PROJETO
DE LEI Nº 1953, DE 1999
Autor:
Silas Câmara
Regulamenta o inciso II do parágrafo 1° e o parágrafo
4° do art. 225 da Constituição, os arts. 1°,
8°, alínea "j", 10, "c", 15 e 16.3
e 16.4 da Convenção Diversidade Biológica,
dispõe sobre o Acesso ao patrimônio genético
e ao conhecimento tradicional associado, sobre a repartição
de benefícios e o Acesso à Tecnologia e Transferência
de Tecnologia derivados de sua utilização, e dá
outras providências.
(APENSE-SE
AO PROJETO DE LEI N 4842, DE 1998)
o CONGRESSO NACIONAL decrera:
TÍTULO I
DAS DISPOSIÇOES GERAIS
Art1° Esta Lei dispõe sobre os direitos
e as obrigações Relativos ao Acesso a componente do
patrimônio genético existente no território
nacional, na plataforma continental, no mar territorial ou na zona
econômica exclusiva ao conhecimento tradicional a ele associado.
sobre a repartição justa e eqüitativa dos benefícios
derivados da exploração do patrimônio genético
e sobre o acesso a tecnologias e transferência de tecnologias
que façam uso de componentes deste patrimônio.
Parâgrafo único. O acesso a componente
do patrimônio genético para fins de pesquisa científica
e desenvolvimento tecnológico. bioprospecção
ou conservação, visando sua aplicação
industrial ou de outra natureza, far-se-á na forma desta
Lei, sem prejuízo dos direitos de propriedade material ou
imaterial que incidam sobre o componente do patrimônio genético
acessado ou sobre o local de sua ocorrência.
Art.
2° Pertence à União o patrimônio
genético existente no territôrio nacional, na platafonna
continental. no mar territorial. ou na zona econômica exclusiva.
Art. 3° O Poder Público zelará
pela preservação da diversidade e pela integridade
do patrimônio genético do País e promoverá
medidas para a utilização sustentável de seus
componentes e a fiscalização das entidades dedicadas
à pesquisa e desenvolvimento e à manipulação
de material genético.
Art. 4° Esta Lei não se aplica ao material
genético humano.
Art. 5° É assegurado o intercâmbio
de componentes do patrimônio genético e do conhecimento
tradicional associado praticado entre comunidades indígenas
e entre comunidades locais. para seu prôprio beneficio e baseado
em prática costumeira.
Art. 6° É proibido o acesso ao patrimônio
genético para o desenvolvimento de atividades nocivas ao
meio ambiente e à saúde humana e para o desenvolvimento
de armas biolôgicas.
TÍTULO II
DAS DEFINIÇÕES
Art. 7° Além dos conceitos e das definições
constantes da Convenção sobre Diversidade Biológica.
considera-se, para os fins desta Lei:
I - Patrimônio genético: a informação
contida nos genes de espécime vegetal. microbiano ou animal
ou em substâncias provenientes do metabolismo destes organismos,
vivos ou mortos, encontrados em condições in situ
ou mantidos em coleções ex situ, desde que tenham
sido coletados em condições in situ, no território
nacional, na platatorma continental, no mar territorial ou na zona
econômica exclusiva:
II - Conhecimento tradicional associado: informação
ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena
ou comunidade local. sobre as propriedades ou usos de espécies
vegetais, microbianas ou animais, constituintes do patrimõnio
genético;
III - Comunidade local: grupo humano com características
culturais próprias. presente no mesmo local por sucessivas
gerações:
IV - Acesso ao patrimônio genético: obtenção
de amostra de componente do patrimônio genético para
fins de pesquisa científica ou, de desenvolvimento tecnoló
gico;
V - Acesso ao conhecimento tradicional associado: obtenção
de informação sobre conhecimento ou prática,
individual ou coletiva, de comunidade indígena ou comunidade
local, sobre as propriedades ou usos de espécies vegetais,
microbianas ou animais, constituintes do patrimônio genético,
para fins de pesquisa científica, ou de desenvolvimento tecnológico;
VI - Acesso à tecnologia e transferência de
tecnologia: acesso ao conhecimento necessário ao desenvolvimento
de processos e produtos que utilizem componentes do patrimônio
genético ou o conhecimento tradicional associado.
