PROJETO
DE LEI Nº 3634, DE 2001
Autor: Deputado Paulo Mourão
Dispõe
sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados
e dá outras providências.
o CONGRESSO NACIONAL decrera:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇOES PRELIMINARES
Art. 1°
Esta Lei dispõe sobre o acesso a componente do patrimônio
genético existente no território nacional, na plataforma
continental e na zona econômica exclusiva, bem como ao conhecimento
tradicional associado a componente do patrimônio genético,
a repartição justa e eqüitativa dos beneficios
derivados de sua exploração e o acesso e transferência
de tecnologia para a conservação e utilização
da diversidade biológica.
§ 1° O acesso a componente do patrimônio
genético far-se-á na forma desta Lei, sem prejuízo
dos direitos de propriedade material ou imaterial que incidam
sobre o componente do patrimônio genético acessado
ou sobre o local de sua ocorrência.
§ 2° Aos proprietários e detentores
de bens e direitos de que trata este artigo será garantida,
na forma desta Lei, a repartição justa e equitativa
dos benefícios derivados do acesso ao patrimônio
genético e aos conhecimen tos tradicionais associados.
§ 3° O acesso a componente do patrimônio
genético existente na plataforma continental observará
o disposto na Lei n° 8.617, de 4 de janeiro de 1993.
Art. 2° A exploração do patrimônio
genético existente no País depende de autorização
da União, a quem compete fiscalizar o uso, comercialização
ou aproveitamento para quaisquer fins desses recursos, nos termos
e nas condições estabelecidos nesta Lei.
Parágrafo único. É de propriedade
da União o patrimônio genético existente em
seus bens, bem como nos recursos naturais encontrados na plataforma
continental e na zona econômica exclusiva.
Art. 3° Esta Lei não se aplica ao
todo ou parte de seres humanos, inclusive seus componentes genéticos.
Art.
4° É livre o intercâmbio e a difusão
de componentes do patrimônio genético e do conhecimento
tradicional associado entre comunidades indígenas e entre
comunidades locais, para seu próprio benefício e
baseado em prática costumeira.
Art. 5° É vedado o acesso ao patrimônio
genético para práticas nocivas ao meio ambiente
e à saúde humana e para o desenvolvimento de armas
biológicas e químicas.
Art. 6° A qualquer tempo, existindo indício
ou evidência científica de perigo de dano grave e
irreversível à diversidade biológica, decorrente
de atividades praticadas na forma desta Lei, o Poder Público,
por intermédio da autoridade competente, com base em parecer
técnico e com critérios de proporcionalidade, adotará
medidas destinadas a impedir o dano, podendo, inclusive, sustar
a atividade, na forma do regulamento, respeitada a competência
do órgão responsável pela biossegurança.
CAPÍTULO II
DAS DEFINIÇÕES
Art. 7° Para os efeitos desta Lei aplicam-se
as seguintes definições:
I - acesso a recursos genéticos: obtenção
e utilização de recursos genéticos, material
genético e produtos derivados, em condições
ex situ ou in situ, existentes no território nacional,
na plataforma continental e na zona econômica exclusiva,
de conhecimentos das populações indígenas
e comunidades locais associados a recursos genéticos ou
produtos derivados e de cultivos agrícolas domesticados
e semi-domesticados no Brasil, com fins de pesquisa, bíoprospecção,
conservação, aplicação industrial
ou aproveitamento comercial, entre outros;
II - biotecnologia: qualquer aplicação
tecnológica que utilize sistemas biológicos ou organismos
vivos, parte deles ou seus derivados, para fabricar ou modificar
produtos ou processos para utilização específica;
III - centro de conservação ex
situ: entidade reconhecida pela autoridade competente que coleciona
e conserva os componentes da diversidade biológica fora
de seus hábitats naturais;
IV - conhecimento tradicional: todo conhecimento,
inovação ou prática individual ou coletiva
de população indígena ou comunidade local,
com valor real ou potencial, associado a recurso genético
ou produtos derivados, protegido ou não por regime de propriedade
intelectual;
