PROJETO DE LEI Nº 4319, DE 1998

Autor: Deputado Alvaro Valle

Proíbe a clonaqem humana e o desenvolvimento de clones humanos em útero hwnano, ou de qualquer enlmal, ou artilicial.

(APENSE-SE AO PROJETO DE LEI Nº 2811, DE 1997)


O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art 1º É proibido a realização de clones humanos ou o desenvolvimento de qualquer tecnologia de transferência nudear de células somáticas humanas, com o objetivo de criar um ser humano.

Art 2º É proibido a implantação de clones humanos, obtidos intencional ou casualmente, em útero humano, ou de qualquer animal, ou artificial, com o objetivo de criar um ser humano.

Art 3º A tentativa de consumação do crime previsto no artigo anterior será punida como se o delito se tivesse consumado.

Art 4º A consumação ou tentativa de consumação do crime será punida com pena de detenção de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem auxiliar. de qualquer forma, ou colaborar para que se atinja ou se tente atingir o resultado.

§ 2º A pena será aumentada em 1/3 (um terço), se o agente praticar ou tentar praticar o crime. utilizando ou tentando utilizar verba pública de qualquer natureza.

Art 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

JUSTIFICATIVA
A liberdade humana tem seus limites impostos pela Ética e pelas leis naturais. O verdadeiro liberal não é aquele que defende a liberdade sem freios, acima de qualquer outro valor.

A lei natural estabelece o limite para a nossa liberdade. O livre- arbítrio que nos permite até escolher o pecado e a morte, não deve ser confundido com a verdadeira liberdade, defendida por liberais cristãos.

O livre-arbítrio permite-nos saltar de um edifício, matar, roubar e violar normas naturais e sociais. Mas, nesse caso, não estaremos exercendo nosso direito à liberdade, que nos foi concedido para nosso aprimoramento; não para a nossa própria destruição. Estaremos abusando dele.

Em uma sociedade civilizada, cabe ao Estado coibir tais abusos.

O direito à liberdade não pode ser exercido além das normas éticas e naturais, ou em oposição a elas. Os limites para a nossa liberdade foram estabelecidos pelo Criador, e estão explícitos na obra da criação. Não somos livres, por exemplo, para não correr, porque fomos criados com um organismo que exige alimentos. Se não comermos, morremos, porque estaremos atentando contra a nossa natureza.

Nem sempre os atentados à natureza são tão óbvios.

Há mais de um século: Gregor J. Mendell formulou regras sobre a transmissão de características biológicas. As propriedades transmissíveis são controladas por um fator denominado gene. A ciência, que procura estudar o gene, foi denominada Genética (ver Brown,. T. A., Gene Cloning, Chapman & Hall, 1995).

Recentemente, cientistas, em diferentes países do mundo, resolveverarn tentar dar um novo passo. Qual deuses, produzir seres humanos e ameaçar-nos com experiências dessa espécie.

Há os que imaginam, clonando seres vivos, ser possível repetirem-se as experiências que já se fazem com animais, também com seres humanos. Os riscos são evidentemente insuportáveis, e cabe ao Poder Público impedir que se consume a aventura.

O trabalho científico nunca deve ser dificultado, quando se propõe a alargar fronteiras do conhecimento. Só um limite deve ser-lhe imposto a experiência é inaceitável, se contraria normas éticas, que devem presidir o trabalho e e pesquisa científica, como tudo mais. A ciência é para o homem e não o homem para a ciência.

Imaginemos um mundo novo em que os pais pudessem escolher o perfil do DNA de seus futuros filhos. É claro que usariam critérios qualitativos subjetivos. Falhando a tecnologia adotada - o que provavelmente, aconteceria com freqüência -a mãe tenderia a abortar ou o dentista eliminaria o feto pela morte. Mas se a criança nascesse, e não correspondesse ao modelo imaginado? Proporiam talvez um legislação que determinasse descontos, se a criança não nascesse de acordo com os padrões contratados. Além, é claro, do sacrifício do ser não desejado... (some o assunto, v. Peters, Ted. Cloning Shock, in Human Cloning. Westminter John Knox Press, Louisvtle, 1997, pg. 23).

Experimentemos concentrar-nos em outro tipo de análise.

Preliminarmente, vale meditar sobre o risco, intolerável para seres humanos, de tais experiências que, entre animais, têm baixissimas percentagens de êxito. Para chegar-se à Dolly, foram feitas 277 tentativas, conseguindo-se a sobrevivência de 29 embriões. durante 6 dias no 14° dia, 18 fetos haviam morrido. Ao final. houve 5 nascimentos. tendo sobrevivido apenas Dolly.

Em seres humanos, experiências desse tipo revelariam um barbarismo, evidentemente: inaceitável.

