A Bioética é uma ética aplicada, chamada também
de “ética prática”, que visa “dar
conta” dos conflitos e controvérsias morais implicados
pelas práticas no âmbito das Ciências da Vida
e da Saúde do ponto de vista de algum sistema de valores
(chamado também de “ética”). Como tal,
ela se distingue da mera ética teórica, mais preocupada
com a forma e a “cogência” (cogency) dos conceitos
e dos argumentos éticos, pois, embora não possa abrir
mão das questões propriamente formais (tradicionalmente
estudadas pela metaética), está instada a resolver
os conflitos éticos concretos. Tais conflitos surgem das
interações humanas em sociedades a princípio
seculares, isto é, que devem encontrar as soluções
a seus conflitos de interesses e de valores sem poder recorrer,
consensualmente, a princípios de autoridade transcendentes
(ou externos à dinâmica do próprio imaginário
social), mas tão somente “imanentes” pela negociação
entre agentes morais que devem, por princípio, ser considerados
cognitiva e eticamente competentes. Por isso, pode-se dizer que
a bioética tem uma tríplice função,
reconhecida acadêmica e socialmente: (1) descritiva, consistente
em descrever e analisar os conflitos em pauta; (2) normativa com
relação a tais conflitos, no duplo sentido de proscrever
os comportamentos que podem ser considerados reprováveis
e de prescrever aqueles considerados corretos; e (3) protetora,
no sentido, bastante intuitivo, de amparar, na medida do possível,
todos os envolvidos em alguma disputa de interesses e valores, priorizando,
quando isso for necessário, os mais “fracos”
(Schramm, F.R. 2002. Bioética para quê? Revista Camiliana
da Saúde, ano 1, vol. 1, n. 2 –jul/dez de 2002 –
ISSN 1677-9029, pp. 14-21). (em anexo)
Mas a Bioética, como forma talvez especial da ética,
é, antes, um ramo da Filosofia, podendo ser definida de diversos
modos, de acordo com as tradições, os autores, os
contextos e, talvez, os próprios objetos em exame. Algumas
definições:
"Eu proponho o termo Bioética como forma de enfatizar
os dois componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria,
que é tão desesperadamente necessária: conhecimento
biológico e valores humanos.” (Van Rensselaer Potter,
Bioethics. Bridge to the future. 1971)
“Bioética é o estudo sistemático das
dimensões morais - incluindo visão moral, decisões,
conduta e políticas - das ciências da vida e atenção
à saúde, utilizando uma variedade de metodologias
éticas em um cenário interdisciplinar”.(Reich
WT. Encyclopedia of Bioethics. 2nd ed. New York; MacMillan, 1995:
XXI).
“A bioética, da maneira como ela se apresenta hoje,
não é nem um saber (mesmo que inclua aspectos cognitivos),
nem uma forma particular de expertise (mesmo que inclua experiência
e intervenção), nem uma deontologia (mesmo incluindo
aspectos normativos). Trata-se de uma prática racional muito
específica que põe em movimento, ao mesmo tempo, um
saber, uma experiência e uma competência normativa,
em um contexto particular do agir que é definido pelo prefixo
‘bio’. Poderíamos caracteriza-la melhor dizendo
que é uma instância de juízo, mas precisando
que se trata de um juízo prático, que atua em circunstâncias
concretas e ao qual se atribui uma finalidade prática a través
de várias formas de institucionalização. Assim,
a bioética constitui uma prática de segunda ordem,
que opera sobre práticas de primera ordem, em contato direto
com as determinações concretas da ação
no âmbito das bases biológicas da existência
humana.” (Ladrière, J. 2000. Del sentido de la bioética.
Acta Bioethica VI(2): 199-218, p. 201-202).
“A
palavra ‘bioética’ designa um conjunto de pesquisas,
de discursos e práticas, via de regra pluridisciplinares,
que têm por objeto esclarecer e resolver questões éticas
suscitadas pelos avanços e a aplicação das
tecnociências biomédicas. (...) A rigor, a bioética
não é nem uma disciplina, nem uma ciência, nem
uma nova ética, pois sua prática e seu discurso se
situam na interseção entre várias tecnociências
(em particular, a medicina e a biologia, com suas múltiplas
especializações); ciências humanas (sociologia,
psicologia, politologia, psicanálise...) e disciplinas que
não são propriamente ciências: a ética,
para começar; o direito e, de maneira geral, a filosofia
e a teologia. (...) A complexidade da bioética é,
de fato, tríplice. Em primeiro lugar, está na encruzilhada
entre um grande número de disciplinas. Em segundo lugar,
o espaço de encontro, mais o menos conflitivo, de ideologias,
morais, religiões, filosofias. Por fim, ela é um lugar
de importantes embates (enjeux) para uma multidão de grupos
de interesses e de poderes constitutivos da sociedade civil: associação
de pacientes; corpo médico; defensores dos animais; associações
paramédicas; grupos ecologistas; agro-business; industrias
farmacêuticas e de tecnologias médicas; bioindustria
em geral” (Hottois, G 2001. Bioéthique. G. Hottois
& J-N. Missa. Nouvelle encyclopédie de bioéthique.
Bruxelles: De Boeck, p. 124-126)
“A bioética é o conjunto de conceitos, argumentos
e normas que valorizam e justificam eticamente os atos humanos que
podem ter efeitos irreversíveis sobre os fenômenos
vitais” (Kottow, M., H., 1995. Introducción a la Bioética.
Chile: Editorial Universitaria, 1995: p. 53)
Fermin
Roland Schramm
Marlene Braz
Singer P 1994. Ética
Prática. São Paulo: Martins Fontes. |