V - comunidade local e população
indígena: grupo humano distinto por suas condições
sociais, culturais e econômicas, que se organiza total ou
parcialmente por seus próprios costumes ou tradições
ou por uma legislação especial e que, qualquer que
seja sua situação jurídica, conserva suas
próprias instituições sociais, econômicas,
culturais ou parte delas;
VI - condições ex situ: condições
em que os componentes da diversidade biológica são
conservados fora de seus hábitats naturais;
VII
- condições in situ: condições
em que os recursos genéticos existem em ecossistemas e
habitats naturais e, no caso de espécies domesticadas ou
cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades
caracteristicas;
VIII - diversidade biológica: variabilidade
de organismos vivos de todas as origens, compreendendo os ecossistemas
terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e
os complexos ecológicos de que fazem parte, bem como a
diversidade genética, a diversidade de espécies
e de ecossistemas;
IX - diversidade genética: variabilidade
de genes e genótipos entre as espécies e dentro
delas;
X - ecossistema: um complexo dinâmico de
comunidades vegetais, animais e de microorganismos e o seu meio
inorgânico que interagem como uma unidade funcional;
XI - erosão genética: perda ou
diminuição da diversidade genética, por ação
antrópica ou causa natural;
XII - material genético: todo material
biológico de origem vegetal, animal, microbiana ou outra
que contenha unidades funcionais de hereditariedade;
XIII - país de origem de recursos genéticos:
país que possui esses recursos genéticos em condições
in situ, incluindo aqueles que, havendo estado em tais condições,
encontram-se em condições ex situ sob jurisdição
nacional;
XIV - produto derivado: produto natural isolado
de origem biológica, ou que nele esteja estruturalmente
baseado, ou ainda que tenha sido de alguma forma criado a partir
da utilização de um conhecimento tradicional a ele
associado;
XV - provedor do conhecimento tradicional: comunidade
ou grupo que está capacitado, de acordo com esta Lei e
por meio de autorização de acesso, para participar
do processo decisório a respeito do provimento do conhecimento
tradicional que detém;
XVI - provedor de recurso genético: pessoa
física ou jurídica, população indígena
ou comunidade local, capacitada, de acordo com esta Lei e por
meio de autorização de acesso, para participar do
processo decisório a respeito do provimento do recurso
genético, material genético ou de seus derivados;
XVII - recursos biológicos: organismos
ou parte destes, populações ou qualquer outro componente
biótico de ecossistemas, compreendendo os recursos genéticos;
XVIII - recursos genéticos: material genético
de valor real ou potencial, incluindo a variabilidade genética
de espécies de plantas, animais e microorganismos integrantes
da diversidade biológica, de interesse sócioeconômico
atual ou potencial, para utilização imediata ou
no melhoramento genético, na biotecnologia, em outras ciências
ou em empreendimentos afins;
XIX
- repartição de benefícios: compreende
as medidas para promover e garantir a distribuição
dos resultados, econômicos ou não, da pesquisa, desenvolvimento,
comercialização ou licenciamento decorrentes do
acesso a recursos genéticos, incluindo o acesso, transferência
de tecnologia, capacitação física e humana
e biotecnologia e participação em atividades de
pesquisa e desenvolvimento relacionados a recursos genéticos;
XX - uso sustentável: utilização
de componentes da diversidade biológica de modo e em ritmo
tais que não levem, no longo prazo, à diminuição
da diversidade biológica, mantendo assim seu potencial
para atender às necessidades e aspirações
das gerações presentes e futuras;
XXI - Contrato de Utilização do
Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios: instrumento juridico multilateral, que qualifica
as partes, o objeto e as condições de acesso e remessa
de componente do patrimônio genético e conhecimento
tradicional associado, bem como as condições de
repartição de benefícios.
