ANÁLISE
PRELIMINAR DO PROJETO DE LEI DO SENADO N.º 90, DE 1999
Comentários
preliminares ao Projeto de Lei do Senado n.º 90, de 1999,
sobre Reprodução Assistida, apresentado pelo Senador
Lúcio Alcântara.
Curitiba,
maio de 1999
A
pedido do Senador Roberto Requião, são trazidos,
aqui, alguns comentários preliminares ao Projeto de Lei
do Senado n.º 90, de 1999, sobre Reprodução
Assistida, apresentado pelo Senador Lúcio Alcântara.
Para examinar tal Projeto sob os aspectos médicos e jurídicos,
à luz dos princípios constitucionais e calcados
na dimensão ética, formou-se um grupo interdisciplinar,
ao final nominado.
Seguem,
por conseguinte, os comentários desdobrados na ordem cronológica
do articulado proposto pelo PLS 90/99:
SEÇÃO
I
DOS
PRINCÍPIOS GERAIS
1)
SÍNTESE
A
seção introdutória do Projeto pode ser dividida
em duas partes: em um primeiro momento, utiliza a técnica
legislativa de explicitação de conceitos, vinculando-os
à lei (isto é: definição de termos
com significado jurídico próprio à interpretação
da lei em análise). Em um segundo momento, elenca as hipóteses
em que será permitida a reprodução assistida.
Ao
estabelecer definições procura, sob uma certa ótica,
uniformizar a linguagem; e, sob aspecto um pouco diverso, busca
traçar limites à aplicação do conteúdo
normativo que segue disposto nos artigos posteriores. Seguindo
tal intento, expõe de forma bastante específica
quais as hipóteses e a finalidade da aplicação
das técnicas de reprodução assistida (doravante
apenas RA).
Define
técnicas de Reprodução Assistida (RA) como
sendo aquelas que importam na implantação artificial
de gametas, ou embriões humanos, no aparelho reprodutor
de mulheres receptoras, orientadas pela finalidade de facilitar
a procriação.
Na
seqüência, sem abandonar a metodologia inicial (aliás,
passível de crítica, como será explicitado
mais adiante), apresenta ainda mais definições:
de embriões humanos aos produtos da união in vitro
de gametas humanos, qualquer que seja a idade de seu desenvolvimento,
de usuários às mulheres ou aos casais que tenham
solicitado o emprego de RA com o objetivo de procriar, e de gestação
ou maternidade de substituição ao caso em que uma
doadora temporária de útero tenha autorizado sua
inseminação artificial ou a introdução,
em seu aparelho reprodutor, de embriões fertilizados in
vitro, com o objetivo de gerar uma criança para os usuários.
É assombroso o intento de definir, inclusive, a criança,
verbis: "indivíduo nascido em decorrência do
emprego de RA".
O
projeto trata, ainda, da utilização da RA, que só
será permitida, na forma autorizada pelo Poder Público
e conforme o disposto na Lei, para auxiliar na resolução
dos casos de infertilidade e para a prevenção e
tratamento de doenças genéticas ou hereditárias.
Tal utilização estaria submetida às seguintes
condições: infertilidade irreversível ou
infertilidade inexplicada; infertilidade que não decorra
da passagem reprodutiva; capacidade da receptora da técnica;
probabilidade efetiva de sucesso, sem risco grave de saúde
para a mulher receptora ou a criança; e, no caso de prevenção
e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias,
mediante indicação precisa com suficientes garantias
de diagnóstico e terapêutica.
2)
PONTOS POSITIVOS
O
intróito do Projeto pode ser lido como excludente da aplicação
da RA em casos que não estejam legalmente previstos. Independente
da crítica que se possa fazer da tipificação,
eis que limitadora, parece indispensável que o Poder Público
assuma esse posicionamento, de forma a regular tão delicado
problema.
Outro
ponto positivo diz respeito ao relevo dado à finalidade
terapêutica das técnicas de RA, bem como relativo
respeito pela saúde da mulher receptora e da criança
- o inciso V do artigo 2º refere-se à necessidade
de não se incorrer em risco grave de saúde para
a mulher receptora ou a criança (grifo inexistente no original).
Nesse
sentido, o Projeto mostra certa obediência ao princípio
constitucional referente ao planejamento familiar (artigo 226,
§ 7º), em cuja temática se inserem os "direitos
reprodutivos", ou seja, no reconhecimento, a todo indivíduo,
do direito de livremente exercer a sua vida sexual e reprodutiva,
definindo o momento de gerar e o número de filhos que deseja
ter, recorrendo aos métodos modernos de contracepção
e, igualmente, aos meios científicos disponíveis
para realizar o projeto de parentalidade.
Admite-se,
dessa forma, que os distúrbios da função
reprodutora constituem um problema de saúde, devendo o
Estado assumir a responsabilidade quanto ao acesso das pessoas
aos tratamentos para a esterilidade e o recurso à RA, respeitando-se
o princípio da liberdade e o direito à privacidade,
e, concomitantemente, garantindo à criança nascida
através da tais técnicas a proteção
integral assegurada pela Convenção Internacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente da ONU, pela Constituição
Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
3)
PONTOS NEGATIVOS
De
modo geral, em se tratando de uma seção introdutória,
o proposto é insuficiente e omisso.
Inicialmente,
há que se observar a inadequação de definições
nos textos legais, eis que limitam extremamente a aplicação
das normas. Aponta-se, aqui, uma grave falha de técnica
legislativa.
Além
disso, especificamente em relação ao presente Projeto,
as definições se mostram inoportunas, porque as
figuras a serem legalmente conceituadas têm sua conformação
fora do direito (p. ex.: embrião e reprodução
assistida), podendo ocorrer incongruência com a disciplinação
científica específica.
Acrescente-se
que a tipificação de situações que,
de acordo com o Projeto, admitem a RA, poderão vir a se
dissociar completamente da realidade fática, e mais, poderá
tornar-se, rapidamente, insuficiente e obsoleta, na medida em
que, pelo próprio desenvolver de novas técnicas,
venham a se configurar outras hipóteses de plausibilidade
lato sensu de RA, antes não previstas.
Vale
ressaltar que a expressão "reprodução
assistida" não se limita somente à "implantação
artificial de gametas ou embriões humanos no aparelho reprodutor
de mulheres receptoras com a finalidade de facilitar a procriação",
tal como esboçado no caput do artigo 1º do Projeto
de Lei sob análise.
Em
realidade, todas as práticas técnicas e biológicas
que permitam a reprodução interferindo no processo
natural, seja através da inseminação artificial,
seja através da concepção in vitro, ou pela
transferência embrionária, são consideradas
"reprodução assistida". De igual forma,
aquelas que consistem somente no acompanhamento médico
e na eventual administração de medicamentos que
facilitem o processo natural de reprodução.
Segundo
os princípios médicos, o melhor termo a ser utilizado
é interferência, para deixar claro que não
se trata de métodos puramente artificiais, porque mesmo
quando as técnicas consistem no manuseio de gametas, elas
não deixam de ser naturais, apenas não ocorre o
intercurso sexual.
Por
outro lado, mesmo nas hipóteses em que a fecundação
derive do ato sexual, nem sempre haverá possibilidade de
se afirmar que o processo resultou unicamente da natureza. Assim
dar-se-á, por exemplo, quando houver administração
de medicamentos sob orientação do médico
para estimular a ovulação, ou mera orientação
sobre o período fértil ideal, detectado através
de rastreamento ecográfico. Em tais casos, há a
interferência, embora não haja o manuseio dos gametas
e a fecundação tenha se efetivado por meio do intercurso
sexual (processo denominado natural). Daí porque também
entender-se "assistida" a reprodução nesses
casos, bem como em todos os outros nos quais tenha havido interferência
médica.
