PACERECER DA FIOCRUZ SOBRE A JURIDISCIDADE DA QUESTÃO DA CLONAGEM HUMANA

A matéria aqui abordada refere-se à temática emergente como questão legislativa e jurídica, em decorrência do fato, ainda polêmico quanto a seus procedimentos científicos, relacionado à utilização da técnica de clonagem para a reprodução não sexuada, ou seja, a cópia, de uma ovelha – a Dolly.

A possibilidade de cópia de um ser vivo a partir de manipulações de célula somática representa evento imemorial quebrando dogmas científicos, jurídicos e éticos. A maior perplexidade refere-se, certamente, às possibilidades de aplicação dessas técnicas em seres humanos.

No Brasil, o susto da Ciência, do Direito e da Ética diante do fato científico em questão motivou a elaboração de muitas propostas legislativas. Tramitam no Congresso Nacional inúmeros projetos de lei1 e propostas de emendas contribuindo para manter vivo o debate da sociedade e serão consolidados por um relator.

A FIOCRUZ, participa deste movimento cultural, científico e político, tem acompanhado e participado dos debates com atenção e prudência. Em fase das solicitações de parecer sobre vários projetos com a mesma intenção legislativa, à guisa de contribuição a um debate tão complexo, desenvolvemos a seguir uma argumentação, de caráter geral, indicando questões importantes que não podem estar ausentes na discussão sobre a regulamentação nacional referente à clonagem de seres humanos:

  • A velocidade do desenvolvimento científico e tecnológico é tão surpreendente que uma lei deve ser suficientemente abrangente no sentido de prever um amplo universo de cenários possíveis evitando assim uma rápida defasagem relativa à realidade dos fatos, mesmo sabendo-se da não peremptoriedade das legislações.
  • No sistema jurídico não se encontra alguma analogia que torne possível uma norma orientadora e as reações em vastos campos do conhecimento e da sociedade motivaram debates, posicionamentos e muitas propostas regulamentares. Organismos internacionais (UNESCO, Comunidade Européia, OMS, etc) governos e parlamentos (EUA, Inglaterra, França, etc.) e nacionais (CNTBio) se mobilizaram para elaborar regulamentações visando a evitar abusos potenciais que a aplicação de tais técnicas poderiam implicar.
  • A complexidade do assunto está longe de ter sido contemplada nas propostas apresentadas nos diferentes projetos de lei objetivo de nossa análise. Discutir a temática ou fazer uso das biotecnologias é tarefa que exige da sociedade e da comunidade científica, em particular , a busca corajosa de conceitos e consensos orientados pelo princípio da responsabilidade. No Brasil, o debate ético/legislativo sobre esta modalidade do poder humano no desenvolvimento científico ainda está em pleno curso.
  • Deve-se desenvolver com atenção estudos que comparem as regulamentações sobre a matéria já elaboradas em organismos internacionais, nacionais e em outros países. Tal subsídio é indispensável para o posicionamento do Brasil, um país dependente e em desenvolvimento no campo da C&T. Deve-se levar em conta as reais motivações que levam um país a adotar maior rigidez ou flexibilidade em suas normas.
  • A proibição da clonagem de seres humanos inteiros tem sido um consenso presente em todas as regulamentações, considerando-se dois casos onde tal possibilidade repugna setores envolvidos com a matéria, quais sejam:
  1. a cópia de pessoas inteiras e
  2. a multiplicação de cópias produzindo multigêmeos.
  • A Instrução Normativa nº 8 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio (anexo) vê a clonagem sob a ótica da manipulação biológica utilizando técnicas de engenharia genética e, neste aspecto, entende que parte da questão está contemplada na Lei 8974/95. Esta lei , em seu artigo 8º, proíbe entre outras coisas, a manipulação de células germinais humanas em organismos geneticamente modificados. Deve-se mencionar que a lei 8974/95 delega poderes à CTNBio para regulamentar apenas aspectos relativos à Engenharia Genética, veda a manipulação genética de células germinais humanas em organismos geneticamente modificados e não considera as atividades relativas à Fertilização in Vitro. Porém, importa chamar atenção que são as atividades exercidas nessa modalidade de reprodução assistida que podem potencialmente realizar uma clonagem humana, pois manipulam células germinais humanas e realizam micromanipulação e microinjeção, em processos de injeção intracitoplasmática. Mas, reafirmamos, não são reguladas pela lei 8974/98.
  • A lacuna da legislação nacional relativa à Reprodução Assistida, deve ser alvo de ação legislativa neste contexto das novas invenções relativas à clonagem - afinal, a clonagem de seres humanos, no seu sentido intrínseco, é uma reprodução, não sexuada assistida. Assim sendo, a possibilidade de realização de uma clonagem humana fica sem mecanismos legais de controle social.
  • Importa lembrar que tramita no Congresso Nacional um projeto de lei sobre as práticas da Fertilização in Vitro e há entre alguns setores o temor de se engessar o processo científico. Porém, no contexto das novas invenções relativas à clonagem, o apelo da sociedade é de que direitos e deveres devem ser bem caracterizados quando há um cloro potencial de abuso como é o caso das biotécnicas aplicadas à cópia de seres humanos inteiros.
  • A tendência dessas discussões nos principais países líderes em experiências no campo da biotecnologia vai no sentido de se implantar uma regulamentação sobre este tema, sem dúvida, da maior complexidade.

Sabemos da pluralidade de posições sobre o assunto, mas tendo em vista esse breve elenco de questões, nossas discussões sobre a matéria tendem a se encaminhar para o posicionamento de que restrições sobre clonagem de seres humanos inteiros devem compor a legislação sobre os experimentos relativos à Reprodução Assistida com clara diferenciação de:

  1. Experimentos com finalidades terapêuticas
  2. Experimentos com finalidades de fecundação e procriação humana com atenção para a questão da propriedade do embrião com exclusiva dos pais.