PROJETO DE LEI Nº 3634, DE 2001

Autor: Deputado Paulo Mourão

Dispõe sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados e dá outras providências.

o CONGRESSO NACIONAL decrera:

CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇOES PRELIMINARES


Art. 1°
Esta Lei dispõe sobre o acesso a componente do patrimônio genético existente no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, bem como ao conhecimento tradicional associado a componente do patrimônio genético, a repartição justa e eqüitativa dos beneficios derivados de sua exploração e o acesso e transferência de tecnologia para a conservação e utilização da diversidade biológica.

§ 1° O acesso a componente do patrimônio genético far-se-á na forma desta Lei, sem prejuízo dos direitos de propriedade material ou imaterial que incidam sobre o componente do patrimônio genético acessado ou sobre o local de sua ocorrência.

§ 2° Aos proprietários e detentores de bens e direitos de que trata este artigo será garantida, na forma desta Lei, a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados do acesso ao patrimônio genético e aos conhecimen tos tradicionais associados.

§ 3° O acesso a componente do patrimônio genético existente na plataforma continental observará o disposto na Lei n° 8.617, de 4 de janeiro de 1993.

Art. 2° A exploração do patrimônio genético existente no País depende de autorização da União, a quem compete fiscalizar o uso, comercialização ou aproveitamento para quaisquer fins desses recursos, nos termos e nas condições estabelecidos nesta Lei.

Parágrafo único. É de propriedade da União o patrimônio genético existente em seus bens, bem como nos recursos naturais encontrados na plataforma continental e na zona econômica exclusiva.

Art. 3° Esta Lei não se aplica ao todo ou parte de seres humanos, inclusive seus componentes genéticos.

Art. 4° É livre o intercâmbio e a difusão de componentes do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado entre comunidades indígenas e entre comunidades locais, para seu próprio benefício e baseado em prática costumeira.

Art. 5° É vedado o acesso ao patrimônio genético para práticas nocivas ao meio ambiente e à saúde humana e para o desenvolvimento de armas biológicas e químicas.

Art. 6° A qualquer tempo, existindo indício ou evidência científica de perigo de dano grave e irreversível à diversidade biológica, decorrente de atividades praticadas na forma desta Lei, o Poder Público, por intermédio da autoridade competente, com base em parecer técnico e com critérios de proporcionalidade, adotará medidas destinadas a impedir o dano, podendo, inclusive, sustar a atividade, na forma do regulamento, respeitada a competência do órgão responsável pela biossegurança.

CAPÍTULO II
DAS DEFINIÇÕES


Art. 7° Para os efeitos desta Lei aplicam-se as seguintes definições:

I - acesso a recursos genéticos: obtenção e utilização de recursos genéticos, material genético e produtos derivados, em condições ex situ ou in situ, existentes no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, de conhecimentos das populações indígenas e comunidades locais associados a recursos genéticos ou produtos derivados e de cultivos agrícolas domesticados e semi-domesticados no Brasil, com fins de pesquisa, bíoprospecção, conservação, aplicação industrial ou aproveitamento comercial, entre outros;

II - biotecnologia: qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos ou organismos vivos, parte deles ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização específica;

III - centro de conservação ex situ: entidade reconhecida pela autoridade competente que coleciona e conserva os componentes da diversidade biológica fora de seus hábitats naturais;

IV - conhecimento tradicional: todo conhecimento, inovação ou prática individual ou coletiva de população indígena ou comunidade local, com valor real ou potencial, associado a recurso genético ou produtos derivados, protegido ou não por regime de propriedade intelectual;

V - comunidade local e população indígena: grupo humano distinto por suas condições sociais, culturais e econômicas, que se organiza total ou parcialmente por seus próprios costumes ou tradições ou por uma legislação especial e que, qualquer que seja sua situação jurídica, conserva suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais ou parte delas;

VI - condições ex situ: condições em que os componentes da diversidade biológica são conservados fora de seus hábitats naturais;