O
termo "usuários" (artigo 1º, § 1º,
inciso II), muito embora seja referido na Resolução
nº 1358, de 11 de novembro de 1992, do Conselho Federal de
Medicina (item II), denota o caráter do Projeto, evidenciado
em diversas passagens do texto.
Criticável,
também, a definição de "criança"
encartada no Projeto (verbis: "indivíduo nascido em
decorrência do emprego de RA"). É sabido que
"Criança" (artigo 1º, § 1º, inciso
III) já vem definida na Lei nº 8069, de 13 de julho
de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) como sendo
a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos. Outra
definição legislativa para o mesmo termo poderá
ensejar algumas confusões.
Ao
se referir à "gestação ou maternidade
de substituição" (artigo 1º, § 1º,
inciso IV), faz-se uso de terminologia inadequada. Inicialmente,
por denotar sinonímia entre gestação e maternidade,
termos de significados bastante diversos; e depois, por ser capaz
de indicar permutação, posto que "substituir"
significa tomar o lugar de alguém, assumindo a mesma posição
jurídica.
Muito
embora a expressão "gestação de substituição"
seja a usada na linguagem médica (a Resolução
do Conselho Federal de Medicina nº 1358, de 11 de novembro
de 1992, no seu item nº VII, refere-se à técnica
como "Gestação de Substituição"),
é de se observar que designa tão-somente o estado
de gravidez e não a relação jurídica
concernente à maternidade.
Já
"Maternidade de Substituição", ainda que
se vincule à relação de parentesco, merece
outra ordem de crítica: "a mulher que nutre um ser
em seu útero para cedê-lo a outrem não assume
a situação jurídica daquela em favor da qual
é mantida a gestação. Observando-se a expressão
sob outro ângulo, tampouco a interessada há de alcançar
a maternidade tão-somente por substituir-se na condição
daquela que de fato deu à luz".
Há,
ainda, outros questionamentos no que diz respeito à própria
técnica, tais como as razões e os fundamentos da
pretensa "substituição", além da
eventual ilicitude e nulidade dos pactos, onerosos ou não,
realizados entre a gestante e a pretendente à maternidade.
Essa ordem de indagações levou alguns países
a proibir a técnica, tal qual ocorre na Alemanha, Austrália,
Espanha, França, Inglaterra, Israel, Noruega, Suécia,
Suíça, dentre outros.
No
artigo 2º, ao dispor que a utilização da RA
só será permitida na forma autorizada pelo Poder
Público, o Projeto não especifica qual seria a forma,
nem mesmo de qual Poder Público trata. Ademais, o termo
"resolução" tem conotação
jurídica própria, mostrando-se inadequado o seu
emprego para evidenciar as soluções aos casos de
infertilidade.
O
Projeto estabelece como condição ao uso da RA a
constatação de "infertilidade irreversível"
(artigo 2º, inciso I). A expressão, além de
vaga (o que é, exatamente, irreversível?), é
passível de dar ensejo a inúmeras controvérsias,
porquanto a velocidade das técnicas e dos métodos
torna reversível hoje o que ontem não tinha solução.
Outra
crítica a ser feita concerne ao prazo mínimo de
espera nas hipóteses de "infertilidade inexplicada"
(artigo 2º, inciso I). Segundo a opinião médica,
não existe infertilidade inexplicada; o que pode ocorrer
são hipóteses de infertilidade sem causa aparente.
Demais
disso, o prazo pode referir-se a circunstâncias não
somente médicas, mas conjugadas a questões pessoais.
Ao
proibir a aplicação das técnicas de RA às
hipóteses de infertilidade decorrente da "passagem
da idade reprodutiva" (artigo 2º, inciso III), o Projeto
parece querer se referir à menopausa. O critério
limitante do projeto é criticável. Basta interpretar
o referido artigo 2º, inciso III com teor do artigo 12º,
§ 3º que, nas hipóteses de gestação
de substituição, havendo disputa judicial sobre
a maternidade, impõe seja a mesma outorgada à doadora
do óvulo se a mulher que tiver recorrido à RA houver
ultrapassado a idade reprodutiva.
Além
da idade reprodutiva ser bastante variável, tal posicionamento
legislativo implica afastar uma das maiores conquistas da RA,
qual seja, a de possibilitar gestação em mulheres
de idade mais avançada; sob outro aspecto, visto como uma
limitação que atingirá somente as mulheres,
carrega o dispositivo o grave defeito da inconstitucionalidade,
eis que sugere tratamento diferenciado entre mulheres de diversas
faixas etárias.
No
inciso IV do artigo 2º, refere-se o Projeto à mulher
capaz, nos termos da lei. Por certo, há de ser a lei civil,
mas a redação é falha, também aqui.
Haveria,
por outro lado, a necessidade de se uniformizar o tratamento referente
à liberdade e consciência dos sujeitos envolvidos
nesse tipo de procedimento terapêutico.
Sob
outro aspecto, o mesmo inciso IV deixa margem à aplicabilidade
das técnicas em mulheres solteiras, podendo dar origem
à gestação vulgarmente denominada "produção
independente".
O
reconhecimento da igualdade entre os seres humanos impõe
concluir-se não ser admissível negar a uma mulher
o uso das técnicas de RA somente pelo fato de ser solteira.
Porém, há que se interpretar o mesmo princípio
de igualdade tendo-se em vista o direito da criança, cujo
destino de viver sem ao menos conhecer a figura do pai seja determinado
pelo desejo da mãe. Sobre esse tema: "o interesse
da criança deve ser preponderante, mas isso não
implica concluir que seu interesse se contrapõe, de forma
reiterada, ao recurso às técnicas de procriação
artificial e que ela não possa vir a integrar uma família
monoparental, desde que o genitor isolado forneça todas
as condições necessárias para que o filho
se desenvolva com dignidade e afeto.
A
questão vem temperada pelo disposto no artigo 12, §
1º, muito embora tal dispositivo pareça incompatível
com o parágrafo único do artigo 11.
Outro
ponto negativo do Projeto é permitir o uso da RA para tratamento
de doenças genéticas, o que contraria a lei brasileira
(artigos 8º, inciso II, e 13, inciso I, da Lei nº 8974,
de 05 de janeiro de 1995), eis que as células germinativas
não podem ser manipuladas com o fim de tratamento (somente
as somáticas).
4)
SUGESTÕES
A
subsistir o Projeto, cabe estabelecer, no início, princípios
e valores éticos (e não apenas princípios
gerais que, a rigor, aí não se mostram como princípios,
mas sim, como meras regras) a nortear o objeto legislado.
De
modo geral, as definições não deveriam estar
no texto legal, como já restou assinalado. No entanto,
a mantê-las sugere-se que:
a)
"Reprodução
Assistida" receba a definição de "conjunto
de métodos que tentam solucionar os problemas de infertilidade
conjugal, interferindo no processo natural de reprodução,
principalmente pelo manuseio de gametas e embriões"
(FRANCO JUNIOR, J. G. Reprodução Assistida. In:
CANELLA, Paulo VITIELLO, Nelson. Tratado de Reprodução
Humana. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1996, p. 416-417);
b)
sejam
alterados os termos "usuários" para "interessados"
ou "receptores", quando menos "pacientes"
(já que a finalidade é terapêutica), ou transformar
o texto em linguagem impessoal, fazendo-se referência somente
às técnicas e seus desdobramentos. A Lei Espanhola
nº 35, de 22 de novembro de 1988, sobre Técnicas de
Reprodução Assistida, refere-se a usuárias
e doadores, mas vem sendo criticada pelo alto grau de utilitarismo.
