PROJETO DE LEI Nº 4900, DE 1999

Autores: Eduardo Jorge e Fábio Feldmann

Dispõe sobre a proteção contra a discriminação da pessoa em rasão da informação genética e dá outras providências.

(APENSE-SE AO PROJETO DE LEI N° 4.610, DE 1998)


O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Esta lei dispõe sobre a protação da Informação genética da pessoa, de forma a assegurar seu direito contra a discriminação, em ramo das suas características genéticas, nas relações trabalhistas, nos contratos de seguros do saúde, de vida e da invalidez e nos convênios médicos.

Art. 2º Para os efeios desta lei, considera-se informação genética o conjunto das informações constantes dos genes, cromossomos, DNA, RNA e demais produtos genéticos, relacionados às características hereditárias da pessoa ou de sua família.

Art. 3º A informação genética da pessoa é inviolável nos termos desta lei.

§ 1° A informação genética da pessoa só poderá ser obtida nos seguintes casos:
I - diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças genéticas e aconselhamenlo genético da pessoa ou de membro de sua família;
II - desenvolvimento de pesquisa científica, desde que a informação não identifique a pessoa portadora dos dados;
III - exames de paternidade.

§ 2° Nos casos dos incisos I e II, exigir-se-á autorização da pessoa cuja informação genética pretende-se obter, ou de seu representante legal.

§ 3° Em casos de extrema necessidade, não estando o paciente em condições de manifestar sua vontade, a autorização para revelação da informação genética da pessoa poderá ser concedida por seu parente mais próximo.

§ 4° Em caso da morte, será possível a obtenção de informação genética da pessoa.
I - Independentemente de qualquer autorização, para identificação do corpo;
II - mediante autorização do cônjuge sobrevivente ou, na sua falta, de seus descendentes, ascendentes ou colaterais, nesta ordem, no caso do previsto no § 1°.

Art. 4º A autorização de que trata o art. 3° deve atender às seguintes condições:
I - será escrita assinada e datada, identificando o tipo de informação a ser obtida;
II - identificará o receptor da informação e a finalidade a que a mesma se
destina

Art. 5º É garantida a confidencialidade da informação genética da pessoa.

Parágrafo único. A obtenção de informação genética de uma pessoa, na forma do art. 3°, não autoriza seu receptor a transmitir essa informação a terceiros, que só poderão ter acesso à mesma mediante nova autorização.

Art. 6º A informação genética não poderá ser utilizada:
I - como fator de discriminação na relação de trabalho, incluíndo:
a) demitir ou deixar de comtratar empregado ou aprendiz de discriminá-lo com respeito a salários, benefícios ou condições de trabalho;
b) limitar, segregar ou classificar empregado ou aprendiz de forma a restringir suas oportunidades de ascensão na carreira;

II - na qualificação de um comprador de apólice de seguro saúde, de vida ou de invalidez;

III - na contratação de convênio médico;

IV - para rejeitar, limitar, cancelar, recusar renovação, estabelecer padrões diferenciados ou afetar de qualquer forma os benefícios de um convênio médico ou de seguro de saúde, de vida ou de invalidez.

§ 1° É vedado a agência de empregos deixar de recomendar potencial empregado ou discriminá-lo com base na informação genética.

§ 2° É vedado a sindicato ou central de sindicatos excluir de seus quadros, discriminar, classificar ou estimular a discriminação de membro da categoria profissional com base na informação genética.

Art. 7º A lnformação genética deve ser registrada separadamente da outras informações médicas.

§ 1° No caso da utilização de prontuários eletrônicos, deve ser adotado mecanismo que impeça o acesso às informações genéticas por pessoa não-autoriza.

§ 2° No caso da utiização de prontuários de papel, os mesmos devem ser guardados em arquivos trancados.

§ 3° O material biológico destinado à obtenção da informação biológica deverá ser encaminhado ao laboratório com senha, a qual só será de conhecimento do médico ou geneticista responsável pelos exames.

