PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 149, DE 1997

Autor: Senador
Lúcio Alcântara

Define os crimes resultantes de discriminação genética.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

CAPÍTULO I
DA DISCRIMINAÇÃO GENÉTICA


Art. 1º Para os efeitos dessa lei, entende-se por discriminação genética a discriminação de pessoas em razão de seu patrimônio genético.

Art. 2º A realização de testes preditivos de doenças genéticas ou que permitam identificar a pessoa como portadora de um gene responsável por uma doença ou pela suscetibilidade ou predisposição genética a uma doença só é permitida com finalidades médicas ou de pesquisa médica e após aconselhamento genético, por profissional habilitado.

CAPÍTULO II
DOS CRIMES E DAS PENAS


Art. 3º Negar, limitar ou descontinuar cobertura por seguro de qualquer natureza com base em informação genética do estipulante ou de segurado, bem como estabelecer prêmios diferenciados, com base em tal informação.
Pena : detenção, de três meses a um ano, e multa.

Art. 4º Negar, limitar ou descontinuar cobertura por plano de saúde com base em informação genética do contratante ou de beneficiário, bem como estabelecer mensalidades diferenciadas, com base em tal informação.
Pena : detenção, de três meses a um ano, e multa.

Art. 5º Recusar, negar ou impedir a matrícula, o ingresso ou a permanência de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau, bem como a outras formas de treinamento, atualização profissional ou programa de educação continuada, com base em informação genética da pessoa.
Pena : detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos, a pena é agravada de um terço.

Art. 6º Recusar, negar ou impedir inscrição em concurso público ou em quaisquer outras formas de recrutamento e seleção de pessoal com base em informação genética do postulante, bem como, com base em informações dessa natureza, obstar, impedir o acesso ou a permanência em trabalho, emprego, cargo ou função, na Administração Pública ou na iniciativa privada.
Pena : detenção, de um mês a um ano, e multa.

Art. 7º Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, casamento ou convivência familiar e social de pessoas, com base em informação genética das mesmas.
Pena : detenção, de um a seis meses, e multa.

Art. 8º Divulgar informação genética de uma pessoa, a menos que haja prévia autorização sua, por escrito.
Pena : detenção, de um a seis meses, e multa.

CAPÍTULO III
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS


Art. 9º Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a proibição de estabelecer contratos ou convênios com entidades públicas e de se beneficiar de créditos oriundos de instituições governamentais ou daquelas em que o Estado é acionista, para a instituição.

Parágrafo único. Os efeitos de que trata o caput desse artigo são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Art. 10º Em qualquer caso, os agentes do ilícito e, se for o caso, as instituições a que pertençam ficam obrigados a reparar os danos morais e materiais decorrentes de seus atos.

Art. 11º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 12º Revogam-se as disposições em contrário.

JUSTIFICAÇÃO

O desenvolvimento das técnicas de engenharia genética e da denominada Medicina Molecular está permitindo o diagnóstico e a detecção precoce de algumas doenças genéticas bem como a identificação, no genoma humano, de loci específicos relacionados à suscetibilidade genética a determinadas doenças como, por exemplo, algumas formas de câncer e o diabete mellitus.

O grande benefício dessa tecnologia consiste em poder identificar precocemente pessoas e grupos populacionais de risco e para eles desenvolver e implementar programas que reduzam o risco de adoecimento, com significativo impacto sobre custos pessoais, sociais e, provavelmente, financeiros dessas doenças no futuro, desde que se disponha de tecnologias adequadas para sua prevenção e tratamento – o que se espera possa vir a acontecer, paralelamente.

Embora os testes que permitam tais diagnósticos sejam ainda muito caros e pouco disseminados, verifica-se que o interesse por eles é crescente, tal como seu uso, identificando-se aqui um potencial discriminatório significativo, representado pela sua utilização por planos de saúde, em seguros de vida e de saúde, em processos de seleção de pessoal e outras situações similares, num futuro próximo.

O uso de informação genética para negar, a pessoas de alto risco, cobertura em planos e seguros de saúde e de vida ou para cobrar-lhes mensalidades ou prêmios proibitivos, pode tornar negativos os benefícios que se antecipa da pesquisa genética.
A exclusão de pessoas de alto risco de processos seletivos para ingresso em emprego e a perda de emprego por parte dessas pessoas, quando o empregador conhece sua condição, são outros exemplos possíveis desse uso discriminatório do conhecimento e da tecnologia.

A utilização de informação genética por companhias seguradoras para discriminar segurados tem sido documentada desde 1970, na Europa e em vários estados dos Estados Unidos, não havendo nada que nos faça supor que essas empresas deixarão de fazê-lo no futuro ou em nosso País, agora que poderão dispor de meios bem mais eficazes.

Não é com outra preocupação que alguns países europeus e os Estados Unidos introduziram ou estão apreciando em seus Parlamentos leis no sentido de regulamentar aquelas práticas genéticas ou proibir a utilização desses conhecimentos para a discriminação de pessoas.

A definição de crimes de preconceito e sua penalização pela via legal é tradição cara ao processo legislativo brasileiro.

Nesta tradição, é clássica a Lei Afonso Arinos (Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951), que ‘inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor’.

Desde então, leis ampliaram essa criminalização para abranger também os atos de discriminação e preconceito de sexo e estado civil (Lei nº 7.437, de 20 de dezembro de 1985) e de religião, etnia ou procedência nacional (Lei nº 8.081, de 21 de setembro de 1990; Lei nº 8.882, de 3 de junho de 1994; Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997).

Está na Constituição de 1988 que a promoção do bem de todos, sem preconceitos (...) e quaisquer outras formas de discriminação constituem objetivos fundamentais da República (art. 3°, IV) e que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI).

Na proposição que ofereço à consideração dos nobres colegas, me embasei nas formulações dessa tradição legislativa, de tal maneira que esta nova norma legal tivesse ressonância com a legislação existente.

Para a tipificação de crimes de discriminação genética, tomei por base a legislação em vigor sobre ‘atos discriminatórios ou de preconceito’, em especial a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 – que alterou a Lei Afonso Arinos – e as demais que se seguiram.

No entanto, comparando as penas cominadas nessas leis com as definidas pelo Código Penal, encontrei que – naqueles crimes em que se pode estabelecer um paralelo – as penas determinadas pelas leis contra atos discriminatórios são muito mais pesadas que as previstas pelo Código Penal.

Por exemplo, as penas restritivas de liberdade, previstas para crimes por atos discriminatórios, nas leis citadas, são todas de reclusão de, no mínimo, um ano.

Assim, optei por utilizar os parâmetros e a lógica do Código Penal, cominando penalidades de detenção – em substituição às penas de reclusão das leis anteriores contra atos discriminatórios –, com tempos correspondentes aos definidos para crimes correspondentes pelo Código Penal, e multa, por entender que apenar patrimonialmente poderá ter maior efeito dissuador.

É com esse espírito que espero ser minha proposição apreciada e aperfeiçoada.

Sala das Sessões, em
Senador LÚCIO ALCÂNTARA