A Lei Francesa nº 94-653, de 29 de julho de 1994, ao inserir
a Seção 4 ao capítulo I do título
VII do livro do Código Civil, fez menção
ao casal ou companheiros que, para procriar, recorram a uma técnica
de RA;
c)
seja
incluída a definição de doador;
d)
seja
excluída a definição de "criança",
usando-se o termo seguido da expressão "nascida da
RA" ou "fruto das técnicas de RA" ou similares,
seguindo-se a legislação francesa;
e)
seja
dada preferência à expressão "gestação
por outrem", muito embora não seja a mais conhecida,
por ser mais adequada, em razão de abranger duplo significado
que, sob a mesma base, completa-se: "pode designar tanto
a situação da mulher que mantém a gestação
em razão de outrem, ou seja, por causa de outrem que sem
a sua colaboração não teria filhos como também
a situação inversa, ou melhor, a de quem pretende
a gestação através de outra pessoa";
f)
sejam
substituídas as expressões "infertilidade irreversível"
e "infertilidade inexplicada" pelo termo "infertilidade",
apenas, excluindo-se, a exigência do prazo mínimo
de espera (artigo 2º, inciso I);
g)
sejam
suprimidos os incisos II e III do artigo 2º (caso não
seja hipótese de supressão, é imperativo
o detalhamento da expressão "passagem da idade reprodutiva").
O inciso II, pela falta de razão de ser, uma vez que o
recurso à RA, consistindo em intervenção
onerosa, invasiva da intimidade do casal ou da mulher, a acarretar
repercussões psicológicas e familiares, constitui
a última alternativa para a pessoa que pretende procriar,
e não simplesmente um modo alternativo de reproduzir. O
inciso III, porque a expressão "passagem da idade
reprodutiva" mostra-se vaga, arbitrária e discriminatória.
h)
seja
incluída norma exigindo declaração médica
(vinculadora de responsabilidade) da necessidade e oportunidade
da utilização da técnica;
i)
sejam
melhor detalhados termos e expressões muito abrangentes,
tais como: "probabilidade efetiva de sucesso", "suficientes
garantias de diagnóstico", "usuários as
mulheres ou os casais", etc.
Quanto
à sistemática de tipificar as hipóteses de
definição, parece melhor a eleição
de situações em que, por motivo de qualquer ordem
(moral, biológica, etc.) seja inoportuna a autorização
para a realização do procedimento.
SEÇÃO
II
DO
CONSENTIMENTO INFORMADO
1)
SÍNTESE
Seguindo
a linha da legislação estrangeira existente sobre
RA, o Projeto reconhece como obrigatória a perfeita informação
para que seja manifestado o consentimento. Na tentativa de delinear
os termos em que o consentimento pode ser considerado efetivamente
informado, impõe o esclarecimento sobre determinados aspectos
das técnicas e das suas conseqüências.
Adentra
a um ponto nodal, esse que trata do consentimento informado. O
proposto chancela-o de obrigatório e extensivo aos cônjuges
e companheiros em união estável, em documento redigido
em formulário especial. E, nele, a aposição
de suas assinaturas com seu consentimento para a realização
das técnicas de RA, esclarecidos dos aspectos técnicos
e as implicações médicas, dos dados estatísticos,
da possibilidade e probabilidade de incidência de acidentes,
danos ou efeitos indesejados, das implicações jurídicas,
das informações concernentes à licença
de atuação, e, enfim, das demais informações
definidas em regulamento.
Quanto
ao detalhamento, este será efetivado conforme as normas
regulamentadoras que irão especificar as informações
mínimas a serem transmitidas, incluindo hipóteses
em que a identificação possa vir a ser conhecida
pela criança e, em alguns casos, de o doador vir a ser
obrigado a reconhecer a filiação dessa criança.
Adiante,
consta no projeto que o consentimento deverá refletir a
livre manifestação da vontade dos envolvidos, vedada
qualquer coação física ou psíquica,
e no documento de formalização do referido consentimento
deverá explicitar-se: a técnica e os procedimentos
autorizados pelos usuários; o destino a ser dado, no caso
de divórcio ou separação do casal, aos embriões
excedentes que vierem a ser preservados, e as circunstâncias
em que ao doadores autorizam ou desautorizam a utilização
de seus gametas e embriões.
Especifica
que, no caso de utilização da RA, para a prevenção
e tratamento de patologias genéticas ou hereditárias,
o documento deve conter sua indicação precisa e
as garantias de diagnóstico e terapêutica.
Arremata
contendo regra de conformidade legal, segundo a qual o consentimento
só será válido para atos lícitos e
não exonerará os envolvidos em práticas culposas
ou dolosas.
2)
PONTOS POSITIVOS
A
tentativa de disciplinar o consentimento informado é adequada
ao atual estádio de desenvolvimento do Direito nessa área
e para esse tipo de ato jurídico, sendo que o Projeto impõe
a obrigatoriedade do consentimento a todos os envolvidos no processo
de RA, e não somente ao casal interessado.
Exige,
para a manifestação do consentimento, não
apenas a declaração de vontade livre, mas que tal
declaração tenha sido dada com base em conhecimento
seguro de todas as circunstâncias que cercam as técnicas.
Os
esclarecimentos dizem respeito não apenas às práticas
médicas e suas estatísticas e preços, mas
aos desdobramentos jurídicos que da utilização
das técnicas podem advir.
3)
PONTOS NEGATIVOS
A
seção é composta de apenas um artigo, seis
incisos, e ainda apresenta, nada mais do que cinco parágrafos.
Ao
tratar do consentimento informado, estatui-se a obrigatoriedade,
mas de modo precário. Ademais, a extensão aos companheiros
em união estável, mereceria explicitação.
E quanto a referência ao documento redigido em formulário
especial, cabe esclarecer se deverá assumir a forma pública
ou privada. Além disso, manifestarem-se os sujeitos pela
aposição de suas respectivas assinaturas pode diminuir
a importância da própria expressão da vontade.
É
reconhecido que o consentimento informado não se mostra
suficiente a dar garantias de que o paciente escolheu o melhor
caminho e, principalmente, o caminho que pretendia seguir, sobretudo
porque ainda não se conseguiu definir exatamente o que
vem a ser "consentimento informado", ou seja, em que
consiste tal informação.
Não
há menção à necessidade de informações
sobre as questões éticas da RA (tanto para doadores
quanto para receptores), nem sobre o conteúdo especial
do consentimento concernente à gestação de
substituição.
No
que diz respeito aos dados estatísticos, importa ressaltar
que, em matéria de infertilidade, não se dispõe
de dados precisos, e a diversidade de fatores torna a tarefa estatística
impraticável.
Quanto
à possibilidade de revelar-se a identidade do doador à
criança, há que se assinalar, inicialmente, que
a expressão "em alguns casos" é vaga e
imprecisa. De qualquer forma, importa ressaltar, também,
que tal medida, praticamente, inviabilizaria as doações
de gametas ou de embriões, pois, se o anonimato não
é garantido de forma quase absoluta, exceção
feita aos casos de indicação por questões
médicas, aceita-se como um direito absoluto o acesso às
origens. Dessa forma, desvendando-se a identidade do doador, compromete-se
o projeto parental fundado na vontade de gerar, de fundar uma
família de cunho sócio-afetivo, deixando-se pairar
a idéia de que a vinculação biológica
é mais importante.
A
possibilidade absoluta de revelação da identidade
do doador irá repercutir num desestímulo à
reprodução sob forma heteróloga, tendo em
vista a insegurança que ficará "impressa"
nas famílias que se formarem graças à contribuição
genética de um terceiro, que desinteressadamente forneceu
o gameta, mas que não terão, nem a família,
nem o doador, assegurada a tranquilidade.