VII - condições in situ: condições em que os recursos genéticos existem em ecossistemas e habitats naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades caracteristicas;

VIII - diversidade biológica: variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte, bem como a diversidade genética, a diversidade de espécies e de ecossistemas;

IX - diversidade genética: variabilidade de genes e genótipos entre as espécies e dentro delas;

X - ecossistema: um complexo dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microorganismos e o seu meio inorgânico que interagem como uma unidade funcional;

XI - erosão genética: perda ou diminuição da diversidade genética, por ação antrópica ou causa natural;

XII - material genético: todo material biológico de origem vegetal, animal, microbiana ou outra que contenha unidades funcionais de hereditariedade;

XIII - país de origem de recursos genéticos: país que possui esses recursos genéticos em condições in situ, incluindo aqueles que, havendo estado em tais condições, encontram-se em condições ex situ sob jurisdição nacional;

XIV - produto derivado: produto natural isolado de origem biológica, ou que nele esteja estruturalmente baseado, ou ainda que tenha sido de alguma forma criado a partir da utilização de um conhecimento tradicional a ele associado;

XV - provedor do conhecimento tradicional: comunidade ou grupo que está capacitado, de acordo com esta Lei e por meio de autorização de acesso, para participar do processo decisório a respeito do provimento do conhecimento tradicional que detém;

XVI - provedor de recurso genético: pessoa física ou jurídica, população indígena ou comunidade local, capacitada, de acordo com esta Lei e por meio de autorização de acesso, para participar do processo decisório a respeito do provimento do recurso genético, material genético ou de seus derivados;

XVII - recursos biológicos: organismos ou parte destes, populações ou qualquer outro componente biótico de ecossistemas, compreendendo os recursos genéticos;

XVIII - recursos genéticos: material genético de valor real ou potencial, incluindo a variabilidade genética de espécies de plantas, animais e microorganismos integrantes da diversidade biológica, de interesse sócioeconômico atual ou potencial, para utilização imediata ou no melhoramento genético, na biotecnologia, em outras ciências ou em empreendimentos afins;

XIX - repartição de benefícios: compreende as medidas para promover e garantir a distribuição dos resultados, econômicos ou não, da pesquisa, desenvolvimento, comercialização ou licenciamento decorrentes do acesso a recursos genéticos, incluindo o acesso, transferência de tecnologia, capacitação física e humana e biotecnologia e participação em atividades de pesquisa e desenvolvimento relacionados a recursos genéticos;

XX - uso sustentável: utilização de componentes da diversidade biológica de modo e em ritmo tais que não levem, no longo prazo, à diminuição da diversidade biológica, mantendo assim seu potencial para atender às necessidades e aspirações das gerações presentes e futuras;

XXI - Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios: instrumento juridico multilateral, que qualifica as partes, o objeto e as condições de acesso e remessa de componente do patrimônio genético e conhecimento tradicional associado, bem como as condições de repartição de benefícios.

CAPÍTULO III
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS


Art. 8° Incumbe a todas as pessoas físicas e jurídicas e ao Poder Público, em particular, preservar o patrimônio genético e a diversidade biológica do País, promover seu estudo e uso sustentável e controlar as atividades de acesso a recursos genéticos, assim como fiscalizar as entidades dedicadas à prospecção, coleta, pesquisa, conservação, manipulação, comercialização, dentre outras atividades relativas a estes recursos, na forma desta Lei, atendidos os seguintes princípios:

I - integridade do patrimônio genético e da diversidade biológica do País;

II -
soberania nacional sobre os recursos genéticos e seus produtos derivados, existentes no território nacional;

III - necessidade de consentimento prévio e fundamentado do Órgão Indigenísta Oficial para as atividades de acesso aos recursos genéticos situados nas áreas ocupadas por populações indígenas, aos seus cultivos agrícolas domesticados e semi-domesticados e aos conhecimentos tradicionais que detém;