CAPÍTULO III
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 8° Incumbe a todas as pessoas físicas
e jurídicas e ao Poder Público, em particular, preservar
o patrimônio genético e a diversidade biológica
do País, promover seu estudo e uso sustentável e
controlar as atividades de acesso a recursos genéticos,
assim como fiscalizar as entidades dedicadas à prospecção,
coleta, pesquisa, conservação, manipulação,
comercialização, dentre outras atividades relativas
a estes recursos, na forma desta Lei, atendidos os seguintes princípios:
I - integridade do patrimônio genético
e da diversidade biológica do País;
II - soberania nacional sobre os recursos genéticos
e seus produtos derivados, existentes no território nacional;
III - necessidade de consentimento prévio
e fundamentado do Órgão Indigenísta Oficial
para as atividades de acesso aos recursos genéticos situados
nas áreas ocupadas por populações indígenas,
aos seus cultivos agrícolas domesticados e semi-domesticados
e aos conhecimentos tradicionais que detém;
IV - integridade intelectual do conhecimento
tradicional detido pela comunidade local ou população
indígena, garantindo-se-lhe o reconhecimento, a proteção,
a compensação justa e equitativa pelo seu uso e
a liberdade de intercâmbio entre seus membros e com outras
comunidades ou populações análogas;
V - inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade
dos direitos relativos ao conhecimento tradicional detido pela
comunidade local ou população indígena e
aos seus cultivos agrícolas domesticados e semi- domesticados,
possibilitando-se, entretanto, o seu uso, após o consentimento
prévio e fundamentado do Órgão Indigenísta
Oficial, ouvida a respectiva comunidade local ou população
indígena e mediante justa e equitativa compensação,
na forma desta Lei;
VI - participação nacional nos
benefícios econômicos e sociais decorrentes das atividades
de acesso, especialmente em proveito do desenvolvimento sustentável
das áreas onde se realiza o acesso a recursos genéticos
e das comunidades locais e populações indígenas
provedoras do conhecimento tradicional;
VII - realização, obrigatoriamente
no território nacional, das atividades de beneficiamento,
pesquisa e desenvolvimento relacionadas aos recursos genéticos
aos quais o acesso for concedido;
VIII - promoção e apoio às
distintas formas de geração, em benefício
do País, de conhecimentos e tecnologias relacionados a
recursos genéticos e produtos derivados, inclusive estimulando
centros de pesquisa e universidades do exterior ao estabelecimento
de convênios com entidades congêneres no território
nacional.
IX - proteção e incentivo à
diversidade cultural, valorizando-se os conhecimentos, inovações
e práticas das comunidades locais e populações
indígenas sobre a conservação, melhoramento,
uso, manejo e aproveitamento dos recursos genéticos e seus
produtos derivados;
X - compatibilização com as políticas,
princípios e normas relativas à biossegurança;
XI - compatibilização com as políticas,
princípios e normas relativas à segurança
alimentar do País;
XII - compatibilização com as políticas,
princípios e normas relativas às políticas
nacionais de proteção ao meio ambiente;
XIII - cumprimento e fortalecimento da Convenção
sobre Diversidade Biológica e demais atos internacionais
relacionados à conservação e ao uso sustentável
da diversidade biológica.
Art. 9° As autorizações de
acesso a recursos genéticos, seu controle e fiscalização
visam à conservação, ao estudo e ao uso sustentável
da diversidade biológica do País, aplicando-se as
disposições desta Lei a todas as pessoas físicas
e jurídicas, nacionais ou estrangeiras, assim como a:
I - todas as atividades de extração,
uso, aproveitamento, armazenamento ou comercialização,
no território nacional, de recursos genéticos e
seus produtos derivados;
II - qualquer autorização, acordo
ou contrato, público ou privado, relativo a recursos genéticos
e produtos derivados originários do País.
CAPÍTULO IV
DAS ATRIBUIÇOES INSTITUCIONAIS
Art. 10 O Poder Executivo criará um Conselho
lnterministerial, vinculado à Casa Civil da Presidência
da República, composto representantes dos órgãos
que detém competência legal sobre as diversas ações
de que trata esta Lei, com as seguintes finalidades:
I - conceder autorização de acesso
a amostra de componente do patrimônio genético existente
em condições in situ, no território nacional,
na plataforma continental e na zona econômica exclusiva;
II - conceder autorização de acesso
ao conhecimento tradicional associado, mediante anuência
prévia do Órgão Indigenísta Oficial;
III - fiscalizar e monitorar , em articulação
com órgãos federais, as atividades de acesso a amostra
de componente do patrimônio genético e ao conhecimento
tradicional associado;
IV - conceder autorização para
remessa de amostra de componente do patrimônio genético
e de conhecimento tradicional associado para instituição
nacional, pública ou privada;
V - fiscalizar , em articulação
com órgãos federais, qualquer remessa de amostra
de componente do patrimônio genético e do conhecimento
tradicional associado;
VI - acompanhar e avaliar o acesso à tecnologia
e a transferência de tecnologia para a conservação
e utilização do patrimônio genético
e do conhecimento tradicional associado;
VII - divulgar listas de espécies de intercâmbios
facilitado constantes de acordos internacionais, inclusive sobre
segurança alimentar, dos quais o País seja signatário;
VIII - criar e manter base de dados para registro
de informações obtidas a campo durante a coleta
de amostra de componente do patrimônio genético;
IX - criar e manter base de dados para registro
de informações sobre conhecimento tradicional associado;
X - criar , manter e divulgar base de dados para
registro de informações sobre todas as autorizações
de acesso e remessa de amostra de componente do patrimônio
genético e do conhecimento tradicional associado;
XI - conceder à instituição
pública ou privada nacional, que exerça atividade
de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas
e afins, e a universidade nacional, pública ou privada,
autorização especial de acesso, com prazo de duração
de até dois anos, renovável por iguais períodos;
XII - credenciar instituição pública
e privada nacional para, mediante convênio, ser fiel depositária
de amostra representativa de componente do patrimônio genético
a ser remetida para instituição nacional, pública
ou privada;
Art. 11 O Conselho Interministerial de que trata
o artigo anterior, terá sua estrutura e funcionamento dispostos
em decreto específico do Poder Executivo.