Menciona
o Projeto que se deva expressar consentimento no tocante ao destino
dos embriões armazenados (artigo 3º, § 3º,
inciso II). O armazenamento de embriões é crime
definido no artigo 13,III, da Lei 8974, de 05 de janeiro de 1995
(Lei de Biossegurança). Muito embora existam discussões
acerca da abrangência do tipo, uma vez que a lei se refere
apenas à produção, ao armazenamento e à
manipulação de embriões humanos destinados
a servirem como material biológico disponível, a
vedação parece clara.
A
referência à possibilidade de autorização
sobre o uso dos gametas e embriões recebeu tratamento idêntico
no Projeto, quando, em verdade, denotam situações
absolutamente distintas.
Gametas
são substâncias do corpo humano que podem se submeter
à titularidade, embora sua transferência deva ser
gratuita, em obediência ao regime próprio previsto
constitucionalmente (artigo 199, § 4º).
Quanto
aos embriões, não há como afastar a sua natureza
humana. Dada a carga genética própria que carregam,
o que marca a sua individualidade, é possível afirmar
que a vida que neles se representa é a mesma vida que se
contém no ser humano nascido, eis que diferem apenas em
razão das diferentes etapas de desenvolvimento em que se
encontram. Daí porque em relação a eles não
se possa falar em autorização, ou utilização,
nem seja possível usar termos que denotem titularidade,
tais como os pronomes possessivos.
O
§ 5º revela certo desconhecimento do legislador quanto
aos termos "validade" e "licitude". Além
disso, ao expressar que o consentimento "não exonerará
de responsabilidade os envolvidos em práticas culposas
ou dolosas", faz parecer que o consentimento, em tais circunstâncias,
talvez pudesse ter o condão de eximir de responsabilidade
civil, o que, por óbvio, não procede.
4)
SUGESTÕES
A
melhor técnica legislativa, visando favorecer a objetividade
na interpretação, indicaria a subdivisão
da seção em, pelo menos, dois artigos: o primeiro,
estabelecendo quais os aspectos que devem ser informados aos interessados
nas técnicas de reprodução assistida, e o
segundo, estabelecendo o alcance do consentimento, ou seja, o
seu conteúdo e todas as implicações que podem
surgir desse consentimento irretratável.
Há
que se pensar, também, em duas questões de fundo,
e cuja análise foge à esta manifestação:
a questão da autorização dos doadores para
a utilização de gametas/embriões (art. 3º,
§ 3º, inciso III) e a utilização da RA
para prevenção e tratamento de doenças genéticas/hereditárias
(§ 4º do art. 3º).
No
que concerne, especificamente, ao consentimento informado, diante
da realidade brasileira, seria melhor adequar seu conceito aos
critérios de vulnerabilidade e de precaução,
trazidos pela Resolução nº 196/96, do Conselho
Nacional de Saúde.
O
critério da vulnerabilidade "é adotado como
conceito amplo associado a todo e qualquer tipo de pressão,
constrangimento físico ou social que possa atingir os sujeitos
da pesquisa. Quando aplicado, sinaliza limites ao exercício
da autonomia e do consentimento individual voluntário dos
mesmos e, consequentemente, à intervenção
biomédica experimental"
A
precaução consiste no cuidado que se deve ter, aplicando-se
determinados métodos e técnicas somente quando possam
oferecer e assegurar vantagens significativas para a pessoa que
a eles se sujeita.
A
exemplo do que exige a Lei Francesa nº 94-654, de 29 de julho
de 1994, o consentimento deveria ser precedido de entrevistas
particulares dos solicitantes com os membros da equipe médica
pluridisciplinar do centro de reprodução humana,
a qual, se necessário, poderá recorrer aos serviços
de assistência social (no Brasil, os que funcionam junto
aos Juizados da Infância e da Juventude).
Sugere-se,
em tal sentido, a obtenção de um parecer fundamentado,
elaborado por médico, psicólogo e advogado, que
constituiriam um comitê consultivo, para analisar as demandas
de recurso às procriações assistidas de todos
os pretendentes e, eventualmente, desaconselhar sua realização,
em virtude de um óbice sério e arriscado, que coloque
a vida ou os interesses da provável futura criança
e dos demais envolvidos, em perigo.
As
informações devem se referir, também, às
possibilidades que a lei oferece em matéria de adoção.
Admissível,
também, que os dados sobre a probabilidade de sucesso do
serviço e/ou do profissional apresentem-se com uma certa
margem de variabilidade (ex.: de 10 a 50%), sem que se especifique
a estatística por causa.
Uma
vez que o consentimento seja livre e efetivamente informado, sua
manifestação pode ter eficácia suficiente
para afastar a discussão sobre a paternidade biológica,
assim como sucede em diversos países (Austrália,
Canadá, Espanha, Estados Unidos, Filipinas, França,
Inglaterra, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos,
Portugal, Suécia, Venezuela, dentre outros).
A
autorização para o uso bem como a expressão
"seus embriões" devem ser excluídas, porque
denotam titularidade.
Também
devem ser retiradas do texto a possibilidade de tratamento das
doenças genéticas através de RA, bem como
a possibilidade de obtenção de informações
sobre o doador, a não ser nas hipóteses de doenças
hereditárias. Sugere-se a supressão do § 2º,
sob pena de inviabilizar-se as procriações artificiais.
O
§ 5º deve ser eliminado, dados os equívocos que
pode ensejar a sua manutenção, e também porque
as disposições já existentes sobre responsabilidade
civil não deixam a descoberto as hipóteses definidas
no Projeto.
A
expressão "garantia do diagnóstico" deve
ser substituída por outra mais técnica, tal como
"sensibilidade e especificidade do diagnóstico".
SEÇÃO
III
DOS
ESTABELECIMENTOS E PROFISSIONAIS
1)
SÍNTESE
Aqui,
o Projeto elenca clínicas, centros, serviços e demais
estabelecimentos que vão aplicar a RA, e procura instituir
a responsabilidade sobre o recebimento de doações,
a coleta, o manuseio, o controle de doenças infecto-contagiosas,
a conservação, a distribuição e a
transferência do material biológico; registro de
todas as informações; e a obtenção
do consentimento.
Trata,
ainda, de licença especial de funcionamento, mediante o
cumprimento de requisitos mínimos: direção
de um profissional médico; recursos humanos, técnicos
e materiais condizentes com as necessidades científicas
para realizar a RA; dispor de registro permanente de todos os
casos em que tenha sido empregada a RA, ocorra ou não gravidez,
pelo prazo de vinte e cinco anos; registro permanente dos doadores
e das provas diagnósticas realizadas no material biológico
a ser utilizado na RA com a finalidade de evitar a transmissão
de doenças.
Estabelece
que a licença é obrigatória para todos os
estabelecimentos e profissionais médicos, válida
por dois anos e renovável ao término de cada período,
podendo ser revogada. Refere-se, ademais, à conduta ilibada
do profissional, sendo que ele e os demais médicos que
atuam no estabelecimento não poderão estar respondendo,
na justiça, ou no órgão de regulamentação
profissional de categoria, a processos éticos, civis ou
penais relacionados ao emprego de RA.
PONTOS
POSITIVOS
A
enumeração de critérios mínimos para
que os estabelecimentos e/ou os profissionais possam oferecer
a RA.
Prazo
relativamente curto da licença mencionada no caput do artigo
5º (dois anos) e obrigatoriedade de registro não só
dos doadores, como dos procedimentos, o que vem a facilitar as
informações estatísticas exigidas para o
consentimento informado (Seção II).