VII - Bioprospecção: atividade exploratória
que visa identificar, com ajuda ou não de conhecimento tradicional
associado componentes do patrimônio genético com potencial
de uso sócio-econômico.
TÍTULO III
DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAlS
Art.8° O órgão do Poder Executivo incumbido
de promover a implementação desta Lei e dos atos internacionais
relativos ao patrimônio genético contará, para
seu funcionamento, com um Conselho Deliberativo e um Comitê
Técnico de Assessoramento e terá, dentre outrasas
seguintes competências:
I - conceder autorização e fiscalizar o acesso
a amostra de componente do patrimônio genético existente
em condições in situ, no território nacional.
na plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica
exclusiva e ao conhecimento tradicional associado:
II - conceder autorização e fiscalizar a
remessa de amostra de componente do patrimônio genético
e do conhecimento tradicional associado para instituição
nacional, pública ou privada, ou para instituição
sediada no exterior;
III - acompanhar e avaliar o acesso a tecnologias e a transferência
de tecnologias que façam uso de amostra de componente do
patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado;
IV - divulgar listas de espécies de intercâmbio
facilitado constantes de acordos intemacionais, inclusive sobre
segurança alimentar, dos quais o País seja signatário,
de acordo com o parágrafo único do art. 10 desta Lei;
V - criar e manter base de dados para registro de informações
obtidas no campo durante a coleta de amostra de componente do patrimõnio
genético;
VI - criar e manter base de dados para registro de informações
sobre o conhecimento tradicional associado;
VII - criar , manter e divulgar base de dados para registro
de informações sobre todas as autorizações
de acesso e remessa de amostra de componente do patrimônio
genético e do conhecirnento tradicional associado;
§ 1° Compete ainda, ao órgão
de que trata o caput deste artigo, ouvido o Conselho Deliberativo
e de acordo com o regulamento desta Lei:
I - conceder a instituição pública
ou privada nacional, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins, e a universidade nacional,
pública ou privada, autorização especial de
acesso, com prazo de duração de até dois anos,
renovável por iguais períodos;
II - credenciar instituição pública
nacional de pesquisa e desenvolvimento delegando-lhe mediante convênio,
competência para autorizar a remessa de amostra de componente
do patrimônio genético para instituição
nacional, pública ou privada, ou para instituição
sediada no exterior, respeitadas as exigências do art. 10
desta Lei :
III - delegar a instituição pública
nacional de pesquisa e desenvolvimento, competência para.
quando for o caso, firmar em nome do Órgão de que
trata o caput deste artigo, o Contrato de Utilização
de Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios de que trata o art. 18 desta Lei;
IV - credenciar instituição pública
e privada nacional para. mediante convênio, ser fiel depositária
de amostra representativa de componente do patrimônio genético
a ser remetida para instituição nacional, pública
ou privada, ou sediada no exterior;
§ 2° A vinculação, as competências,
as atribuições e a composição do Conselho
Deliberativo e do Comitê Têcnico de Assessoramento serão
definidas no regulamento.
TITULO IV
DO ACESSO A AMOSTRA DE COMPONENTE DO PATRIMÔNIO GENÉTICO
E AO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO
Art. 9° O acesso a componente do patrimônio
genético existente em condições in situ, no
território nacional, na plataforma continental, no mar territorial
ou na zona econômica exclusiva e ao conhecimento tradicional
associado far-se-á mediante a coleta de amostra e de informação,
respectivamente, e somente será autorizada a instituição
nacional qualificada, conforme definido em regulamento, pública
ou privada, que exerça atividades de pesquisa e desenvolvimento.
§ 1° A Autorização de Acesso
fica condicionada ao recolhimento de recolhimentos, à assinatura
de Termo de Responsabilidade e ao cumprimento das demais exigências,
na forma do regulamento.
§ 2° A participação de pessoa jurídica
sediada no exterior na coleta de amostra de componente do patrimônio
genético in situ. e no acesso ao conhecimento tradicional
associado, somente será autorizada quando feita em conjunto
com instituição nacional qualificada, devidamente
autorizada, conforme definido em regulamento, sendo a coordenação
das atividades obrigatoriamente realizada por esta última
e desde que todas as instituições envolvidas exerçam
atividades de pesquisa e desenvolvimento.
