A possibilidade de controlar a forma cutânea das leishmanias por imunoprofilaxia tem sido tentada há mais de 80 anos.

    O emprego de organismos virulentos para imunização contra leishmanias é bastante antigo, sendo as primeiras experiências realizadas na Europa em 1910 por Nicolle e Manceaux, que iniciaram estudos com parasitas vivos. Wenyon (1912) inoculou-se com material proveniente de uma lesão de botão do oriente, obtendo lesões típicas, 70 dias e 6 meses após a inoculação. A primeira tentativa de proteção em massa de humanos com vacina viva foi realizada na União Soviética (Lawrow e Dubowskoy, 1937), obtendo cerca de 80% de infecções imunizantes. Para conhecimento de melhores condições de obtenção do efeito protetor por L. tropica, Berberian em 1939, estudando 44 indivíduos, avaliou o efeito de parasitas obtidos em diferentes passagens de cultivo e a depedência do número de lesões na proteção contra novas infecções. Pouco mais tarde, Senekji e Beattie (1941), realizaram um estudo mais amplo, vacinando 200 indivíduos, e a re-inoculação confirmou que uma única lesão era suficiente para proteger o indivíduo contra uma futura reinfecção, a este tipo de vacinação deu-se o nome de leishmanização. Neste período realizavam-se os primeiros estudos da "vacina viva" em Israel. Katzenellenbogen (1942), que inicialmente inoculou 167 pessoas, comparou o efeito obtido empregando promastigotas de cultura e amastigotas isoladas de baços de hamsters e observou que o desenvolvimento das lesões foi semelhante nos dois grupos, confirmando assim a possibilidade de "vacinação" sem utilizar material de lesões humanas ou de outros animais. O mesmo autor ampliou seus estudos vacinando um grupo de 555 indivíduos e concluiu pela efetividade do método e pela quase ausência de efeitos colaterais, esta vacinação era recomendável mesmo para crianças, segundo o autor (Katzenellenbogen, 1944). Mais tarde, autores soviéticos concluiram que a idade minína deveria ser de 7 anos (Serebryakov e col., 1972, citado por Greemblatt, 1980).

    Os estudos subsequentes sobre vacinação em Israel foram principalmente realizados em indivíduos das forças armadas. Naggan e col., (1970, 1972), realizaram uma importante avaliação do papel de imunização associada  a medidas profiláticas e educativas. Um aspecto relevante a ser observado é a capacidade de imunização da leishmania utilizada na infecção. Gunders e col.(1972), observaram que vacinando indivíduos com uma cepa isolada 5 anos antes, uma taxa significativa destes indivíduos não desenvolviam lesão, ou quando desenvolviam a lesão era nodular e não ulcerosa clássica, sendo que alguns desses indivíduos foram revacinados com uma cepa recém isoladas e apresentaram lesão de "pega". Em 1983, Nadin e col., observaram que, indivíduos que não apresentam ulceras ou sinais de "pega" após a imunização podem estar protegidos. A variabilidade da infectividade do parasita levaram os autores israelenses a pesquisar e estabelecer normas sobre padronização do material e sua estocagem (Handman e col., 1974; Witzun e col., 1979). A técnica de Leishmanização foi utilizada pelo Governo iraniano, em soldados e voluntários durante a guerra irã e Iraque. Neste caso houve indução de 70% de resistência nos indivíduos inoculados, porém uma significante percentagem de indivíduos inoculados teve complicações, como o desenvolvimento de lesões que só curavam em um período de anos após a inoculação e de tamanho maior do que o esperado, sendo necessário a utilização da terapia com sais de antimônio.

    O uso de organismos atenuados ou produtos parasitários é uma abordagem que visa evitar os perigos e as incoveniências do emprego de parasitas infectantes, sejam homólogas ou heterólogas, virulentas ou não. Parrot (1929), tentou a imunização de macacos com leishmanias mortas pelo calor, mas a tentativa não foi bem sucedida. Salles-Gomes (1939), relata que tentou tal imunização, porém não chegou a avaliar o seu resultado devido as dificuldades no acompanhamento dos indivíduos em uma área endêmica. No ano seguinte, Samuel Pessôa realizou uma vacinação com parasitas em maior escala (600 a 700 milhões), que levaram a resultados que sugerem o efeito protetor do esquema imunizante através da baixa ocorrência de novos casos (Pessôa e Pestana, 1940). A experiência de vacinação foi então ampliada, envolvendo mais indivíduos e outras localidades, e sua avaliação mostrou que após 20 meses de observação encontrou-se entre 600 indivíduos controle um índice de desenvolvimento da doença da ordem de 18%, enquanto que entre os 527 vacinados somente 3,2% adoeceram (Pessôa, 1941a). Achados semelhantes são obtidos também por Pessôa e Barreto (1944), em macacos Rhesus (Macaca mulatta) e alguns dados pareciam sugerir que o esquema de imunização não era completamente efetivo. Curban (1941) e Barberian (1944), utilizando o mesmo esquema, porém com L. tropica não conseguirama proteção dos indivíduos vacinados no Oriente Médio e até mesmo vacinando com formas promastigotas viáveis que haviam perdido a infectividade, após 488 repiques em cultura.