A ciência não tem qualquer capacidade de controle sobre os fatos decorrentes da clonagem. Não se sabe que fatores genéticos são ou não são transmitidos; que novas conseqüências poderão advir, em futuras gerações; que preços podem ser exigidos. pela Natureza, dos que se aventurem a tentar competir com Deus, na obra da Criação. Qualquer cientista reconhecerá que um clone humano poderá trazer e transmitir células que disseminem alterações ou deformações genéticas incontroláveis, em poucas gerações.

A Pontifícia Acadamia Pro Vita expediu importante documento intitulado Reflexões sobre a Clonagem, em que lembra que. "no processo de clonagem, ficam pervertidas as relações fundamentais da pessoa humana: a filiação, a consangüinidade, o parentesco... Uma mulher pode ser irmã gêmea de sua mãe; pode faltar-lhe um pai biológico e pode mesmo ser filha de seu avô...." Encena-se e imita-se aquilo que tem lugar na natureza. mas a preço de menosprezar tudo o que, no homem, ultrapassa a sua componente biológica" (v. in <http://vatican. va/roman_curia/pontifical_academies>).

Já em 1993, professores da George Washington Univesity (<http://www.digitalmed.com/biochem/university.html>) haviam realizado experiências de cisâo gemelar ("splitting") de embriões humanos. Mas as experiências que levaram ao nascimento da ovelha Dolly (a notícia foi divulgada pelos cientistas Jan Vilmut e K.H.S.Campbell, na revista Nature de 27 de fevereiro, de 1997) trouxeram novos elementos. Não se tratava de uma cisão gemelar, mas de uma reprodução assexual e agâmica (sem gametas). Parecia, então, que, teoricamente, se tomara possível a repetição de experiência semelhante em seres humanos, reduzindo-se a mulher a funções meramente biológicas, como lembra o documento pontifício: "emprestimo de óvulos e do útero". Seria o radical desconhecimento do respeito devido à dignidade da mulher. Com os estudos para a criação do útero artificial, ela acabaria por ser dispensada.

Não nos parece válido o argumento levantado por alguns dos críticos da clonagem, que imaginam que os clones poderiam ter a mesma alma que o outro clonado com a mesmo genotipo. Realmente, o clone tem a mesmo genoma da pessoa de quem o DNA foi tornado. E então, doador e clone têm o rnesmo genótipo. Mas isso já acontece com gêmeos, e nunca algum teólogo afirmou que gêmeos tivessem almas idênticas.

Dolly, a ovelha clonada, nasceu em 5 de junho de 1996, As cinco horas da tarde, no Roslin Institute, na Escócia: Seu criador foi Ian WiImut, um embriologista de 52 anos. Sua equipe pretendia usar ovelhas para fabricar drogas que tratassem de algumas doenças como a hemofilia (ver o excelente trabalho de Gina Kolata, Clone. publicado por William Morrow and Company, Inc. Nova York, 1998) Kolata é a repórter do New York Times que publimu a primeira materia sobre Dolly.

O Parlamento Europeu, em Resolução de 12 de março de 1997, lembra um outro extraordinário risco que adviria com a clonagem: a tentativa de discriminação, através da seleção de um perfil eugênico. O nazismo e o racismo odiosos seriam levados a níveis. incontroláveis, se a clonagem humana fosse vulgarizada. Essas foram algumas das razões que levaram o magistério da Igreja, na Instrução Donum Vitae, de 1987, a condenar a hipótese da clonagem humana, da cisão gemelar e da partenogênese.

Em janeiro de 1998, o Parlamento Europeu voltou ao assunto, aprovando um Protocolo, que proibe a clonagem humana, no território dos países membros. Nos debates, foram novamente relembrados os evidentes riscos do ressurgimento de tentativas de suposto aprimoramento étnico dos povos mais desenvolvidos.

A clonagem de um ser humano foi definida pelo Parlamento Europeu como "a criação de embriões humanos, com o mesmo patrimônio genético de um outro ser humano, vivo ou morto, em qualquer fase de seu desenvolvimento a partir da fecundação, sem distinção possível, no que diz respeito ao método utilizado" (Resolução de 12/3/97) o Parlamento relembra, nesse documento, que "a investigação científica, uma das chaves do progresso, deve continuar, sem, contudo, alentar contra a dignidade e a integridade do ser humano".

O Conselho da Europa promulgou, ainda em janeiro de 1998, um protocolo, que afirma enfaticamente, no seu primeiro artigo: "É proibida qualquer intervenção que procure criar um ser humano geneticamente idêntico a outro, vivo ou morro".