§ 3° A autorização para
acesso à amostra de componente do patrimônio genético
de espécie ameaçada de extinção dependerá
da anuência prévia do órgão competente,
conforme dispuser o regulamento desta Lei.
§ 4° A autorização para
o ingresso em terras indígenas, para acesso à amostra
de componente do patrimônio genético e ao conhecimento
tradicional associado, dependerá da anuência prévia
do órgão indígena oficial, ouvida a comunidade
indígena envolvida.
§ 5° A autorização para
o ingresso em áreas protegidas, para acesso à amostra
de componente do patrimônio genético e ao conhecimento
tradicional associado, dependerá da anuência prévia
do órgão competente, conforme dispuser o regulamento
desta Lei.
§ 6° A autorização para
o ingresso em área de propriedade privada. para acesso à
amostra de componente do patrimônio genético, dependerá
da prévia anuência do proprietário, responsabilizando-se
o beneficiário da autorização a ressarci-lo
por eventuais danos ou prejuízos causados, desde que devidamente
comprovados.
§ 7° A autorização para
o ingresso nas áreas indispensáveis à segurança
nacional, para acesso à amostra de componente do patrimônio
genético e ao conhecimento tradicional associado. ficará
sujeita à audiência prévia do Conselho de Defesa
Nacional;
Art. 10 A remessa de amostra de componente do patrimônio
genético para instituição destinatária
pública ou privada, nacional ou sediada no exterior, será
efetivada mediante a informação do uso pretendido,
e a prévia assinatura pela mesma, de Termo de Transferência
de Material ou Contrato de Utilização do Patrimônio
Genético e Repartição de Benefícios,
observado o cumprimento cumulativo das seguintes condições:
I - depósito de amostra representativa em
banco depositário sediado em instituição credenciada
de acordo com o inciso IV do § 1° do art. 8° desta
Lei;
II - fornecimento de informação obtida
no campo, durante a coleta. para registro em base de dados mencionada
no inciso V do art. 8° desta Lei.
III - fornecimento de informação
sobre tradicional associado, se houver, para registro em mencionada
no inciso VI do art. 8° desta Lei.
IV - fornecimento de informações,
quando for o caso, sobre Acesso à Tecnologia e Transferência
de Tecnologia de que tratam os arts. 11. 12 e 13 desta Lei. sem
prejuízo da legislação de propriedade industrial,
conforme disposto na Lei 9279, de 14/05/96.
Parágrafo único. A remessa de amostra
de componente do patrimônio genético de espécies
consideradas de intercâmbio facilitado em acordos internacionais,
inclusive sobre segurança alimentar, dos quais o País
seja signatário, deverão ser efetuadas em conformidade
com as condições definidas nestes acordos. mantidas
as exigências constantes nos incisos I, II, III e IV deste
artigo.
TÍTULO V
DO ACESSO À TECNOLOGIA E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
Art. 11 A instituição que receber amostra
de componente do patrimônio genético ou conhecimento
tradicional associado, facilitará o acesso e a transferência
das tecnologias que fizerem uso desse patrimônio ou desse
conhecimento à instituição nacional responsável
pelo acesso e pela transferência de amostra de componente
do patrimônio genético e do conhecimento tradicional
associado ou instituição por ela indicada.
Art. 12 O acesso à tecnologia e a transferência
de tecnologia entre as instituições de pesquisa e
desenvolvimento, públicas e privadas, nacionais e sediada
no exterior poderá realizar-se mediante programa conjunto
de pesquisa e desenvolvimento que tenha por objetivo a difusão
e o desenvolvimento de tecnologias para a conservação
e utilização sustentável da diversidade biológica
ou que utilizem amostra do patrimônio genético ou conhecimento
tradicional associado, constituído, entre outros, de:
I - atividades de pesquisa e desenvolvimento:
II - formação de recursos humanos:
III - intercâmbio de informações;
IV - consolidação de infra-estrutura
de pesquisa: ou
V - estabelecimento de empresas de base tecnológica.
Art. 13 As empresas que, no processo de garantir
o acesso e a transferência de suas tecnologias às instituições
nacionais, públicas ou privadas, responsáveis pelo
acesso e pela transferência de amostra de componente do patrimônio
genético e do conhecimento tradicional associado, investirem
em atividades de pesquisa e desenvolvimento no País, que
sejam pertinentes à conservação e utilização
sustentável da diversidade biológica ou que utilizem
o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional
associado, farão jus aos benefícios contorme a Lei
n° 8.661, de 2 de junho de 1993. que dispõe sobre os
incentivos fiscais para a capacitação tecnológica
da indústria e da agropecuária, e a outros instrumentos
de estimulo, nos termos do regulamento.