    Mesmo com essas evidências contrárias alguns pesquisadores reiniciam o teste com a vacina de formas mortas no Brasil. Mayrink e col., (1978; 1979), no município de Caratinga (MG), utilizou uma vacina composta de promastigotas mortas de 5 diferentes de Leishmania, por via intramuscular em humanos. Embora suas observações tenham sido inconclusivas, devido ao desaparecimento da doença na região de vacinação, 78,4% dos indivíduos vacinados passaram a apresentar resposta positiva no teste de hipersensibilidade cutânea tardia (Teste de Montenegro - TM), enquanto que todos os indivíduos não vacinados permaneceram negativos ao Teste de Montenegro.

    Quando a mesma vacina foi utilizada em militares na floresta amazônica, em área de alto risco para leishmaniose, observou-se uma redução de 67,3% em 1980 e 7% em 1983 na incidência da doença entre os indivíduos vacinados que passaram a apresentar Teste de Montenegro positivo (Antunes e cols., 1986), tendo sido sugerido que o teste intradérmico, em humanos, seria um importante indicador da resposta imune o que, de certa forma, refletiria um estágio de proteção. Nenhum efeito de exarcebação da doença da doença foi observado, contrastando com os resultados experimentais feitos em camundongos, onde a injeção subcutânea ou intramuscular de antígenos de L. major resultava em exarcebação da infecção (Titus e cols., 1984; Liew e cols., 1985; Liew, Hale e Howard, 1985; Liew, 1989).

    Em 1985, resultados de uma campanha de vacinação durante epidemia de leishmaniose tegumentar na cidade de Viana no Espírito Santo revelaram diferenças estatisticamente significantes nos niveis de infecção entre os grupos vacinados e não vacinados e não vacinados (Mayrink e cols., 1985) com 87,6% dos indivíduos vacinados apresentando Teste de Montenegro positivo após a vacinação.

    Visto que a vacina foi capaz de proteger o homem. projetos foram desenvolvidos com a finalidade de caracterizar os principais antígenos responsáveis pela proteção. Os estudos sorológicos dos indivíduos vacinados levaram a identificação de duas  proteínas, a Leish 97 e Leish 65 em soros de indivíduos vacinados e protegidos. Estas proteínas foram purificadas através de cromatografia de afinidade com o emprego de anticorpos monoclonais. Vacinaram-se camundongos com as proteínas isoladas ou associadas, junto com formas infectantes de L. amazonensis e acompanhados por 180 dias. Os resultados mostraram que a proteína Leish 97 isoladamente induzia uma proteção de 25% no final do experimento, enquanto que Leish 65 conferia uma proteção de 50%. No mesmo período todos os contoles apresentavam 100% de infecção. Quando se associaram as duas proteínas, o resultado observado foi uma proteção de 70% (Mayrink, 1990).

    Ainda em 1990, Nascimento e cols., estudaram a indução de resposta imune de 2 vacinas diferentes, denominadas de Leishvacin 5 (composta de 5 cepas de Leishmania) e Leishvacin 6 (composta por 6 cepas de Leishmania), utilizadas em protocolos de vacinação com ou sem Corynebacterium parvum como adjuvantes. Foi constatado que não havia diferença significante nos índices de estimulação de linfócitos entre os grupos vacinados com ou sem adjuvante, mas que o índice de estimulação de todos os indivíduos vacinados eram significantemente maiores do que os do grupo controle, havendo uma correlação de 90% entre os resultados dos testes cutâneos positivos e os índices de estimulação.