§ 4° A informação genética só poderá ser entregue ao rnédico ou geneticista solicintate.

§ 5° Ficam os médicos e laboratórios que realizam exames para obtenção de informação genética e aconselhamento genético obrigados a regístro no órgão federal competente, na forma de regulamento.

Art. 8º Constitui crime contra a proteção da informação genética da pessoa obter, transmitir ou utilizar informação genética em desacordo com o previsto por esta lei.
Pena: detenção de três meses a um ano, ou multa.

§ 1° Se a infração for cometida por pessoa jurídica, incorrerão na pena prevista no caput os seus diretores ou gerentes responsáveis pelo ato, ficando a pessoa jurídica impedida de firmar contrato com a Administração Pública pelo prazo de até cinco anos e sujeita à multa de dez reais a um milhão de reais.

§ 2° Somente se procede mediante representação.

§ 3° O valor da multa prevista § 1°, parte final, será revertido em favor do Fundo de que trata a Lei n° 7347, de 24 de julho de 1985.

§ 4° O valor da multa prevista no § 1°, parte final, será atualizado monetenamente, quando de execução, com base nos índices estebelecidos na legislação pertinente.

Art. 9º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA
Uma molécula de DNA contém as informações genéticas únicas e peculiares de cada indivíduo. Essas informações estão contidas num código que cada vez mais está sendo rapidamente decifrado e compreendido. As pesquisas na àrea de genética humana avançam consideravelmente e oferecem informações e diagnósticos que podem gerar enormes benefícios para os indivíduos e suas famílias. O uso inadequado ou não autorizado da informação genética, entretanto, pode causar danos sociais e psicológicos significativos aos indivíduos, incluindo a estigmatização e a discriminação.

Segundo a Dra. Bertha Maria Knoppers, em artigo sobre as implicações legais e éticas das biotecnologias, a informação genética tem certas características que a tomam singular. Trata-se de informação pessoal, entretanto, familiar, ligada a várias gerações. É utilizada para diagnósticos e cada vez mais mostra-se como um componente das doenças mais comuns. Além de ser encontrada nos registros médicos, é também registrada em cada célula humana, o que faz com que uma informação altamente pessoal torne-se facilmente um dado público, podendo ter implicações até de caráter sócio-econômico.

Hoje a proteção legal dessa informação no Brasil é inexistente, havendo a necessidade de criar-se legislação para assegurar a proteção da informação genética para evitar a discriminação e garantir seu sigilo, razão pela qual é apresentada esta proposta.

Nos Estados Unidos da América, há legislação federal e dos estados regulando essa matéria. Foi lá que se buscaram fontes para a formulação deste projeto de lei, descritas nos testemunhos abaixo citados.

Em uma audiência do Comitê de Trabalho e Recursos Humanos do Senado Norte-Americano, no dia 28 de outubro de 1997, o médico Donald J. Palmisano, representando o Conselho da Associação Norte-Americana de Medicina (American Medical Association - AMA), falou sobre o tema "Privacidade e Confidencialidade dos Registros Médicos", e seus argumentos refletem em grande medida os fundamentos desta proposta.

Para a AMA, a relação entre pacientes e médicos é baseada fundamentalmente na confiança. A Associação defende que a confidencialidade das comunicações dentro desse relacionamento é um dos princípios básicos do bom atendimento médico. Para que os médicos possam dar o melhor aconselhamento e atendimento, é indispensável que seus pacientes sintam confiança para revelar dados pessoais que não gostariam que outros soubessem. Sem tal segurança, os pacientes não prestariam as informações necessárias ao diagnóstico e tratamento adequado.

A visão da AMA sobre a privacidade e confidencialidade baseia-se nas seguintes premissas:

  • que existe um direito básico dos pacientes à privacidade sobre suas informações e registros médicos;
  • que esse direito deve ser reconhecido explicitamente;
  • que essa privacidade deve ser garantida, a não ser que a revelação de informações seja autorizada pelo próprio paciente de forma significativa;
  • que a informação revelada se limite apenas aquela porção dos registros médicos que se faça necessária ao atendimento de uma dada situação fática.