3)
PONTOS NEGATIVOS
A
ordem dos dispositivos parece estar invertida. Haveria de se exigir,
inicialmente, os requisitos necessários à licença
para o funcionamento e, após, impor-se sanções
à desobediência.
Sob
outra perspectiva, o fato de se enumerar as hipóteses de
responsabilidade oferece a possibilidade de entendimento errôneo
de que seria exaustiva a previsão legal.
E
mesmo ao versar sobre a responsabilidade dos estabelecimentos
e dos médicos, falha o Projeto ao não definir suas
específicas funções em razão da RA,
nem fazer menção alguma a ações ou
omissões.
Ainda
a respeito da responsabilidade, ao menos um equívoco de
ordem sistemática: o artigo 5º, embora não
se refira às hipóteses de responsabilidade, eis
que previstas no artigo 4º, faz menção, no
inciso I, à responsabilidade do médico.
No
tocante à licença, o Projeto deveria ser mais específico.
Não há menção de que deva ser prévia.
Os requisitos mínimos para a obtenção da
licença também parecem insuficientes. O Projeto
não define também qual será o órgão
fiscalizador das atividades clínicas e médicas.
Ademais, ao exigir licença de funcionamento, não
explicita a que órgão é atribuída
a competência para sua expedição.
Não
cita quais doenças contagiosas devem ser rastreadas no
doador; solicita que seja mantida "uma amostra do material
celular " do doador. Não leva em conta que nem sempre
a RA, o pré-natal, e o nascimento ocorrem sob a responsabilidade
da clínica que realizou a RA.
Sobre
a vedação da transferência a fresco de material
doado não há, com profundidade, explicitamente,
uma palavra na justificativa.
Estabelece
prazo (25 anos) para que se disponha de registro permanente dos
casos em que tenha sido empregada a RA, sem explicitar o critério
da adoção de tal lapso temporal; ademais, tal fixação
não tem similar na legislação espanhola,
francesa, sueca e inglesa.
O
§ 2º (que estabelece que o profissional mencionado no
inciso I e os demais médicos que atuam no estabelecimento
não poderão estar respondendo, na Justiça
ou no órgão de regulamentação profissional
de categoria, a processos éticos, civis ou penais) se refere,
apenas, aos implicados no emprego de RA. Além da péssima
redação, há também essa inaceitável
redução.
As
normas para o cumprimento do previsto nessa seção
são destinadas a previsão em regulamento, o que
torna de certa forma inoperante o contido nos artigos 4º
e 5º.
4)
SUGESTÕES:
A
lei não deve deixar para o regulamento questões
de alta importância.
Em
tal sentido, sugere-se que se faça referência ao
caráter sigiloso de todas as informações
apresentadas aos centros ou clínicas de reprodução.
Imperativo, pois, especificar essa necessidade e a responsabilidade
pela divulgação desses dados sem prévia autorização.
Quanto
à licença para funcionamento, deve ser expedida
prévia e limitadamente a uma ou várias técnicas
de RA, com ou sem a participação de doadores, conforme
os recursos humanos (e nisso se inclui a habilitação
específica do médico), técnicos e materiais
apresentados pelo estabelecimento.
É
recomendável, na regulamentação, mencionar,
ainda que exemplificativamente, quais doenças contagiosas
devem ser rastreadas no doador, por exemplo: HIV, Hepatite B e
C, Clamidia, Sífilis e Citomegalovirus.
Questiona-se
a previsão quanto à necessidade de se manter uma
amostra do material celular do doador.
Sugere-se,
ademais, que a gestante ou o casal seja contatado após
o nascimento, para obtenção de dados sobre o desenvolvimento
das gestações, os nascimentos, as malformações,
respeitados os direitos fundamentais inerentes à pessoa.
Todo
estabelecimento autorizado a praticar RA deve ser obrigado a apresentar
um relatório anual das atividades ao Ministério
da Saúde, cujo parecer tenha o condão de autorizar
a prorrogação da licença antes concedida.
Sugere-se,
igualmente, seja prevista fiscalização pelo Ministério
Público, eis que a RA relaciona-se aos interesses difusos
(futuras gerações).
A
respeito da responsabilidade, ainda que exista previsão
com dados mais específicos, parece melhor deixar claro
o seu caráter meramente enunciativo. Caberia, igualmente,
firmar a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas
e a solidária de todos os profissionais médicos
responsáveis, entre si e com a pessoa jurídica.
SEÇÃO
IV
DAS
DOAÇÕES
1)
SÍNTESE
Versa
o Projeto, sob a rubrica "das doações",
da permissão para a doação de gametas e embriões,
sob a responsabilidade dos estabelecimentos que praticam a RA,
vedada a remuneração dos doadores e da cobrança
por esse material, a qualquer título.
Dispõe,
quanto aos estabelecimentos, sobre o zelo pelo sigilo da doação,
impedindo que doadores e usuários venham a conhecer reciprocamente
suas identidades, e pelo sigilo absoluto das informações
sobre a criança nascida a partir de material doado.
Faculta
apenas à criança o acesso, diretamente ou por meio
de um representante legal, a todas as informações
do processo que a gerou, inclusive à identidade civil do
doador, nos casos autorizados. Mas, se razões médicas
indicarem a necessidade de se quebrar o sigilo, as informações
relativas ao doador deverão ser fornecidas exclusivamente
para o médico solicitante, resguardando-se a identidade
civil do doador.
Permite
a gestação de substituição em sua
modalidade não remunerada conhecida como "doação
temporária do útero", nos casos que exista
um problema médico que impeça ou contra-indique
a gestação na usuária e desde que haja parentesco
até o segundo grau entre ela e a mãe substituta
ou doadora temporária do útero, fixando que a gestação
de substituição não poderá ter caráter
lucrativo ou comercial, ficando vedada sua modalidade remunerada
conhecida como "útero ou barriga de aluguel".
2)
PONTOS POSITIVOS
Vedação
da onerosidade das transferências ("mercado humano"),
ao menos em tese, e previsão expressa a respeito do sigilo.
Possibilidade
de quebra do sigilo fundamentada no interesse médico sobre
informações genéticas necessárias.
A
proibição relativa ao parentesco (art. 6º,
§ 7º), bem como sua exigência (art. 7º, caput),
buscam evitar conflitos, embora não se possa garantir seu
afastamento completo.
3)
PONTOS NEGATIVOS
O
artigo 6º dispõe sobre doação de gametas
e embriões, mantendo uma isonomia de tratamento que se
deve afastar.
Conforme
já restou aqui salientado, embrião não é
material (inclusive é crime o seu armazenamento como material
biológico disponível), como também não
é admissível o exercício da titularidade
sobre embriões humanos. Em tal sentido, mesmo doar embriões
faz atribuir a eles a natureza de "coisa fora do comércio
de tráfico restrito"
Outro
equívoco diz respeito a se fazer referência à
doação e, em seguida, vedar a onerosidade. Sabendo-se
que a doação já é, por natureza, gratuita;
logo, não há necessidade de ainda proibir-se a remuneração.
Lê-se,
no Projeto, que a escolha dos doadores será responsabilidade
do estabelecimento que pratica a RA e deverá garantir,
tanto quanto possível, semelhança fenotípica
e compatibilidade imunológica entre doador e receptor.
Esse garantir, tanto quanto possível, da semelhança
fenotípica e compatibilidade imunológica entre doador
e receptor pode ser, ainda que indiretamente, uma forma absurda
e mesmo mediata de eugenia.
Vê-se,
no Projeto, que, com base no registro de gestações,
o estabelecimento que pratica a RA deverá evitar que o
mesmo doador venha a produzir mais de duas gestações
de sexos diferentes numa área de um milhão de habitantes.