IV - integridade intelectual do conhecimento tradicional detido pela comunidade local ou população indígena, garantindo-se-lhe o reconhecimento, a proteção, a compensação justa e equitativa pelo seu uso e a liberdade de intercâmbio entre seus membros e com outras comunidades ou populações análogas;

V - inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade dos direitos relativos ao conhecimento tradicional detido pela comunidade local ou população indígena e aos seus cultivos agrícolas domesticados e semi- domesticados, possibilitando-se, entretanto, o seu uso, após o consentimento prévio e fundamentado do Órgão Indigenísta Oficial, ouvida a respectiva comunidade local ou população indígena e mediante justa e equitativa compensação, na forma desta Lei;

VI - participação nacional nos benefícios econômicos e sociais decorrentes das atividades de acesso, especialmente em proveito do desenvolvimento sustentável das áreas onde se realiza o acesso a recursos genéticos e das comunidades locais e populações indígenas provedoras do conhecimento tradicional;

VII - realização, obrigatoriamente no território nacional, das atividades de beneficiamento, pesquisa e desenvolvimento relacionadas aos recursos genéticos aos quais o acesso for concedido;

VIII - promoção e apoio às distintas formas de geração, em benefício do País, de conhecimentos e tecnologias relacionados a recursos genéticos e produtos derivados, inclusive estimulando centros de pesquisa e universidades do exterior ao estabelecimento de convênios com entidades congêneres no território nacional.

IX - proteção e incentivo à diversidade cultural, valorizando-se os conhecimentos, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas sobre a conservação, melhoramento, uso, manejo e aproveitamento dos recursos genéticos e seus produtos derivados;

X - compatibilização com as políticas, princípios e normas relativas à biossegurança;

XI - compatibilização com as políticas, princípios e normas relativas à segurança alimentar do País;

XII - compatibilização com as políticas, princípios e normas relativas às políticas nacionais de proteção ao meio ambiente;

XIII - cumprimento e fortalecimento da Convenção sobre Diversidade Biológica e demais atos internacionais relacionados à conservação e ao uso sustentável da diversidade biológica.

Art. 9° As autorizações de acesso a recursos genéticos, seu controle e fiscalização visam à conservação, ao estudo e ao uso sustentável da diversidade biológica do País, aplicando-se as disposições desta Lei a todas as pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras, assim como a:

I - todas as atividades de extração, uso, aproveitamento, armazenamento ou comercialização, no território nacional, de recursos genéticos e seus produtos derivados;

II - qualquer autorização, acordo ou contrato, público ou privado, relativo a recursos genéticos e produtos derivados originários do País.

CAPÍTULO IV
DAS ATRIBUIÇOES INSTITUCIONAIS


Art. 10 O Poder Executivo criará um Conselho lnterministerial, vinculado à Casa Civil da Presidência da República, composto representantes dos órgãos que detém competência legal sobre as diversas ações de que trata esta Lei, com as seguintes finalidades:

I - conceder autorização de acesso a amostra de componente do patrimônio genético existente em condições in situ, no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva;

II - conceder autorização de acesso ao conhecimento tradicional associado, mediante anuência prévia do Órgão Indigenísta Oficial;

III - fiscalizar e monitorar , em articulação com órgãos federais, as atividades de acesso a amostra de componente do patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado;

IV - conceder autorização para remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado para instituição nacional, pública ou privada;

V - fiscalizar , em articulação com órgãos federais, qualquer remessa de amostra de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado;

VI - acompanhar e avaliar o acesso à tecnologia e a transferência de tecnologia para a conservação e utilização do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado;

VII - divulgar listas de espécies de intercâmbios facilitado constantes de acordos internacionais, inclusive sobre segurança alimentar, dos quais o País seja signatário;

VIII - criar e manter base de dados para registro de informações obtidas a campo durante a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;

IX - criar e manter base de dados para registro de informações sobre conhecimento tradicional associado;

X - criar , manter e divulgar base de dados para registro de informações sobre todas as autorizações de acesso e remessa de amostra de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado;

XI - conceder à instituição pública ou privada nacional, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e a universidade nacional, pública ou privada, autorização especial de acesso, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos;

XII - credenciar instituição pública e privada nacional para, mediante convênio, ser fiel depositária de amostra representativa de componente do patrimônio genético a ser remetida para instituição nacional, pública ou privada;

Art. 11 O Conselho Interministerial de que trata o artigo anterior, terá sua estrutura e funcionamento dispostos em decreto específico do Poder Executivo.