Dentro desses princípios, advogam que o propósito primordial de um registro médico é servir como um instrumento confiável para o diagnóstico e tratamento clínico dos pacientes. Os pacientes devem ter acesso às informações contidas em seus registros médicos, com raras exceções, como é o caso da proteção de saúde física e mental do paciente. O registro médico em si (registro físico) é propriedade do médico responsável ou de que dá assistência médica, que têm a obrigação legal e ética de manter registros acurados e verdadeiros. Além disso, o consentimento expresso de um paciente para a revelação de suas informações e princípio básico do código de ética médica.

Como defensora dos direitos dos pacientes, a AMA tem-se esforçado para proteger os pacientes contra o uso indevido da informação genética. A entidade reconhece o potencial uso positivo dos testes genéticos e estimula os pacientes a promoverem testes preventivos, mas prevê o potencial uso adverso dessas informações, quando são utilizadas para discriminação contra pacientes nas áreas de seguros e convênios, e nas relações de trabalho.

A AMA entende que a informação médica não deve ser explorada como item de comércio ou como fonte de ameaça. Esses usos indevidos prejudicam a própria essência de um bom atendimento médico e o respeito à confidencialidade, pressuposto da relação paciente-médico.

Em 1995, o Instituto Nacional de Saúde (National Institute of Health - NIH), em conjunto com o Departamento de Energia (Departament of Energy), num esforço de um grupo de trabalho sobre as implicações Éticas, Legais e Sociais da Pesquisa sobre o Genoma Humano, desenvolveu e publicou recomendações para formuladores de políticas públicas federais e estaduais para a proteção dos indivíduos contra a discriminação genética.

Para formular essas recomendações, o grupo de trabalho eniendeu como informação genética aquela relativa a "genes, produtos genéticos, ou características hereditárias originárias de um indivíduo ou de membro de sua familia". Para os fins dessas recomendações, o grupo de trabalho definiu "empresa seguradora, como uma seguradora, um empregador ou qualquer outra entidade fornecedora de plano de saúde". Essas recomendações também foram revistas e adotadas pela AMA em 1996, consistindo, portanto, na sua última política sobre o tema. São as seguintes as recomendações:

  1. As empresas de seguros devem ser proibidas de usar a informação genética, negar ou limitar a cobertura ou estabelecer critérios de elegibilidade para cobertura com base em informação genética;
  2. As empresas de seguros devem ser proibidas de estabelecer preços ou prêmios diferenciados, baseados em informação genética ou para a socilitação de serviços genéticos por um indivíduo;
  3. As empresas seguradoras devem ser proibidas de solicitar ou exigir a coleta ou revelação de informação genética;
  4. As empresas seguradoras e outros depositários de informações genéticas devem ser proibidos de revelar essas informações sem o consentimento prévio por escrito do indivíduo interessado, sendo que para cada prestação de informação deve ser concedida nova autorização.

No dia 21 de maio de 1998, o Dr. Jodi Klein Rucquoi, do Departamento de Genética da Universidade de Yale, e associado sênior da National Society of Genetic Counselors, apresentou seu testemunho ao Comitê de Trabalho e Recursos Humanos do Senado Norte-americano sobre a prevenção à discriminação genética nos seguros de saúde. A entidade representa mais de 1500 profissionais da área médica dos EUA, que atuam realizando pesquisas, aconselhamento, administração de serviços e ministram cursos sobre questões genéticas.