TÍTULO VI
DA REPARTlÇÃO DE BENEFÍCIOS
Art.
14 Os benefícios resultantes da exploração
econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de
amostra de componente do patrimônio genético, obtidos
por instituição nacional ou com sede no exterior,
serão repartidos de forma justa e equitativa, em percentual
a ser definido no regulamento:
I - com a União, em qualquer caso:
II - com as comunidades indígenas, quando
a amostra for coletada em terra indígena;
III - com as comunidades indígenas ou comunidades
locais, quando a coleta envolver conhecimento tradicional associado;.
IV - com os Estados, os Municípios e o proprietário
privado, quando a amostra for coletada em área de seus respectivos
domínios, a titulo de incentivo para preservação
do patrimônio genético,
Art. 15 Os benefícios decorrentes da exploração
econômica do patrimônio genético acessado por
instituição nacional ou instituição
sediada no exterior, a serem repartidos com a União, de forma
justa e eqüitativa, poderão constituir-se, dentre outros,
de:
I - divisão de lucros e de "royalties"
resultantes da exploração econômica de processos
e produtos desenvolvidos a partir de amostra de componente do patrimônio
genético;
II - acesso a tecnologias e transferência
de tecnologias:
III - licenciamento livre de ônus, de produtos
e processos: e
IV - capacitação de recursos humanos.
Art.16 A exploração econômica
de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente
do patrimônio genético acessada em desacordo com as
disposições desta Lei, sujeitará o infrator
ao pagamento à União de indenização
correspondente a trinta por cento do lucro obtido na comercialização
de produto ou dos "royalties" obtidos de terceiros pelo
infrator, na hipótese de licenciamento de processo ou do
uso da tecnologia, protegidos ou não por propriedade intelectual,
sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Art.17 O Termo de Transferência de Material
é um termo de adesão a ser firmado previamente e devolvido
pela instituição destinatária de amostra de
componente do patrimônio genético.
Parágrafo único O Termo de Transferência
de Material, conforme modelo aprovado pelo regulamento desta Lei,
deverá contemplar a repartição de benefícios,
conforme disposto nos arts. 14 e 15 desta Lei.
Art.18 O Contrato de Utilização do
Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios,
instrumento jurídico multilateral, deverá indicar
e qualificar com clareza as partes contratantes, a saber:
I - de um lado:
a) a União Federal, representada pelo Órgão
referido no art. 8° desta Lei; e
b) o proprietário da área, pública
ou privada; ou o representante da comunidade indígena e do
órgão indígena oficial: ou o representante
da comunidade local.
II - de outro lado:
a) a instituição nacional autorizada
a efetuar o acesso: e
b) a instituição destinatária.
Art. 19 São cláusulas essenciais
do Contrato de Utilização do Patrimônio Genético
e Repartição de Benefícios, as que disponham
sobre:
I - objeto. os seus elementos. a quantificação
da amostra e
II - prazo de duração do contrato:
III - forma de repartição justa e
equitativa de benefícios:
IV - direitos e responsabilidades das partes:
V - direito de propriedade intelectual:
VI - condições de acesso a tecnologias
e transferência de tecnologias, quando for o caso:
VII - rescisão:
VIII - penalidade:
IX - foro.
TÍTULO VII
DAS INFRAÇÕES E DAS SANÇÕES PENAIS
Art. 20 Constituem crimes contra o patrimônio
genético:
I - coletar amostra de componente do patrimônio
genético ou do conhecimento tradicional associado existente
no território nacional, na plataforma continental, no mar
territorial ou na zona econômica exclusiva, para si ou para
outrem, em desacordo com esta Lei.;
Pena - reclusão de seis meses a quatro anos
e multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$5.000,00 (cinco mil reais).
II - utilizar amostra do patrimônio genético
para fins econômicos em desacordo com as cláusulas
constantes do Termo de Transferência de Material ou do Contrato
de Utilização do Patrimônio Genético
e Repartição de Benefícios;
Pena: reclusão de seis meses a cinco anos
e R$500,00 (quinhentos reais) a R$10.000,00 (dez mil reais).