Saliente-se, desde logo, a imensa dificuldade de controle nesse
universo populacional.
Outro
aspecto diz respeito ao fato de se permitir o acesso a informações
acerca do doador, o que pode gerar consequências existenciais
e sociais graves. Nota-se que, se num momento o Projeto parece
querer restringir o acesso a tais informações, em
outras parece querer abrir tal acesso, sem disciplinação
específica e rígida.
Ademais,
a possibilidade de imotivada quebra de sigilo pela criança
nascida das técnicas de RA (artigo 6º, § 2º),
tendo em vista as disposições a respeito de filiação
(Seção VI), desencadearia, ao menos imediatamente,
duas ordens de problemas:
a)
ajuizamento
de ação para obtenção do reconhecimento
judicial do parentesco biológico, com afastamento do elemento
volitivo como determinante de tal relação, conforme
aqui sugerido nos comentários referentes à Seção
III;
b)
diminuição
do número de doadores, eis que o anonimato não lhes
seria mais assegurado.
Há
que se fixar, com bastante clareza, linhas e graus de parentesco.
Daí porque indagar se o parentesco até quarto grau,
mencionado no artigo 6º, § 7º, dar-se-á
em ambas as linhas. De outra parte, quando se trata da gestação
na usuária e desde que haja parentesco até o segundo
grau entre ela e a mãe substituta ou doadora temporária
do útero, necessário também estabelecer se
está compreendida a linha reta.
Quanto
à gestação de substituição,
é imprescindível enfrentar as questões jurídicas
e éticas que emergem da opção do Projeto
pela sua licitude, eis que o objeto do ajuste é a viabilização
da vida humana e disposição do organismo vivo. Essa
observação não se altera mesmo diante da
gratuidade.
Por
fim, as restrições impostas na lei não são
de fácil operacionalização, porque não
será apenas um estabelecimento que se dedicará à
RA.
4)
SUGESTÕES
Algumas
restrições (ou opções) elencadas na
lei (p. ex., art. 6º, §§ 6º e 7º) precisam
estar fundamentadas na exposição de motivos.
O
sigilo só deve ser quebrado excepcionalmente (seguir, quantum
satis, o critério da adoção), prevendo-se
a necessidade de fundamentação (indicação
médica, por exemplo: compatibilidade em caso de transplante)
e comprovação perante a autoridade judiciária,
através de pedido efetuado pelo próprio interessado,
após atingida a plena capacidade, ou através de
representante legal, se incapaz.
Na
quebra de sigilo, saliente-se a necessidade de se analisar com
total isenção e forte sentimento existencial, social
e jurídico, a possibilidade de conhecimento, pela criança,
dos doadores. O que parece deva ser afastado de pronto é
a casuística de possibilidades de acesso ao reconhecimento
do doador, sem uniformidade no tratamento.
É
possível pensar, outrossim, no exercício de um direito
fundamental ao conhecimento da ascendência genética,
sem que isso implique, necessariamente, no estabelecimento do
vínculo parental de paternidade.
Assim,
mesmo que a criança nascida de tais intervenções
venha a ficar órfã ou seja abandonada pelos pais,
os parentes paternos ou maternos, ou uma família substitutiva
deverá garantir sua proteção e seu sustento,
jamais devendo-se recorrer ao doador ou à doadora de gametas
para assumir a filiação e o amparo.
Há
que se prever, também, que a quebra do sigilo implicará
em responsabilização judicial do profissional e
do estabelecimento.
SEÇÃO
V
DOS
GAMETAS E EMBRIÕES
1)
SÍNTESE
Procura
o Projeto, nesta seção, ao tratar da execução
de técnica de RA, limitar a transferência de, no
máximo, quatro embriões a cada ciclo reprodutivo
da mulher receptora.
Fixa,
aos estabelecimentos que praticam RA, a preservação
de gametas e embriões humanos, doados ou depositados apenas
para armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento.
Tentando
superar uma polêmica jurídica, dispõe que
não se aplicam aos embriões originários in
vitro, antes da sua introdução no aparelho reprodutor
da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na forma
da lei, e difere a definição do tempo máximo
de preservação de gametas e embriões para
o futuro regulamento.
Prevê
que o número total de embriões produzidos em laboratório
durante a fecundação in vitro será, tout
court, comunicado aos usuários para que se decida quantos
embriões serão transferidos a fresco, devendo o
restante ser preservado, salvo disposição em contrário
dos próprios usuários, que poderão optar
pelo descarte, a doação para terceiros ou a doação
para pesquisa.
Intenta
criar condições de entrega, ao fixar que os gametas
e embriões depositados apenas para armazenamento só
poderão ser entregues ao indivíduo ou casal depositante,
sendo que, neste último caso, conjuntamente aos dois membros
do casal que autorizou seu armazenamento.
Ainda,
quanto ao descarte de gametas e embriões, prevê sua
obrigatoriedade: quando doados há mais de dois anos; sempre
que for solicitado pelos doadores; sempre que estiver determinado
no documento de consentimento informado; nos casos conhecidos
de falecimento de doadores ou depositantes, e no caso de falecimento
de pelo menos uma da pessoas que originaram embriões preservados.
Abre
espaços insondáveis para a pesquisa ao estatuir
que ressalvados os casos de material doado para pesquisa, a intervenção
sobre gametas ou embriões in vitro só será
permitida com a finalidade de avaliar sua viabilidade ou detectar
doenças hereditárias, no caso de ser feita com fins
diagnósticos, ou de tratar uma doença ou impedir
sua transmissão, no caso de ser feita com fins terapêuticos.
E, nesse contexto, propicia a pré-seleção
sexual de gametas ou embriões, nos casos em que os usuários
recorram à RA, em virtude de apresentarem hereditariedade
para gerar crianças portadoras de doenças ligadas
ao sexo.
Curiosamente,
estabelece uma condicionante final, isto é, uma espécie
de obrigação de resultado, quando dispõe
que as intervenções autorizadas no caput e no parágrafo
anterior só poderão ocorrer se houver garantias
reais de sucesso.
2)
PONTOS POSITIVOS:
No
esboço da tentativa de regulamentação do
material humano há um fio de aspecto positivo, porém,
o resultado passa ao largo da tentativa.
Um
ponto relativamente positivo (e afirma-se, aqui, relativamente,
porque o Projeto não aponta outro caminho) consiste na
inaplicabilidade dos direitos assegurados ao nascituro aos embriões
in vitro (art. 9, § 1º). Desde logo afastada qualquer
idéia referente à personalidade jurídica
dos embriões, com o que se deve concordar, porque ante
o sistema vigente, estaria submetida a dupla condição:
ser transferido e nascer com vida, sendo que a primeira a depender
da vontade do profissional e da mulher que se submete à
transferência.
3)
PONTOS NEGATIVOS:
Anote-se,
de saída, as incorreções da numeração.
As
regras propostas não têm conteúdo ético
forte nem controle democrático. Tudo se passa como se o
Direito e a vida fossem conduzidos sobre uma lâmina para
insípido e inodoro exame em laboratório.
Aponte-se
para o principal problema do Projeto, evidenciado também
aqui, qual seja, o de deixar questões de alta relevância
(para ficar num só exemplo: o tempo máximo de preservação
de embriões) para regulamentação posterior.
Ao
lado disso, nota-se que as opções do projeto merecem
análise mais profunda, porquanto fazem regulação
de situações complexas, a principiar pela possibilidade
de descarte de gametas e embriões, sem que se identifique
a natureza deles (onde natureza quer se referir ao status que
desfrutam perante a ordem jurídica).
É
criticável o Projeto quando nega aos embriões in
vitro os direitos assegurados ao nascituro.