Art.
12 O acesso a componente do patrimônio genético
e ao conhecimento tradicional associado somente será autorizado
a instituição nacional, pública ou privada,
que exerça atividades de pesquisa e desenvolvimento nas
áreas biológicas e afins, nos termos do regulamento.
§ 1° O acesso a amostras do patrimônio
genético e ao conhecimento tradicional associado só
poderão ocorrer após obtenção da Autorização
de Acesso junto ao órgão previsto no art. 10.
§ 2° A Autorização de
Acesso fica condicionada ao recolhimento de emolumentos e ao cumprimento
das demais exigências legais e regulamentares.
§ 3° O acesso a amostras do patrimônio
genético, em condições in situ, e ao conhecimento
tradicional associado só poderão ocorrer após
assinatura de Contrato de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios.
§ 4° A participação de
pessoa jurídica sediada no exterior, na coleta de amostra
de componente do patrimônio genético in situ e no
acesso ao conhecimento tradicional associado, somente será
autorizado quando feita em conjunto com instituição
pública nacional, sendo a coordenação das
atividades obrigatoriamente realizada por esta última e
desde que as instituições envolvidas exerçam
atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas
e afins.
§ 5° A pesquisa sobre componentes do
patrimônio genético deve ser realizada obrigatoriamente
no território nacional.
§ 6° A Autorização de
Acesso a amostra de componente do patrimônio genético
de espécie endêmica ou ameaçada de extinção
dependerá de anuência prévia do órgão
competente.
§ 7° A autorização para
ingresso em terras indígenas, para acesso à amostra
de componente do patrimônio genético e ao conhecimento
tradicional associado, dependerá da anuência prévia
do Órgão Indigenísta Oficial que, antes de
proferir sua decisão, deverá consultar a comunidade
indígena envolvida.
§ 8° A autorização para
ingresso em áreas protegidas, para acesso à amostra
de componente do patrimônio genético e ao conhecimento
tradicional associado, dependerá da anuência prévia
do órgão competente.
§ 9° A autorização para
o ingresso em área pública ou privada, para acesso
à amostra de componente do patrimônio genético,
ou de conhecimento tradicional associado, dependerá da
prévia anuência do titular, ou da comunidade local
envolvida, responsabilizando-se o detentor da autorização
a ressarci-lo por eventuais danos ou prejuízos causados,
desde que devidamente comprovados.
§ 10° A autorização para
o ingresso nas áreas indispensáveis à segurança
nacional, para acesso à amostra de componente do patrimônio
genético e ao conhecimento tradicional associado, ficará
sujeita à audiência prévia do Conselho de
Defesa Nacional.
§ 11° A autorização para
ingresso em águas jurisdicionais brasileiras para fins
de coleta de amostras de componentes do patrimônio genético,
associados ou não aos conhecimentos tradicionais, dependerá
de anuência prévia a autoridade marítima.
Art. 13 As coleções ex situ de
amostras do patrimônio genético deverão ser
cadastradas junto ao órgão de que trata o art. 10,
no prazo máximo de um ano, a contar de sua efetiva implementação.
Parágrafo único. A conservação
ex situ de amostras de componentes do patrimônio genético
deve ser realizada preferencialmente no território nacional
ou, quando da necessidade de remessa para o exterior, que previamente
se disponibilize à centros congêneres nacionais tais
amostras.