III - remeter para o exterior amostra de componente
do patrimônio genético, sem a autorização
prevista nesta Lei;
Pena - reclusão de seis meses a seis anos
e multa de R$2.000,00 (dois mil reais) a R$15.000,00 (quinze mil
reais).
IV - utilizar amostra de componente do patrimônio
genético para práticas nocivas ao meio ambiente e
á saúde humana:
Pena - reclusão de quatro a oito anos e
multa de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$20.000,00 (vinte mil reais).
V - utilizar amostra de componente do patrimônio
genético para o desenvolvimento de armas biológicas;
Pena - reclusão de doze a trinta anos e
multa de R$20.000,00 a R$100.000,00.
§ 1° Incorre nas mesmas penas o mandante
ou quem, de qualquer modo, concorrer para a prática destes
crimes.
§ 2° Além da pena prevista no inciso
I deste artigo, o material ou o produto do material acessado e os
instrumentos utilizados pelos infratores serão apreendidos.
§ 3° O material ou o produto e os instrumentos
de que trata o parágrafo anterior terão sua destinação
definida pelo órgão competente.
Art. 21 Se a infração for cometida
por pessoa jurídica, ou com seu concurso, incorrerão
nas mesmas penas previstas no art. 18 desta Lei os seus diretores,
proprietários ou gerentes responsáveis pelo ato, ficando
sujeita à multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 50.000.000,00
(cinquenta milhões de reais), à perda de qualquer
incentivo fiscal, ao cancelamento da autorização para
acessar amostra de componente do patrimônio genético,
e impedida de firmar qualquer contrato com a Administração
Pública, pelo prazo de dez anos.
TÍTULO VIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 22 A concessão de direito de.propriedade
intelectual pelos órgãos competentes, sobre processo
e produto obtido a partir de amostra de componente do patrimônio
genético, fica condicionada à observância desta
Lei .
Art. 23 A fiscalização, a interceptação
e a apreensão de amostra de componente do patrimônio
genético acessada em desacordo com as disposições
desta Lei serão exercidas por órgãos federais
de acordo com o que dispuser o regulamento, podendo ainda, tais
atividades serem descentralizadas mediante convênios.
Art. 24 Para os efeitos desta Lei, a espécie
arneaçada de extinção será aquela declarada
como tal, em lista única oficial pelo órgão
competente, conforme dispuser o regulamento desta Lei.
Art. 25 Pela prestação dos serviços
previstos nesta Lei será cobrada retribuição,
cujo valor e processo de recolhimento serão estabelecidos
em ato do titular do órgão da Administração
Pública Federal que estiverem vinculados tais serviços.
Parágrafo único - Os recursos provenientes
da retribuição de que trata este artigo, bem como
aqueles oriundos da repartição de beneficios devidos
à União, constituirão receita própria
do Órgão de que trata o art. 8°, cuja aplicação
será definida em resolução do seu Conselho
Deliberativo.
Art. 26 O Poder Executivo regulamentará esta Lei
no prazo de cento e vinte dias após sua publicação.
Art.
27 Esta Lei entrará em vigor cento e oitenta dias
após a sua publicação.
JUSTIFICATIVA
No remoto ano de 1876, um botânico inglês, Alexander
Wickhan, embarcava, clandestinamente, no navio de bandeira britânica
Amazonas, com destino à Inglaterra, setenta mil sementes
de Hevia brasiliensis, a nossa seringueira. Começava
ali a destruição da economia da borracha e o fim de
um tempo de riqueza, prosperidade e progresso nunca mais visto na
Amazônia.
Das setenta mil sementes contrabandeadas, sete mil brotaram. Transportadas
e aclimatadas as mudas no Ceilão, passaram a produzir seringa
de melhor qualidade e menor preço que a nossa Hevea nativa.
Em 1901, além das plantações inglesas no Ceilão.
começa o cultivo da seringueira nas colônias holandesas
do Oriente. Os alemães fazem experimentos de plantio na África
e os franceses na Indochina.
A produção da borracha nacional representava 50% da
produção mundial em 1910. Em 1926, apenas uma e meia
décadas depois, representava pouco mais de 5%.
Mais de cem anos depois, a história continua se repetindo.