Art. 12 O acesso a componente do patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado somente será autorizado a instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, nos termos do regulamento.

§ 1° O acesso a amostras do patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado só poderão ocorrer após obtenção da Autorização de Acesso junto ao órgão previsto no art. 10.

§ 2° A Autorização de Acesso fica condicionada ao recolhimento de emolumentos e ao cumprimento das demais exigências legais e regulamentares.

§ 3° O acesso a amostras do patrimônio genético, em condições in situ, e ao conhecimento tradicional associado só poderão ocorrer após assinatura de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

§ 4° A participação de pessoa jurídica sediada no exterior, na coleta de amostra de componente do patrimônio genético in situ e no acesso ao conhecimento tradicional associado, somente será autorizado quando feita em conjunto com instituição pública nacional, sendo a coordenação das atividades obrigatoriamente realizada por esta última e desde que as instituições envolvidas exerçam atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins.

§ 5° A pesquisa sobre componentes do patrimônio genético deve ser realizada obrigatoriamente no território nacional.

§ 6° A Autorização de Acesso a amostra de componente do patrimônio genético de espécie endêmica ou ameaçada de extinção dependerá de anuência prévia do órgão competente.

§ 7° A autorização para ingresso em terras indígenas, para acesso à amostra de componente do patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, dependerá da anuência prévia do Órgão Indigenísta Oficial que, antes de proferir sua decisão, deverá consultar a comunidade indígena envolvida.

§ 8° A autorização para ingresso em áreas protegidas, para acesso à amostra de componente do patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, dependerá da anuência prévia do órgão competente.

§ 9° A autorização para o ingresso em área pública ou privada, para acesso à amostra de componente do patrimônio genético, ou de conhecimento tradicional associado, dependerá da prévia anuência do titular, ou da comunidade local envolvida, responsabilizando-se o detentor da autorização a ressarci-lo por eventuais danos ou prejuízos causados, desde que devidamente comprovados.

§ 10° A autorização para o ingresso nas áreas indispensáveis à segurança nacional, para acesso à amostra de componente do patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, ficará sujeita à audiência prévia do Conselho de Defesa Nacional.

§ 11° A autorização para ingresso em águas jurisdicionais brasileiras para fins de coleta de amostras de componentes do patrimônio genético, associados ou não aos conhecimentos tradicionais, dependerá de anuência prévia a autoridade marítima.

Art. 13 As coleções ex situ de amostras do patrimônio genético deverão ser cadastradas junto ao órgão de que trata o art. 10, no prazo máximo de um ano, a contar de sua efetiva implementação.

Parágrafo único. A conservação ex situ de amostras de componentes do patrimônio genético deve ser realizada preferencialmente no território nacional ou, quando da necessidade de remessa para o exterior, que previamente se disponibilize à centros congêneres nacionais tais amostras.

Art. 14 A remessa de qualquer amostra de componente do patrimônio genético para instituição destinatária pública ou privada, nacional ou sediada no exterior, será efetivada a partir de material em condições ex situ, mediante a informação do uso pretendido e a prévia assinatura de Termo de Transferência de Material, observado o cumprimento cumulativo das seguintes condições, além de outras que o regulamento estabelecer:

I - depósito de amostra representativa em banco depositário sediado em instituição credenciada.

II - fornecimento de informação obtida a campo, durante a coleta de amostras de componentes do patrimônio genético, para registro em base de dados.