O
artigo 9º, § 4º dá opções
aos usuários como se a titularidade em relação
aos embriões pudesse ser atribuída a eles.
O
artigo 9º, § 6º diz ser obrigatório o descarte.
Há que se analisar as conseqüências jurídicas
e éticas desse procedimento. O prazo de dois anos (sem
sentido médico ou jurídico), nem aos gametas deve
ser mantido (observe-se, por exemplo, em relação
ao sêmen: 6 meses após o congelamento faz-se o teste
de AIDS para, somente a partir de então, ser autorizado
o uso; imagine-se mantido o prazo de 2 anos para o descarte, quão
exíguo ficaria o tempo de utilização).
Há,
ainda, outra incongruência: no § 2º do artigo
9º, determina o Projeto que o tempo máximo de preservação
de gametas e embriões será definido em regulamento;
já no § 6º, diz que é obrigatório
o descarte de gametas e embriões doados há mais
de dois anos.
SUGESTÕES
O
rigor no número máximo de embriões para a
transferência deve ser quebrado, porquanto variável
conforme a evolução das técnicas de RA e
as particularidades de cada caso concreto.
Uma
vez que, de acordo com a opinião médica, devem ser
extraídos todos os folículos maduros, é possível
sugerir a fecundação de só alguns dos óvulos,
para evitar os embriões "excedentes" - v. art.
9º, § 4º.
Também
merece profundo debate com a comunidade a possibilidade de avaliação
da viabilidade, detecção de doenças hereditárias
e pré-seleção sexual (art. 10), que pode
trazer consequências indesejáveis, evidentes a todos
nós.
Não
parece suficiente o § 1º do artigo 10 ("A pré-seleção
sexual de gametas ou embriões só poderá ocorrer
nos casos em que os usuários recorram à RA em virtude
de apresentarem hereditariedade para gerar crianças portadoras
de doenças ligadas ao sexo"), cabendo ser mais rígido
nas razões que admitem a pré-seleção,
por exemplo, mediante comunicação ou mesmo autorização,
prévia do Poder Público ou de um colegiado comunitário
de controle.
Cabe,
também definir, com maior precisão, algumas expressões,
tais como "garantias reais de sucesso".
SEÇÃO
VI
DA
FILIAÇÃO DA CRIANÇA
1)
SÍNTESE
O
Projeto tenta regular, nesta seção, o status filial
da criança nascida de RA, fazendo emergirem do seu texto
múltiplos critérios a determinar a atribuição
de paternidade e de maternidade.
Mostra-se,
por isso, um dos capítulos mais graves e piores do Projeto.
Aqui, principia-se afirmando que a criança terá
assegurados todos os direitos garantidos aos filhos na forma da
lei.
Busca
definir critérios para a fixação da paternidade
e, como regra geral, os pais da criança serão os
usuários. Defere à criança, nascida por meio
de utilização da técnica da RA, o direito
de conhecer a identidade do doador ou da mãe substituta,
no momento em que completar sua maioridade jurídica ou,
a qualquer tempo, no caso de falecimento de ambos os pais.
Abre
a prerrogativa à criança que não possuir
em seu registro civil o reconhecimento de filiação,
a obter tal reconhecimento.
Criando
uma regra de interdição, prevê, no §
2º que, no caso em que tenha sido utilizado gameta proveniente
de indivíduo falecido antes da fecundação,
a criança não terá reconhecida a filiação
relativa ao falecido.
Procurando
definir, por antecipação, pronunciamento jurisprudencial,
dispõe que em caso de disputa judicial para obter o direito
de maternidade sobre a criança, este será concedido
à mulher que deu à luz a criança, exceto
quando essa mulher tiver à RA por ter ultrapassado a idade
reprodutiva, situação em que a maternidade será
outorgada à doadora do óvulo.
2)
PONTOS POSITIVOS
Não
há dúvidas de que é necessária lei
para evitar indesejáveis disputas judiciais.
Porém,
a lei, por se constituir no instrumento que balizará o
comportamento das pessoas e a decisão do julgador, deve
ser ao menos inteligível.
3)
PONTOS NEGATIVOS
Já
de início, o caput do artigo 11 parece desnecessário,
se considerado o princípio constitucional que estabelece
isonomia entre os filhos (CF, art. 227, § 6º). Sob outra
perspectiva, reduz o universo das fontes quanto aos direitos das
crianças ao prever que a criança terá assegurados
todos os direitos garantidos aos filhos nas formas da lei, e de
um modo inaceitável.
Mostra
o Projeto, ademais, não ter uma rota certa e segura na
determinação da paternidade e da maternidade da
criança nascida de RA.
Ao
atribuir a paternidade ao usuários (art. 11, parágrafo
único), o faz não como norma inexorável,
mas como mero princípio, afastado logo em seguida pelas
disposições excepcionantes. Assim é que a
falta de um critério único pode (rectius: vai) trazer
repercussões negativas para os envolvidos na RA.
Ao
propiciar o direito da revelação da identidade do
doador ou da mãe substituta, no momento em que completar
sua "maioridade jurídica" ou, a qualquer tempo,
no caso de falecimento de ambos os pais, não disciplina
as conseqüências de tal ato, mesmo na hipótese
de conhecimento da ascendência genética em a eficácia
parental tradicional (não envolvendo, dessa feita, relação
de sucessão ou vínculo de paternidade).
E
cria uma curiosa paternidade quando atribui tal prerrogativa que
poderá ser exercida, desde o nascimento, em nome de criança
que não possua em seu registro civil o reconhecimento de
filiação relativa a pessoa do mesmo sexo do doador
ou da mãe substituta.
O
artigo 12, aliás, dispõe sobre um misto de critérios
(volitivo, biológico e sócio-afetivo) para a atribuição
do parentesco:
§
1º-
legitimidade ativa à criança, ao doador e à
mãe substituta.
§
2º - relativamente
ao falecido, se a fecundação é post mortem,
não há reconhecimento de filiação
(evidentemente para resguardar o patrimônio do de cujus).
Mas o direito relativo ao estado de filiação não
é resguardado, impossibilitando o reconhecimento filial
post mortem, admitido em outras situações. Reintroduz,
no Brasil, o pai cognoscível mas ignorado. Sugestão:
afastar somente os efeitos patrimoniais.
§
3º -
Diversidade de critérios (esse § 3º é
uma regra de relevo, mas redigida mediante um atentado à
inteligibilidade):
a)
se
ninguém se opuser, a mãe jurídica é
a mãe social (usuária);
b)
se
não houver especificação no registro, a mãe
gestacional pode requerer seja reconhecida como mãe jurídica;
c)
se
houver disputa judicial: mãe jurídica será
a mãe gestacional, salvo se houver ultrapassado a idade
reprodutiva (critério falho sob o ponto de vista médico,
acima de tudo, eis que é variável), caso em que
mãe jurídica será a mãe genética;
e se a mãe social for outra, ainda?
Deve-se
levar em conta a dificuldade em se determinar a paternidade, diante
de tantos critérios. Na legislação estrangeira,
costuma-se determinar a paternidade a partir do consentimento
expresso do marido ou companheiro da mulher que se submeteu às
técnicas, conforme já restou observado.
§
4º - dá
a entender a possibilidade de atribuir-se a paternidade também
sob os múltiplos critérios relativos à maternidade.
Não é muito claro o sentido do texto proposto.
4)
SUGESTÕES
Após
debate que envolva todos os grupos representativos da sociedade,
há que se legislar no sentido de especificar quem é
o pai/mãe, num critério único sem qualquer
exceção.
Sugere-se,
desde logo, o estabelecimento da maternidade por um critério
único, e a paternidade, segundo o consentimento livre e
informado, conforme já se observa na legislação
estrangeira.
