o Projeto conseguiu mapear apenas o primeiro cromossomo humano completo, o cromossomo 22.

[4] “Anunciado o mapa do ser humano”, notícia publicada no Jornal O Estado de São Paulo, no dia 27.06.2000.

[5] Gediel, J A P. Tecnociência dissociação e patrimonializacão jurídica do corpo humano. In Fachin, L.E. Reprensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo Renovar: 1998; p. 58-85.

[6] Idem.

[7] Mantovani, F. Manipulaciones genéticas, bienes jurídicos amenazados. sistemas de control y técnicas de tutela. In: Law na the Human Genome Review 1:94-119, 1994; Santos, MCC. O Equilíbrio do Pêndulo. A Bioética e a Lei. Implicações Médicos-Legais. São Paulo: Ícone, 1998, p.23.

[8] Diaféria A. Clonagem Aspectos Jurídicos e Bioéticos. São Paulo: EDIPRO, 1999.

[9] Lehninger, Albert L. Fundamentos de Biquímica. Sarvier, São Paulo, 1977, pp. 375 e seguintes.

[10] Levine. Robert Paul. Genética. Livraria Pioneira Editora, 2a. ed., São Paulo, 1977, pág. 3 a 6.

[11] Segundo Jacques Monod, em O Acaso e a Necessidade, pág. 185/186, refere-se ao comportamento social do ser humano como sendo inato, automático, transmitido geneticamente, acrescentado que, “Dada a imensa importância seletiva que (...) as estruturas sociais necessariamente assumiram, e durante tanto tempo, é dificil não pensar que elas devem ter influenciado a evolução genética das categorias inatas do cérebro humano.(...) Somos os descendentes desses homens. Sem dúvida, foi deles que herdamos a exigência de uma explicação, a angústia que nos pressiona a procurar o sentido da existência. Angústia criadora de todos os mitos, de todas as religiões, de todas as filosofias e da ciência mesma. De minha parte, não duvido de que essa imperiosa necessidade seja inata, inscrita em algum lugar na linguagem do código genético, nem que se desenvolva espontaneamente. Fora da espécie humana, não encontramos, em parte alguma no reino animal, organizações sociais altamente diferenciadas, exceto em alguns insetos: formigas, cupins ou abelhas. Nos insetos sociais, a estabilidade das instituições não deve quase nada a uma herança cultural, mas tudo à transmissão genética. O comportamento social é inteiramente inato, automático. No homem, as instituições sociais, puramente culturais, jamais poderão atingir tal estabilidade. Aliás, quem desejaria isso? A invenção dos mitos e das religiões, a construção de vastos sistemas filosóficos, são o preço que o homem teve de pagar para sobreviver enquanto animal social, sem se dobrar a um puro automatismo” Mas a herança puramente cultural não seria bastante segura, bastante poderosa por si só, para escorar as estruturas sociais. A essa herança era necessário um suporte genético, que fizesse dela um alimento exigido pelo espírito.”

[12] Para Maria José Sawaya de Castro Pereira do Vale, em publicação na Revista da APG da PUC/SP, ano VI, n° 3, São Paulo, 1997, pág. 143, sob o título de Direito à imagem e o Direito Ambiental. os genes que determinam o fenótipo de um indivíduo, são capazes de causar alterações no comportamento humano, que possui origem genética, dizendo, assim, "(...) é através do DNA, molécula responsável pela informação genética, situada no núcleo da célula, que faz parte dos cromossomos, determinante do fenótipo (características apresentadas pelo indivíduo, de ordem morfológica, fisiológica ou comportamental) e do genótipo (refere-se à constituição genética do indivíduo, ou seja, aos genes que ela possui, que determinam o fenótipo do indivíduo) dos indivíduos, causando alterações, tanto na fisionomia do homem, como na sua maneira de Sei; pois os comportamentos humanos têm origem genética. Assim, diante do rumo que essas manipulações laboratoriais venham a tomar; o direito à imagem, constitucionalmente assegurado, pode vir a ser flagrantemente aviltado, visto que, a origem da imagem humana (fisionomia e comportamento) encontra-se no DNA”.

[13] A escala evolutiva, considerando somente a partir dos seres vivos, seria na seguinte ordem: reino vegetal, reino animal e reino hominal. Cf. tabela 21-2 da pág. 376 da obra de Lehninger. Fundamentos da Bioquímica.

[14] Para mais informações consultar o trabalho da autora em conjunto com Celso Antônio Pacheco Fiorillo, Biodiversidade e Patrimônio Genético no Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Editora Max Limonad, 1999.

[15] Obviamente que aqui deve-se levar em consideração todos os aspectos que até hoje têm caracterizado o ser humano e que o fazem ser diferente dos outros seres vivos, incluindo aí seus sentimentos, sua natureza psicológica, espiritual, cultural, etc...

[16] Como podemos verificar em toda a legislação existente que versa sobre animais e vegetais e não trata dos seres humanos, faz-se uma separação em seus dispositivos. Por exemplo, a Convenção da Diversidade Biológica, promulgada no Brasil pelo Decreto n° 2.519/98, as Instruções Normativas da CTNBio, a Lei de Biossegurança, Lei n° 8.974/95. Todas dão tratamento diferenciado.

[17] Bonavides Paulo. CU1SO de Di1Wo Con\1ilucional. 5" ed.; São Paulo: Malheiros Editora, 1994, p.522.

[18] Idem.

[19] Sundfeld, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1992, pp.137 a 144.