Seu depoimento, claro e assustador, revelou o seguinte:

"Algumas pessoas estão sendo testadas para dados genéticos agora, mas muitas acabam se recusando a se submeter aos exames com medo de terem negado acesso a seguros de saúde ou ter seus prêmios elevados, de forma a se tornarem caros e inacessíveis. Por recusarem-se a serem examinadas, as pessoas deixam de obter informações relevantes sobre riscos de saúde e deixam de receber tratamento médico e auxílio preventivo. E, ainda, muitas pessoas com casos familiares de problemas genéticos, acabam sem saber que elas não herdaram aquele gene, e muitas vezes continuam submentendo-se a procedimentos médicos desnecessários. Eu espero que a informação genética, que tem o poder de prever doenças futuras ou possibilidade de doenças futuras, não venha a ser utilizada como motivo de discriminação nos procedimentos de seguradoras de saúde ou convênios médicos".

A preocupação com o tema também está presente na Europa. No livro Bioethics for the People by the People (Bioética para o povo pelo povo), organizado pelo Sr. Darryl R. J. Macer, do Eubios Ethics Institute, de 1994, inclui-se o artigo "Bioética no Conselho da Europa: A Proteção da Informação Genética", onde Christian Byk, de Paris, aborda os trabalhos desenvolvidos pelo Conselho da Europa nas áreas da saúde e da medicina. Dentro desse contexto, foi proposta uma Convenção Européia sobre Bioética. Em seu artigo, o Dr. Christian Byk ressalta a importância da Convenção Européia sobre Proteção de Informação de 1981 e a Recomendação 1981 (1) Européia sobre informações médicas, que estabelecem princípios gerais sobre a coleta e utilização de dados pessoais.

Segundo essas normas, os bancos de dados devem ser registrados e deve haver informação ao público sobre suas atividades e sistemas de segurança. O acesso à informação e seu uso devem ser autorizados apenas para uso médico, dentro do escopo geral daquele banco de dados. Ninguém pode ter acesso a esse tipo de informação, senão por autorização pelo indivíduo em questão.

Outra Recomendação do Conselho, de número R (92) 13, sobre testes genéticos em adultos, estabelece três exceções às regras sobre proteção de dados. Primeiramente, prevê que a informação pessoal só pode ser revelada a membros da família em casos raros de grave risco para saúde do indivíduo ou de seus descendentes. Em segundo lugar, descobertas inesperadas apenas devem ser reveladas à pessoa sob exame se tiverem conseqüências clínicas importantes para sua saúde. Em terceiro lugar, a informação genética deve ser registrada separadamente de outras informações médicas.

A proposta deste projeto de lei assenta-se no direito fundamental à privacidade, garantido pelo artigo 12 da Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas em 1948, e ainda, assegurado pela Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 5°. X, que dispõe: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Faz-se premente a aprovação deste projeto de lei, dada a crescente corrida ao mapeamento genético humano e à necessidade do uso ético de tais informações.

A propósito, no suplemento Time Magazine, do jornal Folha de São Paulo de 7 de janeiro deste ano, foi publicado artigo de Walter Isaacson intitulado"O Século da Biotecnologia", segundo o qual "estamos agora, mais uma vez, diante de um dos avanços mais importantes de todos os tempos." (...) "A engenharia genética tem o potencial de vencer o câncer, fazer com que novos vasos sanguineos cresçam no coração, bloquear o crescimento de vasos em tumores, criar novos órgãos a partir de células diferenciadas e, talvez, encontrar um novo ajuste para o código genético antigo que causa o envelhecimento das células. "Mas, concordando com esse autor, na era da tecnologia, teremos de lutar para manter nossa privacidade. E cabe ao Estado o papel primordial de garantir que nossas informações genéticas não sejam utilizadas sem permissão.

Diante do exposto, conclamamos os ilustres Pares a aprovar esta importante proposição para a qual, queremos salientar, contamos com a valiosa colaboração do Dr. Sergio Simon, da Dra. Rachel Biederman e da Dra. Irismar Naves Mendes.

Sala das Sessões, em 19 de janeiro de 1999
Deputado Eduardo Jorge e Deputado Fábio Feldmann