PROJETO DE LEI Nº 3078, DE 2000

Autores: Deputado Jorge Costa

Dispõe sobre a coleta de amostra de materiais orgânicos para identificação individual pelo isolamento do DNA, sem ofender ou violar dispositivos isentos no artigo 5° da Constituição Federal, disciplina procedimentos para a realização de testes de DNA e dá outras providências.

(Às Comissões de Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Redação (Art.54)

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art 1º Fica instituída a coleta de materiais orgânicos humanos para a identificação pessoal através do isolamento do DNA (ácido desoxirribonucléico).

§ 1º O isolamento do DNA será realizado a partir da coleta de materiais orgânicos eliminados por canais excretores ligados a determinadas glândulas, como as salivares, renais, ou mamárias, ou de partes de tecidos humanos excrescentes, como pêlos, unhas e fios de cabelos.

§ 2º O material deverá ser pronto e corretamente identificado no momento da coleta, de acordo com o respectivo procedimento operacional padrão.

§ 3º Deverão ser definidos critérios para a aceitação ou rejeição das amostras coletadas, e definidas as condições de segurança para o transporte das mesmas, quando necessário.

§ 4º Os estabelecimentos licenciados para realizarem as coletas deverão possuir um programa interno de controle de qualidade, mantendo registros das mesmas por, no mínimo, 3 (três) anos.

Art 2º Fica vetada expedição de documentos de identidade, ou de suas vias subseqüentes, sem a entrega prévia da respectiva identificação do DNA ao órgão emitente.

Art 3º A coleta de amostra e o exame destinado à identificação individual, a que se refere o caput do art 1°, observarão, no que couber, a legislação pertinente às normas federais de saúde e de biossegurança.

Art 4º É de competência e atribuição exclusiva das Secretarias Estaduais de Saúde o licenciamento e a fiscalização dos estabelecimentos que realizarão testes de DNA.

§ 1º O controle de qualidade externo será exercido por instituições científicas que desenvolverem pesquisas na área da Biologia Molecular.

§ 2º Os estabelecimentos laboratoriais deverão usar de total transparência quanto às medidas tomadas para garantir que não ocorreram fraudes ou erros.

Art 5º Os estabelecimentos licenciados facultarão aos interessados, ou seus representantes legais, o acesso às informações relativas aos respectivos DNA.

Art 6º Os estabelecimentos que se destinam à realização de testes de DNA só poderão funcionar sob a responsabilidade técnica de médico com especialidade em genética ou especialidade correlata, legalmente habilitado ao exercício profissional.

Parágrafo único. Os biólogos ficam habilitados para a realização dos exames laboratoriais, sendo, contudo, o laudo conclusivo de competência exclusiva do profissional referido no caput.

Art 7º
É de competência das Secretarias Estaduais de Segurança o estabelecimento de critérios para a utilização das identificações pessoais através do DNA.

Art 8º Em casos judiciais, os resultados dos testes de DNA deverão ser entregues às autoridades competentes que os requisitarem.

Art 9º Considerar-se-á perícia médica todo ato profissional requisitado por autoridade competente, realizado por médico, para esclarecimento de fatos que dependam de conhecimentos específicos, para instrução de processo penal, civil. trabalhista ou administrativo.

§ 1º Os exames periciais serão realizados por perito devidamente nomeado, nos termos do Capitulo VI, Seção VII, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

§ 2º Serão nulos os laudos periciais emitidos por estabelecimento que estiver impedido de exercer atividades na data da coleta da amostra do material.

§ 3º Será concedido o direito da contraprova nos exames em que ocorrer suspeição de fraude, observando o disposto no parágrafo único do art 2º do Código Penal.

Art 10 Todas as exclusões criminais deverão ser confirmadas pela metodologia de PRC (reação em cadeia de polimerase).

Art 11 O DNA resgatado em casos forenses, quando estiver degradado para permitir a análise individual, deverá observar o sistema de tipagem por PRC, baseado em segmentos menores do DNA humano.

