PROJETO DE LEI Nº 2904, DE 1997
Autor: Deputada Sandra Starling
Altera
a redação do inciso III do art. 13 da Lei n°
8974, de 5 de janeiro de 1995, e dá outras providências.
(APENSE-SE
AO PROJETO DE LEI Nº 2811, DE 1997)
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art 1º O inciso III do art. 13 da Lei n°
8974, de 5 de janeiro de 1995 passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art.
13 ...............................................................................................
III – a produção, armazenamento ou manipulação
de embriões humanos ou células somáticas
de ser humano, induzidas em cultura a funcionar como célula
germinativa, destinadas a servirem como material biológico
disponível;
Pena – reclusão de seis a vinte anos”
Art
2° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art
3° Revogam-se as disposições em contrário.
JUSTIFICATIVA
O Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, do Superior Tribunal de
Justiça, em instigant ensaio publicado no caderno “Direito
e Justiça” do Correio Braziliense, edição
de 04 de março de 1996, assinalava que “o progresso
da ciência reflete no direito”. No entanto, a velocidade
do desenvolvimento científico e tecnológico é
maior que a da normatização jurídica de atos
de técnica praticados pelo homem. Apesar disso, a oredem
jurídica não pode furtar-se ao exame das atividades
de pesquisa e seus resultados, ante desdobramentos de toda natureza
que podem implicar. Sendo assim, mesmo que com evidente atraso
em relação ao processo científico, o direito
positivo sobre ele incide, para moldá-lo, autorizando-o
ou inibindo-o. Cabe, evidentemente, ao Estado resguardar as condições
necessárias de liberdade para que se aprimorem os conhecimentos
científicos. Mas é também tarefa do Poder
Público disciplinar, monitorar, controlar e condicionar
experimentos, em face dos imperativos de bem-estar da humanidade,
dignidade de cada um dos indivíduos e preservação
da vida em toda a sua diversidade.
Dizia
Albert Einstein que “a ciência não é
capaz de criar fins, e muito menos de incuti-los nos seres humanos;
no máximo, a ciência pode suprir os meios com os
quais atingir certos fins. Os próximos fins, porém,
são concebidos por personalidades possuidoras de ideais
éticos (...) e esses fins são adotados e levados
adiante pelos muito seres humanos que determinam a lenta evolução
da sociedade. Por estas razões, devemos Ter a precaução
de não superestimar a ciência e os métodos
científicos quando há problemas humanos em causa;
e não devemos presumir que os especialistas sejam os únicos
a ter o direito de se expressar sobre as questões que afetam
a organização da sociedade”. “Pesquisas
perspicazes e trabalhos científicos incisivos – lembrava
o grande físico alemão – tiveram, muitas vezes,
implicações trágicas para a humanidade, produzindo,
por um lado, invenções que libertaram o homem do
trabalho físico exaustivo, tornando a vida mais fácil
e mais rica, mas, por outro lado, introduzindo em sua vida uma
profunda inquietação, tornando-o escravo de seu
ambiente tecnológico e – o mais catastrófico
de tudo – criando os meios para sua própria destruição
em massa. Essa é, sem dúvida, um tragédia
de pungência avassaladora”.
Os
“princípios concebidos por personalidades possuidoras
de ideais éticos” foram, no campo das formulações
relativas à saúde, à vida e à morte,
constituindo um acervo de orientações e regulações
de variados níveis que se convencionou chamar bioética.
Pauta-se a bioética pelo fundamento da não maleficência
que, por processos culturais, projeta, no campo da normatização
estatal, diretrizes que tornam eficaz a regra básica de
convívio humano: não se deve produzir o mal; em
sentido contrário, deve-se induzir a formulação
de normas que resguardem o bem, assim conceituado a partir das
reflexões em bioética e de outros axiomas morais.
No
constitucionalismo brasileiro, essas regras basilares podem ser
encontradas entre os direitos e garantias fundamentais, ou, esparsamente,
no tratamento dado à ordem econômica, à educação,
à saúde, à ciência e tecnologia, à
defesa e preservação do meio ambiente. Em nível
infraconstitucional, no que pertine ao este projeto pretende regular,
a sanção da Lei n° 8974, de 5 de janeiro de
1995, significou notável concretização de
parâmetros para a atividade engenharia genética,
vis-à-vis a preservação da diversidade, tendo
em vista a aplicação do princípio da não
maleficência.
Mas,
como o direito caminha a passo de cágado e a ciência
segue cada vez mais acelerada, movida por gigantescos financiamentos,
nunca desinteressados, os agentes políticos são
sempre surpreendidos pela última descoberta ou pela mais
recente inovação.
Maravilhamo-nos
com a descoberta do DNA, por Watson e Crick, aproximamo-nos da
decifração do enigma do surgimento da vida com a
sopa de aminoácidos obtida por Miller, fascinamo-nos com
as notícias dos primeiros bebês de proveta, mas,
definitivamente, assustamo-nos quando Hall anunciou, em 1993 a
duplicação de embriões humanos, a partir
de um único zigoto, experiência interrompida pelo
próprio pesquisador por motivos éticos, após
as primeiras mitoses. E agora, com os registros do experimento
de clonagem partenogênica de Wilmut, tem-se a confirmação
do que, há pouco tempo atrás, era mera especulação:
pode-se clonar um ser humano.
O
nascimento da ovelha Dolly tornou palpável, hipótese
factível, o que antes não passava de ficção
nos livros de Asimov ou de Huxley. E a referida Lei n° 8974/95
já não é suficiente para punir, em razão
de brechar na tipificação criminal, a possível,
perigosa e injurídica experiência de induzir células
somáticas da espécie humana a, em cultura, atuarem
como células germinativas. Não havendo ainda exata
descrição dessa espécie de experimentação
como fato típico e sendo vedado o recurso à analogia
em matéria penal, urge que se defina como delito a indução
de células diplóides a comportamento de ovo humano.
Possível
a clonagem um ser humano, já se podem antever perigosos
desdobramentos políticos, militares, civis, ambientais,
penais, sociais e morais da reprodução em série
de exemplares do Homo sapiens. Não tardarão as vendas
em bolsa de “ofertas de eternidade”, para quem puder
pagar, evidentemente. Pensemos nas implicações psicológicas
do convívio entre exemplar original e clonado. Ou ainda:
como seria viver o clonado, após a morte da criatura inicial,
uma vida que não é sua, mas apenas de substituição
de alguém que já faleceu? O que dizer da fabricação
de um clone, sem cérebro, apenas para que alguém
tenha disponível material de “transplante”,
em caso de grave enfermidade?
Um
futuro monstruoso pode estar se avizinhando, com repercussões
piores que a própria invenção da bomba atômica.
Não há possibilidade de concessões nesse
campo, a menos que estejamos dispostos a tolerar que o horror
das experiências de Mengele, trazidas para as telas de cinema,
como enredo fictício, em “Os Meninos do Brasil”,
se torne uma apocalíptica realidade.
Sala
das Sessões, em 25 de março de 1997
Deputada Sandra Starling