[20] Legislação Nacional: Constituição Federal - artigo 225; Constituições Estaduais; Código de Direitos do Consumidor - Lei n° 8.078/90; Código Civil; Código Penal; Estatuto da Criança e do Adolescente; Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 19/09/90 (dispõe sobre as condições de atenção à saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes); Decreto 98.830, de 15/01/90 (coleta por estrangeiros de dados materiais científicos no Brasil); Lei 8.489. de 18/11/92 e Decreto 879, de 22/07/93 (dispõem sobre retirada de tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano com fins humanitários e científicos); Lei 8.501, de 30/11/92 (utilização de cadáver); Lei 8.974, de 05/01/95 (uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados); Manipulação genética e clonagem em humanos - Instruções Normativas CTNBio 08/97 e 09/97 Brasil; Uso de Informações de Prontuários e Base de Dados - Resolução HCPA 01/97; Diretrizes e Normas para Pesquisa em Seres Humanos - Resolução CNS 196/96 outorgada pelo Decreto 93.933, de 14/01/87; Lei 9.279, de 14/05/96 (regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial); Legislação Internacional: Código de Nuremberg (1947) - Trials of war criminal before the Nuremberg Military TribunaIs. Control Council Law 1949; 10 (2): 181-182; Diretrizes para Novas Terapêuticas e Pesquisa em Seres Humanos -Reichsundschreiben, Alemanha (1931); Instrução sobre Intervenções Médicas com Objetivos Outros que Não Diagnósticos, Terapêutica ou Imunização - Anweisung na die Vorsteher der Kliniken, Polikliniken under sinstigen Krankenanstakten, Prússia (1901); Conferência de Asilomar - Pacific Grove, Califórnia (1975); Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Envolvendo Seres Humanos - Council for International Organizations of Medical sciences (CIOMS), em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), Genebra (1993); Declaração dos Direitos do Homem (1948); Declaração de Helsinki I - WMA/1964 - Adotada na 18' Assembléia Médica Mundial, Helsinki, Finlândia; Declaração de Helsinki II - WMA/1975 - Adotada na 18' Assembléia Médica Mundial na Finlândia e Revista na 29' Assembléia Mundial de Médicos, Tóquio, Japão; Declaração de Helsinki III -WMA/1983 - Após a revisão na 29' Assembléia de Médicos no Japão, foi alterada na 35' Assembléia Médica Mundial em Veneza, Itália; Declaração de Helsinki IV- WMA/1989 - Após a revisão na 35' Assembléia Médica na Itália, foi alterada na 41' Assembléia Médica Mundial em Hong Kong; Declaração de Helsinque V -WMA/1996 - Após a revisão na 41' Assembléia Médica Mundial em Hong Kong, foi alterada na 48' Assembléia Médica Mundial ocorrida em Sommerset West, África do Sul; Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em 1992); Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem, elaborado pelo Comitê Internacional de Bioética (IBC) da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e adotado em 1997 e Declaração Ibero-Americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires em 1998).

[21] Mirra Álvaro Luiz Valery. Princípio fundamentais do Direito Ambiental In Revista de Direito Ambiental n° 02, pp. 53.

[22] Conforme nos ensina François Jacob, médico e biólogo reconhecido mundialmente. (Cf. Jacob, François. O rato, a mosca e o homem. São Paulo: Ed. Cia. das Letras, pág.113/114).

[23] Idem.

[24] Para uma reflexão filosófica ver Hans Jonas, El Principio de Responsabilidad, Barcelona: Herder, 1995,

[25] Mancuso Rodolfo C. Interesses Difusos - Conceito e Legitimação para Agir. 2a ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991, p. 13.

[26] Cretella José Júnior. Curso de Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 1968; p. 2.

[27] Para maiores detalhes, vide nossa obra Clonagem. Aspectos Jurídicos e Bioéticos. São Paulo: Edipro, 2000, p. 50.

[28] Idem ibidem.

[29] O artigo 129, III da CF/88 diz ser função institucional do Ministério Público "instaurar inquérito civil, propor Ação Civil Pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos". Desse modo, para o parquet, estaria, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, superada a questão da legitimação para agir na defesa de outros interesses difusos e coletivos, retirada do texto da Lei de Ação Civil Pública pelo veto presidencial de 1985. Para Hugo Nigro Mazzilli, exatamente aquilo que o chefe do Executivo vetou, o constituinte acabou por conferir ao Ministério Público. Resgatou-se a falta cometida quando na sanção da Lei de Ação Civil Pública pretendeu-se negar à sociedade um instrumento mais amplo de defesa dos interesses transindividuais. A coletividade poderia usá-lo até mesmo contra o governo, como na defesa do contribuinte contra as excessivas retenções de imposto de renda e a arbitrária devolução, os empréstimos compulsórios inconstitucionalmente fixados, a arbitrária demorada restituição de impostos cobrados a maior (...).

[30] Na matéria "As Novas Ações Coletivas", publicada no jornal “A Folha de São Paulo”, em 03/11/91, p. 4.4, citada no livro Direito Processual Ambiental Brasileiro dos professores Celso Antônio Pacheco Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues e Rosa Maria Andrade Nery, p. 170.

[31] O Presidente da República, por ocasião da sanção da Lei de Ação Civil Pública, vetou o inciso IV do artigo 1°, que continha a seguinte redação: "a qualquer outro interesse difuso". Mas com o advento do Código de Defesa do Consumidor houve a restauração desse dispositivo, vetado há mais de cinco anos, incluindo o inciso IV no art. 1° da Lei n° 7.347/85, o qual abarca qualquer outro interesse difuso ou coletivo além daqueles apontados nos incisos anteriores, ou seja, a ação civil pública poderia ser acionada, além dos casos de proteção do meio ambiente, do consumidor e do patrimônio cultural, também para a defesa do investidor do mercado de valores imobiliários, para a defesa dos interesses ligados às pessoas portadoras de deficiências física, às crianças e aos adolescentes, como, enfim, quaisquer casos para a defesa do patrimônio público e social e de outros interesses coletivos.