Art 12 Na resolução de disputas de investigação de paternidade deverá ser utilizada, pelo menos, a metodologia das impressões digitais de DNA com sondas multilocais, sendo considerados nulos os laudos periciais fundamentados em metodologia diferente da citada.

Art 13 Deverão constar dos laudos periciais as metodologias empregadas, o número de sondas aplicadas, a discriminação das mesmas e o cálculo estatístico de natureza genética e populacional.

Art 14 Serão aceitos, em casos forenses, alternativarnente, baterias compostas pelas 6 (seis) sondas unilocais com alto nível de informações para resolver perícias padrão, desde que as freqüências alélicas adequadas estejam estabelecidas nos principais grupos étnicos e que as taxas de mutação sejam conhecidas.

Art 15 Os centros de pesquisas na área da Biologia Molecular e os estabelecimentos credenciados deverão constituir bancos de dados das freqüências populacionais dos sistemas genéticos utilizados.

Parágrafo único. Os bancos de dados devem estar disponíveis para consulta e divulgados através de publicações de interesse para pesquisa genética.

Art 16 As infrações ao disposto nesta lei ficarão sujeitas às penalidades previstas na legislação pertinente, sem prejuízos de outras sanções cabíveis, nos lermos da legislação civil.

Art 17 Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art 18 Revogam-se as disposições em contrário.

JUSTIFICATIVA
Este projeto visa utilizar procedimentos análogos aos atualmente utilizados na identificação datiloscópica, porém padrões mínimos aqui relatados são indispensáveis para a aplicabilidade do teste de DNA em perícias médicas que têm por escopo a elucidação de crimes de graus variados de complexidade ou que visem deslindar disputas judiciais de patemidade.

Trata-se, portanto, de verificação feita através do DNA nestes casos citados e também relativos às avançadas experiências no campo da própria biotecnologia quando se refere a transplante de órgãos, tecidos, uso de células sexuais e mesmo transferência de embriões com relação ao desvio de suas finalidades.

Nesta oportunidade, tinha breve exposição das pesquisas e dos testes de DNA se faz necessária para que se possa entender a necessidade de uniformização de procedimentos destes testes em perícias médicas.

Histórico
Foi sugerido, em 1985, pela primeira vez, que os padrões de DNA poderiam revelar-se um poderoso método de identificação de indivíduos. O início do emprego do DNA, em criminalística, ocorreu em outubro de 1986, em uma investjgação na qual o DNA inocentou o principal suspeito. Em 1987 os testes de DNA já estavam sendo apresentados nos tribunais do Reino Unido e nos Estados Unidos. Em 1989 ocorreu o primeiro ataque aos procedimentos técnicos e validade científica dos testes de DNA em criminalística (Lander, E.S. - 1989 - "DNA fingerprint on trial" - Nature 339:501 - 505).

Em face das críticas, o U.S. Congress Office of Tecnology Assesment apresentou um parecer concluído que as identificações baseadas no DNA seriam cientificamente corretas desde que a tecnologia utilizada fosse apropriada e fossem implementados controles de qualidade.

Não obstante, mais ataques ocorreram nos Estados Unidos quanto aos aspectos estatísticos utilizados para identificações inequívocas (Lewontin, R.C. e Hartl, D.L. - 1991 - "Population genetics in 10 - rensic DNA Typing" -Science 254: 1745 -1751 ).

Em 1992 a National Academy of Science of the U.S.A. emitiu um parecer destacando a validade dos testes de identificação baseados no DNA mediante a observância de determinadas diretrizes na realização dos testes. Nos últimos anos ocorreram enormes avanços nas áreas da biotecnologia e na elucidação da hipervariabilidade genética, originando tópicos de grande interesse, tais como a variação interna em minissatélites, expansão dos microssatélites, expansão dos microssatélites na etiologia de algumas doenças genéticas, genética populacional de microssatélites, etc.