    No modelo murino, a utilização da irradiação na atenuação de promastigotas é antiga. Lemma e col.,(1974), usaram altas doses de raios gama na atenuação de L. enriettii,  mas observaram que o potencial imunizante desaparecia com a perda da capacidade infectante. Alexandre (1982) 0bservou a proteção de camundongos contra a infecção por L. mexicana, imunizando-os com promastigotas irradiadas de L. major. Howard e col., (1982) viram que promastigotas irradiadas de L. mojor pode proteger camundongos Balb/c contra a infecção. Porém, a via de administração foi muito importante. Os níveis mais elevados de imunidade foram obtidos com a imunização por via intravenosa. A via intraperitoneal foi de menor eficácia e a subcutânea desprovidade de efetividade. A quantidade de antígeno também é importante na determinação de imunidade ou agravamento da doença. Muitos autores têm demonstrado que a imunização com altas  doses de parasita (105 a 106 )  leva a um agravamento da infecção, enquanto que a imunização com baixas doses (102 a 103) leva a proteção. Provavelmente altas doses estariam induzindo a expansão do subtipo Th2 de células T CD4+ e baixas doses estariam induzindo o subtipo Th1 (Bretscher e cols., 1992).

    Alguns autores conseguiram proteção com a associação de produtos parasitários ao adjuvante completo de Freund, em camundongos contra L. tropica e em cobaias contra L. enriettii (Gorczynski, 1983). Entretanto a reatividade cruzada entre as Leishmanias e as Mycobacterias do adjuvante, deixa dúvidas quanto a especificidade neste tipo de procedimento.

    Alguns antígenos de membrana vêm sendo intensamente estudado. Dentre eles temos principalmente o LPG , a gp63 e a gp46. O LPG é um gliconjugado presente na superfície de promastigotas e amastigotas de todas as espécies de Leishmanias ( Handman e col., 1987; Turco, 1988; Glaser  e cols., 1991). Em 1985, Handman e Michael verificaram que imunizando camundongos suscetíveis com LPG de L. major, obtinha-se uma proteção desses animais contra leishmaniose cutânea. Nesse estudo o efeito protetor era independente da utilização do Corynebacterium parvum como adjuvante. Posteriormente Russel e Alexander (1988) também conseguiram induzir proteção em camundongos resistentes e suscetíveis com LPG de L. mexicana, mas de acordo com Handman e Mitchel (1985) essa proteção dependia da utilização do C. parvum como adjuvante.

    A gp63 e gp46 são duas glicoproteínas expressa na superfície de promastigotas e amastigotas de leishmanias (Bouvier e col., 1987; Chaudhuri e cols., 1989; Medina-Acosta e cols., 1989; Frommel e cols ., 1990; Schneider e cols., 1992; Kahl & Macmahon-Pratt, 1987; Lohman e cols., 1990). Anticorpos anti-gp63 foram detectados no soro de pacientes com leishmaniose (Colomer-Gould e cols., 1985; Reed, e cols., 1987). A imunização com gp46 induziu proteção significante em camundongos contra a infecção por L. amazonensis (Champsi e MacMahon-Pratt, 1988).

    O uso de parasitas irradiados ou atenuados quimicamente apresenta perigo no escape do parasita ao tratamento ou de sua reativação. Estes perigos são importantes devido a capacidade que algumas Leishmanias têm de produzir formas graves da doença, como a leishmaniose cutâneo-mucosa e a forma difusa. Com o objetivo de evitar esses perigos têm sido usado produtos obtido por fracionamento parasitário. O uso de frações purificadas e enriquecidas na doença de Chagas experimental mostraram boas perpectivas pois são bons imunógenos e são capazes de induzir proteção (Segura e col., 1976, 1977; Gonçalves da Costa e Lagrange, 1981). O emprego de preparações ribosomais para imunização de animais, contra diferentes infecções, teve início com os trabalhos de Youmans e Youmans (1964a, b,; 1965; 1966; 1967; 1968). Nestes trabalhos os autores comprovaram a imunogenicidade da frações ribosomais de cepas avirulentas de Mycobacterium tuberculosis, resultando em um alto nível  de imunidade contra desafios de cepas virulentas. Em 1968 Vanneman e cols., estabeleceram que a fração ribosomal obtida de Salmonella typhimurium, era uma vacina altamente efetiva quando usada para proteger camundongos conta infecção por S. typhimurium e Vibrio cholerae. Desde então vacinas ribosomais capazes de induzirem proteção contra infecções têm sido preparadas a partir de diferentes microrganismos.