III - fornecimento de informação sobre o conhecimento tradicional associado acessado, quando ocorrer, para registro na base de dados, resguardados os aspectos sigilosos;

IV - fornecimento de informações, quando for o caso, sobre acesso à tecnologia e transferência de tecnologia, sem prejuízo da legislação de propriedade intelectual em vigor e de aspectos sigilosos.

§ 1° O Termo de Transferência de Material não elide a necessidade da assinatura de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefício, mesmo nos casos em que não que houver perspectiva de uso comercial de produto ou processo resultante de componente do patrimônio genético.

§ 2° A remessa de amostra de componente do patrimônio genético de espécies consideradas de intercâmbio facilitado em acordos internacionais, inclusive sobre segurança alimentar , dos quais o País seja signatário, deverá ser efetuada em conformidade com as condições definidas nesses acordos, mantidas as exigências constantes dos incisos deste artigo.

§ 3° O Termo de Transferência de Material terá seu modelo aprovado pelo regulamento desta Lei.

CAPÍTULO VI
DO ACESSO À TECNOLOGIA E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA


Art. 15 A instituição que receber amostra de componente do patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado facilitará o acesso à tecnologia, e transferência de tecnologia para a conservação e utilização desse Patrimônio ou desse Conhecimento à instituição nacional responsável pelo acesso e pela transferência de amostra de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado, ou instituição por ela indicada.

Art. 16 O acesso à tecnologia e a transferência de tecnologia entre as instituições de pesquisa e desenvolvimento, públicas e privadas, nacionais e sediadas no exterior poderão realizar-se, dentre outras atividades, mediante:

I - pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico;

II - formação e capacitação de recursos humanos;

III - intercâmbio de informações;

IV - intercâmbio entre instituições nacionais de pesquisa e instituições de pesquisa com sede no exterior;

V - consolidação de infra-estrutura de pesquisa científica e de desenvolvimento tecnológico;

VI - exploração econômica, em parceria, de processos e produtos derivados do uso de componente do patrimônio genético;

VII -
estabelecimento de empreendimentos conjuntos de base tecnológica.

Art. 17 As empresas que, no processo de garantir o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia às instituições nacionais, públicas ou privadas, responsáveis pelo acesso e pela transferência de amostra de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado, investirem em atividades de pesquisa e desenvolvimento no País farão jus a incentivos fiscais para a capacitação tecnológica da indústria e da agropecuária, e a outros instrumentos de estímulo, na forma da legislação pertinente.

CAPÍTULO VII
DA REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS


Art. 18 Os benefícios resultantes da exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente do patrimônio genético, obtidos por instituição nacional ou instituição sediada no exterior, serão repartidos de forma justa e equitativa entre a União e as partes contratantes, conforme dispuser o regulamento.

§ 1° Quando os benefícios de que trata o "caput" deste artigo decorrerem de exploração econômica do patrimônio genético acessado em terras indígenas ou em área de comunidade local, a respectiva comunidade fará jus a percentual de sua repartição.

§ 2° No caso de a amostra do componente do patrimônio genético haver sido acessada em área de propriedade de Estado, de Município ou de particular , fica garantido ao titular da área percentual dos benefícios mencionados no "caput" deste artigo, a título de incentivo para conservação do patrimônio genético, na forma do regulamento.

Art. 19 As comunidades indígenas ou comunidades locais farão jus a percentual de benefício decorrente da utilização de informação do conhecimento tradicional associado, obtida nessas comunidades.

Art. 20 Os benefícios decorrentes da exploração econômica do patrimônio genético acessado por instituição nacional ou instituição sediada no exterior, a serem repartidos entre as partes contratantes, de forma justa e equitativa, poderão constituir-se, dentre outros, de:

I - divisão de lucros e de royalties resultantes da exploração econômica de processos e produtos desenvolvidos a partir de amostra de componente do patrimônio genético;

II - acesso e transferência de tecnologias;

III - licenciamento, livre de ônus, de produtos e processos;

IV - capacitação de recursos humanos.