Art. 14 A remessa de qualquer amostra de componente
do patrimônio genético para instituição
destinatária pública ou privada, nacional ou sediada
no exterior, será efetivada a partir de material em condições
ex situ, mediante a informação do uso pretendido
e a prévia assinatura de Termo de Transferência de
Material, observado o cumprimento cumulativo das seguintes condições,
além de outras que o regulamento estabelecer:
I - depósito de amostra representativa
em banco depositário sediado em instituição
credenciada.
II - fornecimento de informação
obtida a campo, durante a coleta de amostras de componentes do
patrimônio genético, para registro em base de dados.
III - fornecimento de informação
sobre o conhecimento tradicional associado acessado, quando ocorrer,
para registro na base de dados, resguardados os aspectos sigilosos;
IV - fornecimento de informações,
quando for o caso, sobre acesso à tecnologia e transferência
de tecnologia, sem prejuízo da legislação
de propriedade intelectual em vigor e de aspectos sigilosos.
§ 1° O Termo de Transferência
de Material não elide a necessidade da assinatura de Contrato
de Utilização do Patrimônio Genético
e de Repartição de Benefício, mesmo nos casos
em que não que houver perspectiva de uso comercial de produto
ou processo resultante de componente do patrimônio genético.
§ 2° A remessa de amostra de componente
do patrimônio genético de espécies consideradas
de intercâmbio facilitado em acordos internacionais, inclusive
sobre segurança alimentar , dos quais o País seja
signatário, deverá ser efetuada em conformidade
com as condições definidas nesses acordos, mantidas
as exigências constantes dos incisos deste artigo.
§ 3° O Termo de Transferência
de Material terá seu modelo aprovado pelo regulamento desta
Lei.
CAPÍTULO VI
DO ACESSO À TECNOLOGIA E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
Art. 15 A instituição que receber
amostra de componente do patrimônio genético ou conhecimento
tradicional associado facilitará o acesso à tecnologia,
e transferência de tecnologia para a conservação
e utilização desse Patrimônio ou desse Conhecimento
à instituição nacional responsável
pelo acesso e pela transferência de amostra de componente
do patrimônio genético e do conhecimento tradicional
associado, ou instituição por ela indicada.
Art. 16 O acesso à tecnologia e a transferência
de tecnologia entre as instituições de pesquisa
e desenvolvimento, públicas e privadas, nacionais e sediadas
no exterior poderão realizar-se, dentre outras atividades,
mediante:
I - pesquisa científica e desenvolvimento
tecnológico;
II - formação e capacitação
de recursos humanos;
III - intercâmbio de informações;
IV - intercâmbio entre instituições
nacionais de pesquisa e instituições de pesquisa
com sede no exterior;
V - consolidação de infra-estrutura
de pesquisa científica e de desenvolvimento tecnológico;
VI - exploração econômica,
em parceria, de processos e produtos derivados do uso de componente
do patrimônio genético;
VII - estabelecimento de empreendimentos conjuntos de
base tecnológica.
Art. 17 As empresas que, no processo de garantir
o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia
às instituições nacionais, públicas
ou privadas, responsáveis pelo acesso e pela transferência
de amostra de componente do patrimônio genético e
do conhecimento tradicional associado, investirem em atividades
de pesquisa e desenvolvimento no País farão jus
a incentivos fiscais para a capacitação tecnológica
da indústria e da agropecuária, e a outros instrumentos
de estímulo, na forma da legislação pertinente.
CAPÍTULO VII
DA REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS
Art. 18 Os benefícios resultantes da exploração
econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de
amostra de componente do patrimônio genético, obtidos
por instituição nacional ou instituição
sediada no exterior, serão repartidos de forma justa e
equitativa entre a União e as partes contratantes, conforme
dispuser o regulamento.
§ 1° Quando os benefícios de
que trata o "caput" deste artigo decorrerem de exploração
econômica do patrimônio genético acessado em
terras indígenas ou em área de comunidade local,
a respectiva comunidade fará jus a percentual de sua repartição.
§ 2° No caso de a amostra do componente
do patrimônio genético haver sido acessada em área
de propriedade de Estado, de Município ou de particular
, fica garantido ao titular da área percentual dos benefícios
mencionados no "caput" deste artigo, a título
de incentivo para conservação do patrimônio
genético, na forma do regulamento.
Art. 19 As comunidades indígenas ou comunidades
locais farão jus a percentual de benefício decorrente
da utilização de informação do conhecimento
tradicional associado, obtida nessas comunidades.