    Segundo Feit e Tewari, 1974, tanto o componente proteíco quanto o RNA ribosomal são necessários para a imunogenicidade máxima obtida com ribosomas de Histoplasma capsulatum. Levy e cols., 1981, também demonstraram a importância do RNA na indução de proteção em experimentos empregando ribosomas de Candida albicans. Feit e Tewari, 1974, descreveram também que a proteção induzida por ribosomas pode ser fortemente amplificada com uso de adjuvantes. Gonçalves da Costa e cols., 1988, demonstraram que empregando um potente ativador da resposta imune, associado a frações ribosomais Leishmania, foi possível obter uma forte proteção contra uma amostra de L. amazonensis isolada de um caso de forma difusa. Calabrese e Gonçalves da Costa em 1992, mostraram a importância do fator genético ligado ao BCG na modulação da imunogenicidade de frações específicas de Leishmania empregando duas linhagens de camundongos BCG resistentes (DBA/2) e BCG sensíveis (C57Bl/6), ambos resistentes a infecção por L. amazonensis. Nesse trabalho os camundongos foram vacinados com a fração ribosomal associada ao BCG e apresentaram ao contrário de proteção, uma facilitação à infecção.

    A importância de um programa de vacinação em leishmaniose e a escassez de dados experimentais, levando muitos grupos a realização de investigações diretamente no homem, levou-nos a realizar um trabalho cujos objetivos são: determinar as condições de produção e de otimização de massa celular de promastigotas para utilização em ensaios imunológicos; estudar imunomoduladores que apresentem boa ação de imunopotenciação de frações antigênicas de leishmanias, visando a substituição do BCG; estudar o efeito de imunomoduladores na amplificação da imunidade natural na leishmaniose experimental; avaliar alguns imunológicos da ação destes imunomoduladores, tomando-se o linfonodo como um dos parâmetros principais da dispersão do parasito.

    O Glucan é um polissacarídeo, -1,3-, derivado de células de parede de Sacharomyces cerevisae. A administração do glucan em ratos e camundongos estimula o sistema fagocítico mononuclear, com um aumento simultâneo em peso e tamanho do baço, fígado e pulmões, e um aumento no número de macrófagos ativados (Woole & Di Luzio, 1964). O glucan potencializa a síntese de anticorpos, exerce um potente efeito sobre a hematopoiese e aumenta atividade dos linfócitos T e B (Deimann & Fahimi, 1980). Tem sido mostrado que o glucan aumenta significantemente a resistência de camundongos, diminuindo a mortalidade e inibindo outras sequelas causadas por infecções como, Candida albicans (Willians e cols., 1978; Lagrange e Fourgeaud, 1991); Mycobacterium leprae (Deville & Jacques, 1980); Staphylococcus aureus (Kokoshis e cols., 1978); Vírus da hepatite murina ( Willians & Di Luzio, 1980); Plasmodium berghei (Holbrook e cols., 1981); Leishmania donovani (Holbrook e cols., 1981) e outros. Essa atividade em intensificar a resposta imune é observada também em muitas neoplasias (Browder e cols., 1977; Di Luzio, e cols, 1980).

    No presente trabalho utilizamos o Betafectin (PGG) uma droga parental, produzida por engenharia genética pela Alpha-Beta Technology Inc. e empregada em caráter experimental para o controle e prevenção de doenças infecciosas em indivíduos com a defesa imunológica em decréscimo.

    A molécula de PGG se liga a receptores específicos para glucan presente nos macrófagos e nos neutrófilos e ativa as defesas não específicas dos hospedeiros, tais como a fagocitose. Essa estimulação primária da atividade fagocítica resulta em uma cascata total de resposta imune não específica e específica, as quais são utilizadas fisiologicamente pelo hospedeiro na defesa contra infecções.

    O PGG é não pirogênico e não imunogênico e por essa razão oferece vantagens significantes numa imunoterapêutica quando comparado a outros imunoestimulantes tais como BCG, Corynebacterium parvum, IL-1 e IL-2.

    No PGG tem sido demonstrado ainda, um aumento significante na contagem de granulócitos, monócitos e linfócitos e uma amplificação na produção de IL1, IL6 e TNF-.

    A resposta mediada pelo PGG está sumarizada abaixo:

      Defesas não-específicas:

      • Aumento da fagocitose;
      • Intensificação do poder microbicida dos macrófagos;
      • Proliferação de células brancas;

      Defesas específicas:

      • Liberação do fator estimulador de colônia (CSF) - proliferação hemotopoiética;
      • Molde para síntese de citoquinas.

     

    Pesquisadores da Escola de Medicina Tufs University têm investigado o efeito antileishmanial >in vitro< do PGG. Resultados iniciais demonstraram a significante atividade antileishmanial do Betafectin quando administrado em macrófagos de camundongos uma hora antes da infecção por amastigotas de Leishmania donovani. Esse efeito foi, segundo eles, predominantemente na redução de amastigotas por macrófagos e não na percentagem de macrófagos infectados, sugerindo então, uma inibição na divisão das amastigotas.


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