Parágrafo único. O valor dos benefícios de que trata este artigo não poderá ser inferior a dez por cento do faturamento bruto obtido na comercialização de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra do componente do patrimônio genético.

Art. 21 A exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente do patrimônio genético, acessada em desacordo com as disposiçôes desta Lei, sujeitará o infrator ao pagamento de indenização correspondente a, no mínimo, vinte por cento do faturamento bruto obtido na comercialização de produto ou dos "royalties" obtidos de terceiros pelo infrator, na hipótese de licenciamento de processo ou do uso da tecnologia, protegidos ou não por propriedade intelectual, sem prejuizo das penalidades administrativas na forma desta Lei e sanções penais previstas na legislação vigente.

Art. 22 O Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, instrumento jurídico multilateral, deverá indicar e qualificar com clareza as partes contratantes, a saber:

I - de um lado:

a) a União;

b) o proprietário da área, pública ou privada, ou o representante da comunidade indígena e do órgão indigenista oficial, ou o representante da comunidade local;

II - de outro lado:

a) a instituição nacional autorizada a efetuar o acesso;

b) a instituição destinatária.

Art. 23 São cláusulas essenciais do Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, as que disponham sobre:

I - objetivo, seus elementos, quantificação da amostra e uso pretendido;

II - prazo de duração;

III - forma de repartição justa e eqüitativa de benefícios;

IV - direitos e responsabilidades das partes;

V - direito de propriedade intelectual;

VI - condições de acesso à tecnologia e transferência de tecnologia;

VII - rescisão;

VIII - penalidades;

IX - foro.

CAPÍTULO VIII
DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS


Art. 24 Considera-se infração administrativa contra o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional associado toda ação ou omissão que viole as regras previstas nesta Lei.

§ 1° As infrações administrativas serão punidas na forma estabelecida no regulamento desta Lei, com as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa;

III - apreensão dos produtos e de componentes do patrimônio genético;

IV- suspensão de venda do produto;

V- embargo da atividade;

VI - interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou em preendimento;

VII - suspensão de registro, licença ou autorização legalmente exigidos;

VIII -
cancelamento de registro, licença ou autorização legalmente exigidos;

IX - perda ou restrição de incentivos e beneficios fiscais concedidos pelo governo;

X - perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;

XI - intervenção no estabelecimento;

XII - proibição de contratar com a Administração Pública, por período de até cinco anos.

§ 2° O material ou o produto e os instrumentos de que trata o parágrafo anterior terão sua destinação definida pelo órgão competente, inclusive sua destruição.

§ 3°
As sanções estabelecidas neste artigo serão aplicadas pelo órgão de que trata o art. 11, na forma processual estabelecida no regulamento desta Lei, sem prejuizo das sanções civis ou penais cabíveis.

§ 4° As multas de que trata o inciso II do § 1° deste artigo serão arbitradas pela autoridade competente de acordo com a gravidade da infração e na forma do regulamento, podendo variar de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ l00.000,00 (cem mil reais), quando se tratar der pessoa fisica.

§ 5° Se a infração for cometida por pessoa jurídica, ou com seu concurso, a multa será de R$ l0.000,00 (dez mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), arbitrada pela autoridade competente, de acordo com a gravidade da infração, na forma do regulamento.

CAPÍTULO IX
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS


Art. 25 A concessão de direito de propriedade industrial pelos órgãos competentes, sobre processo ou produto obtido a partir de amostra de componente do patrimônio genético, fica condicionada à observância desta Lei, devendo o requerente informar a origem do material genético e do conhecimento tradicional associado, quando for o caso.

Art. 26 A fiscalização, a interceptação e a apreensão de amostra de componente do patrimônio genético acessada em desacordo com as disposições desta Lei serão exercidas por órgãos federais, de acordo com o que dispuser o regulamento, podendo, ainda, tais atividades serem descentralizadas, mediante convênios.