Art. 20 Os benefícios decorrentes da exploração
econômica do patrimônio genético acessado por
instituição nacional ou instituição
sediada no exterior, a serem repartidos entre as partes contratantes,
de forma justa e equitativa, poderão constituir-se, dentre
outros, de:
I - divisão de lucros e de royalties resultantes
da exploração econômica de processos e produtos
desenvolvidos a partir de amostra de componente do patrimônio
genético;
II - acesso e transferência de tecnologias;
III - licenciamento, livre de ônus, de
produtos e processos;
IV - capacitação de recursos humanos.
Parágrafo único. O valor dos benefícios
de que trata este artigo não poderá ser inferior
a dez por cento do faturamento bruto obtido na comercialização
de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra do componente
do patrimônio genético.
Art. 21 A exploração econômica
de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente
do patrimônio genético, acessada em desacordo com
as disposiçôes desta Lei, sujeitará o infrator
ao pagamento de indenização correspondente a, no
mínimo, vinte por cento do faturamento bruto obtido na
comercialização de produto ou dos "royalties"
obtidos de terceiros pelo infrator, na hipótese de licenciamento
de processo ou do uso da tecnologia, protegidos ou não
por propriedade intelectual, sem prejuizo das penalidades administrativas
na forma desta Lei e sanções penais previstas na
legislação vigente.
Art. 22 O Contrato de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios, instrumento jurídico multilateral,
deverá indicar e qualificar com clareza as partes contratantes,
a saber:
I - de um lado:
a) a União;
b) o proprietário da área, pública
ou privada, ou o representante da comunidade indígena e
do órgão indigenista oficial, ou o representante
da comunidade local;
II - de outro lado:
a) a instituição nacional autorizada
a efetuar o acesso;
b) a instituição destinatária.
Art. 23 São cláusulas essenciais
do Contrato de Utilização do Patrimônio Genético
e de Repartição de Benefícios, as que disponham
sobre:
I
- objetivo, seus elementos, quantificação
da amostra e uso pretendido;
II
- prazo de duração;
III
- forma de repartição justa e eqüitativa
de benefícios;
IV
- direitos e responsabilidades das partes;
V - direito de propriedade intelectual;
VI - condições de acesso à
tecnologia e transferência de tecnologia;
VII - rescisão;
VIII - penalidades;
IX - foro.
CAPÍTULO VIII
DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS
Art. 24 Considera-se infração administrativa
contra o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional
associado toda ação ou omissão que viole
as regras previstas nesta Lei.
§ 1° As infrações administrativas
serão punidas na forma estabelecida no regulamento desta
Lei, com as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa;
III
- apreensão dos produtos e de componentes do patrimônio
genético;
IV- suspensão de venda do produto;
V- embargo da atividade;
VI - interdição parcial ou total
do estabelecimento, atividade ou em preendimento;
VII - suspensão de registro, licença
ou autorização legalmente exigidos;
VIII - cancelamento de registro, licença ou autorização
legalmente exigidos;
IX - perda ou restrição de incentivos
e beneficios fiscais concedidos pelo governo;
X - perda ou suspensão da participação
em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
XI - intervenção no estabelecimento;
XII - proibição de contratar com
a Administração Pública, por período
de até cinco anos.
§ 2° O material ou o produto e os instrumentos
de que trata o parágrafo anterior terão sua destinação
definida pelo órgão competente, inclusive sua destruição.
§ 3° As sanções estabelecidas
neste artigo serão aplicadas pelo órgão de
que trata o art. 11, na forma processual estabelecida no regulamento
desta Lei, sem prejuizo das sanções civis ou penais
cabíveis.
§ 4° As multas de que trata o inciso
II do § 1° deste artigo serão arbitradas pela
autoridade competente de acordo com a gravidade da infração
e na forma do regulamento, podendo variar de R$ 200,00 (duzentos
reais) a R$ l00.000,00 (cem mil reais), quando se tratar der pessoa
fisica.
§
5° Se a infração for cometida por pessoa
jurídica, ou com seu concurso, a multa será de R$
l0.000,00 (dez mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões
de reais), arbitrada pela autoridade competente, de acordo com
a gravidade da infração, na forma do regulamento.
CAPÍTULO IX
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 25 A concessão de direito de propriedade
industrial pelos órgãos competentes, sobre processo
ou produto obtido a partir de amostra de componente do patrimônio
genético, fica condicionada à observância
desta Lei, devendo o requerente informar a origem do material
genético e do conhecimento tradicional associado, quando
for o caso.