Importa
recordar, igualmente, que os direitos das crianças são
aqueles inatos, mais os previstos nas Convenções
e Tratados Internacionais, na Constituição Federal,
somando-se aos previstos na legislação infraconstitucional.
SEÇÃO
VII
DOS
CRIMES
1)
SÍNTESE
Definidos
estão os crimes: praticar a RA sem estar previamente licenciado
para a atividade; praticar a RA sem obter consentimento informado
dos usuários e dos doadores na forma determinada nesta
Lei, bem como fazê-lo em desacordo com os termos constantes
do documento de consentimento assinado por eles; envolver-se na
prática de útero ou barriga de aluguel, na condição
de usuário, intermediário ou executor da técnica;
fornecer gametas ou embriões depositados apenas para armazenamento
a qualquer pessoa que não seja o próprio depositante,
bem como empregar esses gametas e embriões sem autorização
deste; intervir sobre gametas e embriões in vitro com finalidade
diferente das permitidas nesta Lei; deixar de manter as informações
exigidas nesta Lei, na forma especificada, ou recusar-se a fornecê-las
nas situações previstas; utilizar gametas ou embriões
de doadores ou depositantes sabidamente falecidos; implantar mais
de quatro embriões na mulher receptora; realizar a pré-seleção
sexual de gametas ou embriões; conservar gametas ou embriões
doados por período superior a dois anos ou utilizar esses
gametas e embriões.
Pena
alguma ultrapassa a dois anos, propositadamente.
2)
PONTOS POSITIVOS
A
própria lei que dispõe sobre o tema concernente
à RA deve fixar os crimes relacionados aos respectivos
procedimentos, de forma a facilitar eventual persecução
penal aos praticantes de atos ilícitos.
Outro
ponto positivo é a cumulação de penas restritiva
de liberdade e pecuniária.
3)
PONTOS NEGATIVOS
Anote-se
uma digitação incorreta na repetição
do inciso III, após o inciso X.
O
Projeto (ou sua justificativa) não explicitam os parâmetros
utilizados na fixação das penas. Considerando que
deve haver uma relação crime/punição,
parece deva haver manifestação do projetista sobre
o assunto. Note-se, por exemplo, que a utilização
de gametas/embriões de pessoa já falecida (art.
13, VII) tem pena menos rígida que o implante de mais de
4 embriões na receptora (art. 13, VIII), não obstante
aquela prática mostrar-se, ao menos aprioristicamente,
mais danosa à sociedade. Ainda: a pena pela ocultação
de informações (art. 13, VI), que poderão
ser conhecidas por outros meios, também é maior
que a antes citada.
Há
cominação de penas relativamente leves, se comparadas
às previstas na legislação estrangeira (na
França, por exemplo, a pena é de privação
de liberdade e é de 5 a 7 anos, além da multa).
E a curta duração das penas é um convite
à extinção da pretensão punitiva do
Estado, pela prescrição.
Mais
uma vez o Projeto refere-se a gametas e embriões de uma
forma isonômica, o que é criticável, conforme
já se assinalou.
Especificamente
em relação ao artigo 13, inciso IV, há que
se ressaltar, uma vez mais, que armazenamento de embriões
é crime. Demais disso, o fornecimento a terceiros, que
no Projeto vem como atividade delituosa, parece resguardar melhor
os interesses das futuras gerações representadas
pelos embriões in vitro .
Proíbe-se
a pré-seleção sexual, desconsiderando-se
as hipóteses de doenças ligadas ao sexo.
4)
SUGESTÕES
Revisão
geral dos critérios de tipificação dos crimes
e fixação das penas.
Majorar
as penas e substituí-las por privativas de liberdade e
multa. As ações penais devem ser públicas
incondicionadas, ou condicionadas à representação.
Diferenciar
o tratamento em relação a gametas e embriões,
definindo tipos penais e consequências diferentes.
Descriminalizar
a decisão quanto ao número de embriões a
ser implantados.
SEÇÃO
VIII
DAS
DISPOSIÇÕES FINAIS
1)
SÍNTESE
Ao
final, prevê que o Poder Público editará os
regulamentos necessários à efetividade da Lei, concederá
a licença aos estabelecimentos e profissionais que praticam
a RA e fiscalizará a atuação de ambos.
Por
último, fixa a vacatio legis: cento e oitenta dias após
sua publicação.
2)
PONTOS POSITIVOS
A
vacatio não parece razoável, afinal, são
apenas seis meses, quando as questões envolvidas, a exemplo
do que ocorreu com a lei específica sobre transplantes,
sugerem lapso temporal maior.
3)
PONTOS NEGATIVOS
A
referência ao Poder Público é genérica
e há que se especificar como se dará o licenciamento
e a fiscalização.
4)
SUGESTÕES
A
lei deve especificar meios e órgãos de controle
incidentes sobre os procedimentos de RA.
Ao
Ministério da Saúde deve incumbir a concessão
da licença. Para a fiscalização, sugere-se
convênio com o Ministério Público. E a alcançar
tais objetivos, sugere-se a delimitação específica
do âmbito de atuação, responsabilidades e
funções do Ministério Público bem
como dos órgãos de saúde oficiais, principalmente
no tocante às diversas esferas de poder (federal, estadual
e municipal). Seria pertinente analisar a conveniência da
participação do Conselho Federal de Medicina nas
atividades fiscalizatórias.
Ressalte-se
que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
- CTNBio, vinculada à Secretaria Executiva do Ministério
da Ciência e Tecnologia, não tem competência
para atuar junto à RA. Sua atuação está
relacionada às atividades concernentes a organismos geneticamente
modificados e sua implicação no meio ambiente (Decreto
nº 1752, de 20 de dezembro de 1995).
Anote-se
a falta de um capítulo sobre a responsabilidade civil e
administrativa.
CONCLUSÃO:
Ao
final dessa etapa preliminar, os integrantes do grupo de trabalho
ressaltam, de um lado, o sentido provisório das primeiras
observações aqui deduzidas, e de outro, a conclusão
segundo a qual recomendam, enfaticamente, a reformulação
integral do Projeto examinado.
Por
último, é oportuno, ainda, levar em consideração
nesse exame as demais proposições legislativas no
Congresso Nacional.
Curitiba,
maio de 1999.
Grupo
de Trabalho:
Professor
Eroulths Cortiano Junior
Professor
Doutor José Antônio Peres Gediel
Professora
Jussara Maria Leal de Meirelles, Relatora
Professor
Doutor Luiz Edson Fachin, Coordenador
Professor
Salmo Raskin
Titulação
dos integrantes do Grupo de Trabalho:
Eroulths
Cortiano Junior: professor de Direito Civil da UFPR e PUC/PR,
mestre em Direito pela UFPR; procurador do Estado do Paraná.
José
Antônio Peres Gediel: professor de Direito Civil da UFPR;
doutor em Direito pela UFPR e procurador do Estado do Paraná.
Jussara
Maria Leal de Meirelles, Relatora: professora de Direito Civil
da PUC/PR, mestre em Direito Privado pela UFPR, doutoranda em
Direito das Relações Sociais, autora da obra "Gestação
por outrem e determinação da maternidade".
Luiz
Edson Fachin, Coordenador: professor de Direito Civil da UFPR
e da PUC/PR; membro da Sociedade Internacional de Direito de Família
e do IBDFAM.
Salmo
Raskin: médico, especialista em Genética Clínica,
Professor de Genética Médica da PUC/PR, doutorando
em Genética da UFPR; membro do Projeto Genoma Humano.
FONTE:
http://www.senado.gov.br/web/senador/requiao/reproduo.htm