Nossos recursos genéticos continuam sendo contrabandeados
por botânicos, zoólogos, etnólogos e outros
especialistas. disfarçados de turistas, missionários
ou ambientalistas. Junto com os nossos recursos genéticos
são roubados também o conhecimento das populações
indígenas e tradicionais sobre o uso desses recursos.
A floresta amazónica é a última grande floresta
tropical continua do mundo. Em grande medida graças a ela,
o Brasil é um dos países de maior diversidade biológica
do planeta. Em um só hectare da floresta amazônica
existem cerca de 500 espécies vegetais diferentes e cerca
de 50 mil espécies de animais e microorganismos. Esse patrimônio
genético é a matéria-prima da moderna biotecnologia,
tecnologia esta que está na base do desenvolvimento da agropecuária,
das indústrias quimico- farmacêuticas e diversos outros
segmentos industriais essenciais. Em outras palavras. a alimentação,
a saúde e o bem-estar da humanidade dependem, em grande medida.
dos recursos genéticos da Amazônia.
Um quarto dos remédios consumidos na América do Norte
e na Europa contém um ingrediente ativo proveniente de plantas.
Remédios produzidos a partir de plantas faz parte do tratamento
médico padrão no tratamento de doenças do coração,
leucemia infantil, câncer linfático, glaucoma e muitas
outras doenças graves. O mercado mundial desses remédios
movimenta mais de 40 bilhôes de dólares anualmente.
As principais companhias e instituições financeiras,
como o Instituto Nacional do Câncer, nos Estados Unidos, desenvolvem
programas de pesquisa em plantas como o principal meio para identificarem
novos remédios.
A Organização Mundial da Saúde estima que três
e meio bilhões de pessoas nos países em desenvolvimento
dependem de remédios a base de plantas para cuidar da saúde.
As terapias tradicionais utilizando ervas medicinais vem crescendo
em popularidade também nos países desenvolvidos. A
FAO estima que entre quatro e seis mil espécies de plantas
medicinais são comercializadas no mercado internacional.
Em 1992, o crescente mercado de vendas a varejo desse tipo de produto
alcançou a cifra de um e meio milhão de dólares
nos Estados Unidos e um valor aproximado na Europa.
Estima-se que os países desenvolvidos recebam 5 bilhões
e quatrocentos mil dólares anualmente em royalties de produtos
das florestas tropicais. Estão operando nos Estados Unidos
cerca de 200 empresas com o principal objetivo de fazer a prospecção
de novos produtos naturais nas florestas tropicais. São retirados
todo ano da Amazônia, cerca de 20 mil exemplares de material
genético.
Junto com o material genético são roubados, como disse
antes, os conhecimentos das nossas populações indígenas
e tradicionais. O conhecimento tradicional pode representar uma
economia de cerca de 80% dos investimentos necessários para.
a fabricação de um único remédio. Um
medicamento novo, para ser produzido e levado ao mercado, consome
cerca de 350 milhões de dólares em um período
que leva de 5 a 13 anos e gera aproximadamente um bilhão
de dólares de lucros por ano. Portanto, a economia proporcionada
pelo conhecimento tradicional é da ordem de 300 milhões
de dólares.
Por mais de um século, os recursos biológicos foram
considerados. no cenário internacional, como uma herança
comum da humanidade, à disposição .de qualquer
pessoa interessada em utilizá-los. Mas isto mudou. desde
a Convenção sobre Diversidade Biológica. concluída
no Rio de Janeiro em 1992 e aprovada pelo Brasil em 1994. A Convenção
sobre Diversidade Biológica reconhece a soberania dos países
sobre os seus recursos genéticos. O acesso a esses recursos
só pode ser feito de acordo com as leis e mediante autorização
do país que os detém. Os beneficios advindos da exploração
econômica dos recursos genéticos devem ser partilhados
de forma justa e equitativa, vale dizer, os países que fornecem
esses recursos devem ser devidamente remunerados.
Nada disso, todavia, vem sendo observado. A Convenção
sobre Diversidade Biológica. em grande parte como resultado
da falta de capacidade do Brasil para regulamentar e controlar o
que sai por suas fronteiras, segue sendo uma bela carta de intenções.