Os locos mais variáveis descobertos no genoma humano são os locos VNTR (Variable Number of Tandem Repeats), base para a maioria dos modernos sistemas de identificação pelo DNA. O papel importante da seqüência de minissatélites consiste na possibilidade do uso de sonda de hibridização de DNA, composta da repetição em tandem, capazes de detectar fragmentos de DNA humano para produzir uma impressão digital de DNA específica de um indivíduo.

Os Genes
Constituem-se do denominado ácido desoxirribonuncléico, estando a informação escrita em uma linguagem química (Código Genético) formada por um alfabeto de quatro letras: A (adenina); C (citosina), G (guanina) e T (timina). Assim, as letras são alinhadas para formarem palavras, frases, etc. As moléculas A, C, G e T são colocadas em série gerando as instruções genéticas do DNA.

As moléculas longas de DNA, que estão contidas nos cromossomas, no núcleo de todas as células, são compostas de duas faixas que se encaixam. Assim, a variabilidade genética da população é uma conseqüência de diferenças nas variações de bases de DNA. Como não é possível obter a sequência do DNA de uma pessoa, utiliza-se a técnica das sondas de DNA.

Teste de DNA
É imprescindível que qualquer profissional ou laboratório que se comprometa a realizar uma perícia domine as três metodologias de testes de DNA (MLP, SLP e PCR de locos únicos). No Brasil, infelizmente, existem biólogos sem formação adequada oferecendo exames de DNA simplificados e, em alguns casos; com análise de PCR de 6 locos apenas. Estes exames não, permitem uma definição inequívoca, pois só comparam perfis genéticos. Ao solicitar-se um orçamento para deslinde de qualquer fato é fundamental a indagação de quais tipos de testes serão usados. Para avaliar um orçamento é necessário saber diferenciar as poderosas "Impressões Digitais do DNA" obtidas com MLP, de um simples "Perfil Genético" obtido com SLP.

A metodologia das MLP é quase infalível, mas devido à possibilidade de erro humano torna-se imprescindível a confirmação dos resultados. No caso de problemas técnicos, de nada adiantaria a repetição do teste com a mesma metodologia como fazem laboratórios despreparados.

A metodologia das MLP é a mais poderosa para fim específico de determinação de paternidade pelo DNA e a única que permite a obtenção das "impressões Digitais do DNA". As outras metodologias são eficientes e úteis em casos de criminalísticas, porém
não são poderosas como as MLP, e só permitem definir um "Perfil Genético" do indivíduo.

Outro aspecto que cumpre salientar é o fato de alguns laboratórios despreparados aplicarem a denominada "regra da multiplicação" sem considerarem se os requisitos para a panmixia estão satisfeitos. A subestrutura populacional ocasiona dependências estatísticas que não podem ser negligenciadas.

Estudos sobre os elementos de transposição, ou sobre a real possibilidade de algum fato induzir a ocorrência de surtos de transposição em determinado instanta, foram realizados por eminentes pesquisadores, como Shapiro (Mobile Genetic Element - New York - Academic Press - 1993), e Galas e Chandler (On the Molecular Mechanism of Transposition - National Academy of Science - vol, 78). Os transposons são fragmentos de DNA datados da capacidade de realizar um verdadeiro salto, modificando a seqüência linear do DNA, provocando, destarte, o fenômeno das mutações. Os transposons foram encontrados em todos os organismos, sendo componentes usuais do material genético. Os elementos de transposição causam freqüentes rearranjos em extensas regiões do DNA.

O passo essencial em produzir dados de loci hipervariáveis inclui a fragmentação do DNA, usando uma enzima de restrição, fracionamento de fragmentos do DNA, usando géis de agarose, hibridização de fragmentos de DNA por sondas e então autoradiografia. A avaliação estatística dos "Perfis Genéticos", obtidos com sondas unilocais, requer conhecimento das freqüências alélicas e pressupostos a respeito da estrutura da população nas perícias.

Assim sendo, por se tratar de um assunto de relevante importância é que vimos apresentar o presente projeto, solicitando o apoio de nossos pares nesta Casa para sua imediata transformação em lei.

Sala das Sessões, 23 de maio de 2000.
Deputado Jorge Costa