Art. 27 Pela prestação dos serviços previstos nesta Lei será cobrada retribuição, cujo valor e processo de recolhimento serão estabelecidos em ato do titular do órgão da Administração Pública Federal a que estiverem vinculados tais serviços.

Parágrafo único. Os recursos provenientes da retribuição de que trata este artigo constituirão receita própria do órgão de que trata o art. 11, cuja aplicação será por ele definida em resolução.

Art. 28 A parcela dos lucros e os royalties, devidos à União, resultantes da exploração econômica de processos ou produtos desenvolvidos a partir de amostra de componente do patrimônio genético, bem como as multas e indenizações de que trata esta Lei serão destinados ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado pela Lei n° 7.797, de 10 de julho de 1989, ao Fundo Naval, criado pelo Decreto n° 20.923, de 8 de janeiro de 1932, e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, criado pelo Decreto-Lei no 719, de 31 de julho de 1969 e restabelecido pela Lei n° 8.172, de 18 de janeiro de 1991, na forma do regulamento.

Parágrafo único. Os recursos de que trata este artigo serão utilizados na conservação da diversidade biológica, na promoção do uso sustentável de seus componentes, no fomento à pesquisa científica, no desenvolvimento tecnológico associado ao patrimônio genético e na capacitação de recursos humanos.

Art. 29 As disposições desta Lei não se aplicam à matéria regulada pela Lei n° 8.974, de 5 de janeiro de 1995.

Art. 30 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

O Brasil, graças à sua extensão continental e localização nos trópicos, é uma dos paises de maior diversidade biológica em todo o mundo. Com o desenvolvimento, nas últimas décadas, da moderna biotecnologia, em especial a engenharia genética, a diversidade biológica ganhou uma importância econômica extraordinária. O material genético é hoje a matéria prima da moderna indústria farmacêutica e de alimentos e uma infinidade de outras atividades industriais, movimentando um mercado da ordem de bilhões de dólares.

Até a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica concluída em 1992, prevalecia no cenário internacional o entendimento de que o material genético era um patrimônio comum da humanidade, entendimento admissível em uma época em que esse recurso era acessado com finalidades predominantemente científicas ou para o desenvolvimento de plantas e animais para uso agropecuário. A Convenção sobre Diversidade Biológica consagrou o princípio da soberania dos paises detentores de grande riqueza genética sobre esses recursos. A Convenção estabelece que o pais provedor de recurso genético não pode, em princípio, impedir o acesso dos paises interessados aos seus recursos, mas diz que este acesso será feito nas condições estabelecidas pelo pais provedor. Diz ainda a Convenção que os lucros derivados da exploração comercial de produtos elaborados a partir de material genético devem ser justa e equitativamente divididos com o pais provedor e, o que é mais importante, como contrapartida ao acesso ao material genético o pais destinatário desse recurso deve assegurar ao pais provedor o acesso às tecnologias necessárias ao desenvolvimento de produtos biotecnológicos.

O Brasil não dispõe de legislação regulamentando de forma apropriada o acesso aos nossos recursos genéticos. A implementação da Convenção sobre Diversidade Biológica no pais depende da solução desta lacuna legal. Na ausência de lei sobre o tema, tem sido particularmente difícil controlar a saida de material genético do pais, seja de forma clandestina, a chamada biopirataria, seja de forma legal, através de instituições de pesquisa científica e de contratos entre empresas nacionais e estrangeiras de biotecnologia, com graves prejuízos para o pais.

Com o propósito, então, de coibir a biopirataria, impedir a assinatura de contratos de acesso lesivos aos interesses do Pais e fazer com que a exploração econômica dos nossos recursos genéticos resulte de fato em desenvolvimento científico, tecnológico e econômico do Pais, estamos apresentando o presente projeto de lei.

Sala das sessões,05 de Outubro de 2000.