Vejamos alguns exemplos: Uma comissão de sindicância
da Assembléia Legislativa do Acre constatou que, o ano de
1996, mais de 500 quilos de sementes, de várias espécies
amazónicas. foram contrabandeadas para países desenvolvidos.
A
empresa International Plant Medicine Corp. , com sede na Califórnia,
patenteou a Oasca, planta tropical considerada sagrada. usada há
pelo menos quatro séculos em rituais religiosos por mais
de 300 tribos indígenas da Amazônia. A Oasca é
um cipó, com propriedades terapêuticas, de efeitos
alucinógenos. Seitas como o Santo Daime. desde a década
de trinta, distribuem aos fiéis na forma de chá como
sacramento durante os rituais de purificação.
O químico Conrad Gorinsky, presidente da Fundação
para Etnobiologia, de Londres, conseguiu, do Escritório de
Patentes Europeu, o direito de propriedade intelectual, em escala
mundial, sobre dois compostos farmacológicos originários
de plantas da Amazônia, cujos usos pertencem à tradição
dos índios Wapixana, de Roraima: o Rupununine, que tem aplicações
anticoncepcionais, e o Cunaniol, estimulante do sistema nervoso.
O Coriell Cell Repositories, do Coriel lnstitute for Medical Research,
da Universidade de Vale, mantém e comercializa, até
pela internet, células e DNA de índios brasileiros,
como os Karitiana e Suruí. de Rondônia.
Os balcões da Arnerican Type Culture Collection exibem microorganismos
patenteados por esses laboratórios, depois de coletados na
Amazônia. São vendidos ao preço médio
de 500 dólares a cultura.
A Fox Chase Cancer Center, com.sede na Filadélfia, registrou
a patente da planta conhecida como quebra-pedra, que tem aplicações
específicas contra a hepatite B. O gênero da planta
é comum na Arnazônia e suas qualidades terapêuticas
sobre complicações hepáticas e renais são
há muito conhecidas de índios e caboclos.
A Johnson & Johnson mantêm um acordo de pesquisa com a
Faculdade de Farmácia de Ribeirão Preto e propôs
um acordo idêntico à Universidade do Amazonas, que
recusou a proposta alegando que todos os direitos de publicação,
patente ou de processos industriais desenvolvidos a partir das pesquisas
passariam a ser de propriedade da Johnson. Já a Phytos Pharmaceuticals
Inc. habitualmente convida cientinstas do Brasil. China e Tailândia
para "colaborarem em pesquisa. Oferece "treinamento adicional"
em seus laboratórios para a classificação de
plantas e preparação de extratos certificados. A empresa
vende cerca de 20 mil extratos por ano. Outro grupo, a Produtos
Farmacêuticos Siemens. mandou cartas a pesquisadores do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, propondo "colaboração
em pesquisa" com seus laboratórios na Itália,
nas quais especifica até mesmo a transportadora a ser usada
para a remessa do material coletado. Já o Instituto de Farmacologia
Médica da Universidade de Roma fez propostas formais de pagamento
a cientistas brasileiros pela coleta e envio de peles de detenninadas
rãs que são fontes primárias de analgésicos
muito mais potentes do que a morfina e com menores efeitos colaterais.
Esses últimos exemplos chamam a atenção para
uma forma de biopirataria menos evidente que é a obtenção
de material genético de forma legal ou, dizendo melhor, aproveitando-se
das lacunas na legislação brasileira, através
das instituições de pesquisa nacionais, fato que vem
sendo denunciado por muitos cientistas brasileiros.
Todos esses dados constam do relatório da CPI da biopirataria.
constituída nesta Casa em 1997 para investigar o roubo do
nosso patrimônio genético. Uma das conclusões
daquela CPI é a de que nós não dispomos de
legislação adequada para controlar o acesso aos nossos
recursos genéticos e coibir a pilhagem pura e simples.
A biopirataria, como os dados expostos demonstram, causa incalculáveis
prejuízos à nação. Precisamos urgentemente
de uma legislação capaz de controlar o acesso aos
nossos recursos genéticos, coibir a ação dos
biopiratas, estimular o desenvolvimento de biotecnologias e assegurar
a justa repartição dos benefícios advindos
da exploração comercial do nosso patrimônio
biológico e cultural. É com este propósito
que estamos apresentando o presente projeto.
Salas
das Sessões, em 28 de outubro de 1999
Deputado Silas Câmara
|