Art. 26 A fiscalização, a interceptação
e a apreensão de amostra de componente do patrimônio
genético acessada em desacordo com as disposições
desta Lei serão exercidas por órgãos federais,
de acordo com o que dispuser o regulamento, podendo, ainda, tais
atividades serem descentralizadas, mediante convênios.
Art. 27 Pela prestação dos serviços
previstos nesta Lei será cobrada retribuição,
cujo valor e processo de recolhimento serão estabelecidos
em ato do titular do órgão da Administração
Pública Federal a que estiverem vinculados tais serviços.
Parágrafo único. Os recursos provenientes
da retribuição de que trata este artigo constituirão
receita própria do órgão de que trata o art.
11, cuja aplicação será por ele definida
em resolução.
Art. 28 A parcela dos lucros e os royalties,
devidos à União, resultantes da exploração
econômica de processos ou produtos desenvolvidos a partir
de amostra de componente do patrimônio genético,
bem como as multas e indenizações de que trata esta
Lei serão destinados ao Fundo Nacional do Meio Ambiente,
criado pela Lei n° 7.797, de 10 de julho de 1989, ao Fundo
Naval, criado pelo Decreto n° 20.923, de 8 de janeiro de 1932,
e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico,
criado pelo Decreto-Lei no 719, de 31 de julho de 1969 e restabelecido
pela Lei n° 8.172, de 18 de janeiro de 1991, na forma do regulamento.
Parágrafo único. Os recursos de
que trata este artigo serão utilizados na conservação
da diversidade biológica, na promoção do
uso sustentável de seus componentes, no fomento à
pesquisa científica, no desenvolvimento tecnológico
associado ao patrimônio genético e na capacitação
de recursos humanos.
Art. 29 As disposições desta Lei
não se aplicam à matéria regulada pela Lei
n° 8.974, de 5 de janeiro de 1995.
Art. 30 Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação.
O
Brasil, graças à sua extensão continental
e localização nos trópicos, é uma
dos paises de maior diversidade biológica em todo o mundo.
Com o desenvolvimento, nas últimas décadas, da moderna
biotecnologia, em especial a engenharia genética, a diversidade
biológica ganhou uma importância econômica
extraordinária. O material genético é hoje
a matéria prima da moderna indústria farmacêutica
e de alimentos e uma infinidade de outras atividades industriais,
movimentando um mercado da ordem de bilhões de dólares.
Até a Convenção das Nações
Unidas sobre Diversidade Biológica concluída em
1992, prevalecia no cenário internacional o entendimento
de que o material genético era um patrimônio comum
da humanidade, entendimento admissível em uma época
em que esse recurso era acessado com finalidades predominantemente
científicas ou para o desenvolvimento de plantas e animais
para uso agropecuário. A Convenção sobre
Diversidade Biológica consagrou o princípio da soberania
dos paises detentores de grande riqueza genética sobre
esses recursos. A Convenção estabelece que o pais
provedor de recurso genético não pode, em princípio,
impedir o acesso dos paises interessados aos seus recursos, mas
diz que este acesso será feito nas condições
estabelecidas pelo pais provedor. Diz ainda a Convenção
que os lucros derivados da exploração comercial
de produtos elaborados a partir de material genético devem
ser justa e equitativamente divididos com o pais provedor e, o
que é mais importante, como contrapartida ao acesso ao
material genético o pais destinatário desse recurso
deve assegurar ao pais provedor o acesso às tecnologias
necessárias ao desenvolvimento de produtos biotecnológicos.
O Brasil não dispõe de legislação
regulamentando de forma apropriada o acesso aos nossos recursos
genéticos. A implementação da Convenção
sobre Diversidade Biológica no pais depende da solução
desta lacuna legal. Na ausência de lei sobre o tema, tem
sido particularmente difícil controlar a saida de material
genético do pais, seja de forma clandestina, a chamada
biopirataria, seja de forma legal, através de instituições
de pesquisa científica e de contratos entre empresas nacionais
e estrangeiras de biotecnologia, com graves prejuízos para
o pais.
Com o propósito, então, de coibir a biopirataria,
impedir a assinatura de contratos de acesso lesivos aos interesses
do Pais e fazer com que a exploração econômica
dos nossos recursos genéticos resulte de fato em desenvolvimento
científico, tecnológico e econômico do Pais,
estamos apresentando o presente projeto de lei.
Sala
das sessões,05 de Outubro de 2000.