Nos Estados Unidos. registra-se a mesma repulsa que se manifesta na Europa, à tentativa de criação de seres humanos artificiais. O Congresso americano discute projetos dos Senadores Bill Flist (R., Tenessee, <senator_frist@frist.senate.gov>) Chistopher S. Bond (R., Mo, <kit_bond@bond.senate.gov>), Senadora Diane Feinstein (D., Cal. <senator@boxer.senate.gov>), Senado Edward Kennedy (D., Mass.
<senator@kennedy.senate.gov>) Deputado Richard K.. Armey (R., Texas, Líder da Maioria, <http://armey.house.gov>), Deputado Wemon J. Ehlers (R.. Mich, <http://www.house.gov/ehiers/welcome/html>.

Em alguns legislativos estaduais, surgiram iniciativas semelhantes, sendo, talvez, a mais significativa delas, a do Senador estadual Johnn Marchi (R., H. Y. marchi@senate.state.ny.us). Nos endereços eletrônicos dos parlamentares, podem ser encontrados pronunciamentos sobre o assunto. Também podem ser encontradas informações legislativas no endereço da Unesco <http://www.education.unesco.org>.

A iniciativa recente mais importante foi do Presidente Clinton que, em junho de 1997, propôs ao Congresso O Cloning Prohibition Act. Esse documento proíbe o uso de tecnologia de transferência nuclear de célula somática humana.

O próprio projeto explica que "o termo tecnologia de transferência nuclear de célula somática humana significa tomar o material nuclear de uma célula somática humana, incorporá-lo a um oócito, do qual o núcleo foi removido, ou tomado inerte, e produzir embrião...".

A legislação sugerida pelo Presidente Clinton é considerada por muitos de seus críticos excessivamente branda, por permitir experiências que facilitar a fraude.

No Projeto que propomos, proíbe-se a utilização dessa tecnologia de transferência nuclear de célula somática humana para a obtenção de clones, e sua implantação em útero humano ou de qualquer animal.

Se transformado em lei, também não será permitido que se desenvolvam os clones em matrizes artificiais que imitam os tecidos e se prestam para a cultura de células, tecidos ou órgãos.

O clone é, em tinhas gerais, um conjunto de indivíduos originários de outros por multiplicação assexuada. Todos os membros de um clone têm o mesmo código genético. Denomina-se clonagem a valiáveis tecnologias que acompanham o desenvolvímento do clone e a formação do indivíduo, após sua implantação no útero.

A lei que estamos propondo, visa a impedir a clonagem humana. Ela não dificultará as pesquisas científicas em humanos ou animais, nem a realização de tecnologias como a fecundação assistida. Ela busca impedir. de modo severo, somente a clonagem humana.

Os. estudiosos de Bioética são unânimes no reconhecimento da urgência de se promulgar legislação que previna os grandes ríscos dessa clonagem humana.

Desde 1978, quando surgiu o primeiro chamado "bebê de proveta", com a fertilização do óvulo com esperma, em laboratório (fertilização in vitro), e o subseqüente implante do embrião no útero materno, iniciativas legislativas poderiam ter sido tomados, para que se evitassem deturpações futuras, como as que hoje se temem.

A clonagem humana reduziria a mulher à condição de uma reprodutora animal, tirando-lhe as dignificantes funções da mãe.

Se ela pudesse ter êxito, a Humanidade seria transformada em uma coletividade de rabôs, planejados para serem gerados em uma linha de montagem e por processos industriais. Naturalmente, chegariamos à criação de seres vegetativos, destinados à criação órgãos para venda. Estaríamos negando a própria essência da natureza humana, a sua origem e a sua teleologia.

Talvez realizássemos a imaginação de Huxley, velha de 1931, no seu Brave New Worth. Ou o mundo de Orwell ou de Spielberg, rom o domínio total de algum Big Brother, controlando agora também a criação. Ou seres meio-homens e meio-máquinas, andróides e cyborgs.

Debates como este que estamos propondo ao Congresso Nacional, são essenciais, e tomam-se urgentes. É indispensável que nos previnamos, para evitar o aventurismo irresponsável, mas tecnicarrenle possível, de descompromissados com os valores éticos e sociais. A lei positiva cumprirá sua missão, protegendo valores e impedindo agressões à lei natural.

O articulado do projeto deve sofrer algumas críticas justificadas. Não se precisa dizer, por exemplo, que a tentativa é punida como se o delito tivesse sido consumado. Esse já é um princípio do Direito. Redigimos, entretanto, o artigo 3° deste Projeto, visando a objetivos didáticos. Para os que não estão acostumados a regras jurídicas, é importante que haja a coação legal explícita.

Aprovando o Projeto, estaremos contribuindo para que se mantenha a ordem, no melhor sentido que pode ter esta palavra. Este é o dever fundamental do Estado.

Sala das Sessões, 24 de março de 1998
Deputado Álvaro Valle